As recentes revelações do americano Edward Snowden – ex-funcionário da National Security Agency (NSA), hoje asilado na Rússia – vieram para confirmar aquela que era uma das teorias conspiratórias mais difundidas: o governo americano possui, sim, um amplo aparato de espionagem internacional, o Prism, que é operado também com o apoio de empresas nacionais e países aliados.
Sob o pretexto de neutralizar células terroristas, a NSA montou uma estrutura de vigilância que coletou dados telefônicos e virtuais ao redor do mundo. Até ai, sem surpresas: os EUA já se utilizaram de métodos tão ou mais escusos para combater seus inimigos. Contudo, há muito a se pensar sobre este episódio, pois há indícios cada vez mais sólidos de que as reais intenções por trás do programa de vigilância passa longe de ser um instrumento da “guerra ao terror”.
Nem mesmo a população do país acredita nas alegações de seu governo : apurou-se, em pesquisa feita em julho pelo instituto PEW Research, que 70% dos entrevistados crêem haver outras motivações em jogo além da segurança nacional. Ainda segundo a pesquisa, 63% dos questionados desconfia também que o Prism armazena não apenas metadados (códigos computadorizados), como afirmou a NSA, mas também transcreve tudo que era dito, configurando uma total e irrestrita invasão de privacidade. As controversas falas dos representantes do governo parecem de fato incomodar a população, apesar de o governo americano já ter mentido antes. Em 2003, por exemplo, o fez para justificar sua invasão ao Iraque, motivada por interesses políticos e econômicos na região rica em petróleo do Oriente Médio. E parece mesmo estar mentindo novamente: a hipótese de que a inspiração para a espionagem global seja majoritariamente econômica ganha força a cada semana.
A partir dos documentos providos por Snowden, Glenn Greenwald, seu “porta-voz” no jornal The Guardian, mostrou provas
de que até mesmo cidadãos brasileiros, incluindo a presidente Dilma Rousseff, foram vigiados pelos EUA. Além disso, mais recentemente o mesmo jornalista provou que a maior empresa brasileira, a Petrobras, também foi alvo. É absurdo imaginar que a estatal represente qualquer ameaça à segurança nacional americana, mas é razoável dizer que o interesse pelos segredos da petroleira talvez estejam ligados ao fato de que esta detém monopólio dos direitos de exploração do pré-sal no litoral sul do Brasil, onde se encontra a maior reserva de “ouro negro” descoberta nos últimos anos. Os leilões para a concessão de áreas de exploração na região se iniciarão em breve, e, sob posse de informações sigilosas, os americanos poderiam sair na frente.
Os EUA possuem amplo domínio das tecnologias da rede global de comunicação, com livre acesso a boa parte do que está conectado a ela. Tal fato é preocupante, sobretudo após as especulações – cada vez mais certeiras – acerca do Prism, que tornam necessárias mudanças na dinâmica da web, em especial. Talvez só com maior transparência e neutralidade no fluxo de informações teremos maior segurança quando conectados. O áspero discurso de Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, no qual sugeriu um marco regulatório para a internet, pode representar um primeiro passo rumo à essa realidade. Espera-se, portanto, que a situação não se resolva em uma contida retratação por parte do presidente Barack Obama, apesar de essa possibilidade soar oportuna em um caso de violação de liberdades e soberania dessa magnitude.
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