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O Sistema Penal como instrumento político em El Salvador

  • Writer: PET-RI PUC-SP
    PET-RI PUC-SP
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Por Lana Pascua de Freitas Moreira


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Nos últimos anos, El Salvador tem se destacado internacionalmente pela adoção de políticas penais e práticas de segurança pública extremamente rigorosas, ancoradas na narrativa oficial de combate às gangues. Nesse sentido, sob a administração de Nayib Bukele, a retórica de segurança pública tem sido utilizada para justificar medidas de exceção, prisões em massa e a expansão de um aparato punitivo que alcança níveis sem precedentes no país. 

O discurso governamental sobre o “inimigo interno” — refletido nas gangues — funciona como ferramenta para legitimar socialmente medidas excepcionais. A narrativa estatal privilegia termos como eficiência, ordem e controle, naturalizando práticas extremas e ampliando o apoio popular ao projeto político vigente. Além disso, a drástica redução dos homicídios, oficialmente divulgada entre 2023 e 2024, passou a ser empregada pelo governo como trunfo de legitimidade interna e diplomática, promovida por meio de pronunciamentos públicos e ampla cobertura midiática como evidência de que as medidas excepcionais “funcionam” (Folha de S.Paulo, 2023; Gazeta do Povo, 2025). Essa combinação entre resultados estatísticos e espetáculo político fortaleceu a base de apoio popular ao regime. Parte significativa da população salvadorenha percebe as prisões em massa e o estado de exceção como instrumentos de contenção da violência e de recuperação do controle territorial, o que se reflete em índices elevados de aprovação presidencial (Veja, 2025). 

Contudo, notícias e relatórios, como da Anistia Internacional, registram e denunciam prisões arbitrárias (Anistia Internacional, 2025a; 2025b; 2025c), detenções prolongadas e o uso do sistema penal contra defensores de direitos humanos (Anistia Internacional, 2025d). Casos específicos, como o de Fidel Zavala, também indicam riscos de tortura e maus-tratos em centros de detenção (Anistia Internacional, 2025e). Além dessas práticas punitivas, veículos jornalísticos registram prisões em massa e impactos do regime de exceção sobre garantias processuais (BBC Português, 2025). Observam-se também reformas constitucionais sem participação pública (Anistia Internacional, 2025f) e o aprofundamento de padrões autoritários diante do descontentamento social (Anistia Internacional, 2025g), somando-se a denúncias de ataques a instituições independentes, como relatado pela AP News (2025).

Nesse panorama inicial, marcado pela intensificação do controle estatal, o aprofundamento das prisões arbitrárias e detenções em massa revela a consolidação de práticas ilegais. Segundo os relatórios da Anistia Internacional (2025a; 2025b; 2025c), mais de 83.000 pessoas foram detidas desde 2022, muitas vezes sem mandados, investigações prévias ou justificativas administrativas ou judiciais. Tais evidências, somadas a registros de violência, prisões preventivas automáticas e julgamentos coletivos, indicam um funcionamento do sistema penal que opera de forma massiva e extrajudicial.

A intensificação do punitivismo ganha novos contornos quando se observam as reformas legais aplicadas a crianças e adolescentes. Em fevereiro de 2025, foram aprovadas mudanças significativas na legislação penal juvenil (Anistia Internacional, 2025h), endurecendo penas, eliminando benefícios como liberdade condicional em crimes relacionados a gangues e aproximando o tratamento jurídico de adolescentes ao aplicado a adultos. Assim, a ampliação do aparato repressivo se estende para além da população adulta, reforçando uma lógica de encarceramento que contraria padrões internacionais de proteção a menores e que se agrava diante das denúncias de superlotação, maus-tratos, tortura e dificuldades de acesso à defesa.

A lógica de expansão punitiva se articula também com a criminalização seletiva de defensores de direitos humanos. Casos como os de Ruth López, Alejandro Henríquez e José Ángel Pérez — reconhecidos como prisioneiros de consciência (Anistia Internacional, 2025d) — revelam detenções administrativas prolongadas, investigações prorrogadas sem novas provas e medidas restritivas sem relação direta com crimes de gangues. A implementação de juízes anônimos, prisão preventiva automática e suspensão de garantias processuais amplia ainda mais o uso direcionado do sistema penal para silenciar críticas ao governo.

A esse conjunto soma-se a aprovação de reformas que permitem a prorrogação da prisão preventiva por até sete anos antes do julgamento, conforme relatado pelo El País (2025) e confirmado pela Veja (2025). Organizações de direitos humanos alertam que esse modelo legitima o encarceramento prolongado sem garantias reais de defesa, sobretudo em um contexto de estado de emergência contínuo e reanálise sucessiva de processos. Tais medidas reforçam o caráter excepcional e prolongado do sistema penal salvadorenho.

Esse ambiente repressivo se insere em um padrão institucional mais amplo. A Anistia Internacional (2025g) aponta que o governo Bukele aprofundou práticas autoritárias, registrando até maio de 2025 mais de 85.000 prisões arbitrárias e quase 400 mortes sob custódia. A repressão a protestos — como os realizados por famílias de Santa Tecla — pela Polícia Militar, que não possui competência legal clara para atividades de ordem pública, evidencia uma dinâmica de uso político das forças de segurança. Tais ações, somadas a casos como o de Fidel Zavala, marcado por isolamento prolongado, interrogatórios coercitivos, ameaças e condições precárias de detenção, reforçam a utilização do sistema penal como mecanismo de intimidação e controle social.

Além disso, reformas legais recentes ampliam substancialmente o poder estatal. Assim, relatórios da Anistia Internacional (2025h; 2025i) apontam a aprovação acelerada de leis que expandem o alcance do sistema penal e reduzem proteções para grupos vulneráveis. A ausência de debate público nas reformas constitucionais de agosto de 2025 (Anistia Internacional, 2025f) evidencia uma tendência à centralização decisória, enquanto o relatório de maio de 2025 (Anistia Internacional, 2025g) ressalta práticas repressivas em resposta a críticas e protestos, consolidando a concentração de poder no Executivo. A repressão a protestos e à imprensa — como demonstrado pelos ataques à Associação de Jornalistas registrados pela AP News (2025) — evidencia o uso político das forças de segurança. Essa dinâmica se insere em um padrão institucional mais amplo. Segundo a Anistia Internacional (2025g), até maio de 2025 o governo Bukele havia executado mais de 85.000 prisões arbitrárias e registrado quase 400 mortes sob custódia.

Inserido nesse contexto, o discurso governamental sobre o “inimigo interno” — refletido nas gangues — funciona como ferramenta para legitimar socialmente medidas excepcionais. A narrativa estatal privilegia termos como eficiência, ordem e controle, naturalizando práticas extremas e ampliando o apoio popular ao projeto político vigente. A pressão sobre jornalistas, documentada pela AP News (2025), somada ao uso midiático das megaprisões como símbolos de força estatal, reforça essa associação entre encarceramento massivo e estabilidade.

Dessa maneira, as evidências analisadas confirmam a hipótese de que o sistema penal salvadorenho vem sendo utilizado como instrumento de poder político, contribuindo para a consolidação do Executivo e limitando o funcionamento de instituições democráticas. As consequências incluem a normalização de práticas de exceção, o enfraquecimento da separação de poderes e a legitimação de um modelo de governança baseado em eficiência punitiva e erosão institucional. Em síntese, o caso de El Salvador demonstra como políticas de segurança e reformas legais têm transformado o sistema penal em mecanismo de controle político, sustentado por popularidade, militarização e narrativa de urgência, reforçando a necessidade de fortalecimento das instituições democráticas e garantias processuais.




Referências Bibliográficas

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