A expansão digital e a crise hídrica: impactos socioambientais do data center do TikTok/Casa dos Ventos em Caucaia (CE)
- PET-RI PUC-SP

- 2 days ago
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Por Beatriz Prazeres, graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e participante do PET-RI

A construção de um data center da ByteDance, controladora do TikTok, em parceria com a Casa dos Ventos, no município de Caucaia no Ceará, tem sido alvo de intensos protestos por parte da comunidade local e de organizações da sociedade civil. A Byte Dance investirá no local cerca de R$ 50 bilhões para impulsionar o setor tecnológico e de energias renováveis na região, a qual tem histórico de seca. Quais os possíveis impactos ambientais e sociais decorrentes desse empreendimento? E qual o papel do Estado brasileiro na legitimação de projetos de alta tecnologia em contextos de vulnerabilidade socioambiental?
O avanço da infraestrutura digital no Brasil tem sido marcado por grandes investimentos em data centers, segundo o presidente Lula, a intenção é de que o Brasil impulsione todo uma cadeia digital e que se torne um grande exportador de inteligência, pesquisa e inovações tecnológicas (Brasil, 2025). Contudo, tais empreendimentos frequentemente suscitam controvérsias quanto aos seus impactos ambientais e à relação entre desenvolvimento tecnológico e sustentabilidade. O caso da instalação de um data center da ByteDance, empresa controladora do TikTok, em parceria com a Casa dos Ventos, no município de Caucaia, no Ceará, ilustra esse paradoxo.
De acordo com Martins e Amorim (2025), a construção ocorre em uma região caracterizada por escassez hídrica crônica, onde comunidades rurais, como a do Feijão, dependem de caminhões-pipa e cisternas para o abastecimento básico de água. Ainda assim, o projeto prevê o consumo de aproximadamente 30 mil litros de água por dia, obtidos por meio de poços artesianos em sistema de circuito fechado, o que tem gerado forte mobilização popular contra o empreendimento.
O município de Caucaia, localizado na região metropolitana de Fortaleza, enfrenta há anos desafios relacionados à gestão hídrica e à degradação ambiental. Como apontam Martins e Chiaverini (2025), os moradores da comunidade do Feijão organizaram manifestações e denúncias públicas, alertando para o risco de agravamento da escassez de água e da degradação dos ecossistemas locais. Além das mobilizações, foram relatadas preocupações quanto à falta de transparência no processo de licenciamento e à ausência de consulta às comunidades afetadas.
Segundo os autores, “os moradores se mobilizam contra a instalação do data center por temerem que o consumo de água pela estrutura tecnológica comprometa o já limitado abastecimento da região” (Martins; Chiaverini, 2025). Essa resistência popular reflete um conflito mais amplo entre a promessa de modernização tecnológica e os direitos fundamentais das populações rurais e tradicionais.
A atuação do Estado nesse processo também é objeto de críticas. Em nova reportagem, Martins (2025) revela que o governo do Ceará autorizou a construção de uma ponte de acesso ao empreendimento em uma área de proteção ambiental (APA), com o objetivo de viabilizar a logística de instalação do data center. Essa decisão reforça o questionamento sobre a prioridade dada a investimentos corporativos em detrimento da preservação ambiental e da participação social nos processos decisórios.
Como observa Martins (2025), a concessão de licenças e a liberação de obras em zonas de proteção indicam uma postura governamental conivente com práticas de flexibilização ambiental, em nome do progresso tecnológico e da atração de capital estrangeiro, como exemplificado na fala do presidente Lula. Essa lógica se insere em um contexto mais amplo de financeirização da natureza, em que a sustentabilidade é frequentemente reduzida a um discurso legitimador de grandes projetos de infraestrutura.
Além disso, nos últimos meses, o Governo Federal e instituições financeiras públicas lançaram um conjunto de ações para acelerar a atração e implementação de data centers no Brasil: aporte de recursos do Ministério das Comunicações (R$ 600 milhões via FUST/Fust-ações), linha de crédito específica do BNDES (R$ 2 bilhões), e a criação da Medida Provisória que institui o programa Redata para estimular o setor e a economia digital (Brasil, 2025; BNDES, 2025). Esses instrumentos são apresentados como peças centrais para modernizar serviços públicos, ampliar capacidade digital e atrair investimento estrangeiro e nacional.
Ao mesmo tempo, casos locais, como o do projeto da ByteDance/Casa dos Ventos em Caucaia, expõem tensões reais entre política industrial digital e vulnerabilidades socioambientais, sobretudo em contextos de escassez hídrica e fragilidade de participação comunitária.
Os incentivos financeiros (FUST, BNDES, Redata) tornam mais competitiva a atração de projetos, especialmente em locais com condições logísticas atrativas (energia, solo, ventos, portos) como o Complexo do Pecém. Porém, essa competição tende a privilegiar a viabilidade econômica sobre avaliações integradas de recursos naturais: no caso de Caucaia, a disponibilidade de água já é limitada e a autorização de infraestrutura (ex.: ponte em APA) foi questionada por organizações e moradores. Sem condicionantes fortes nos financiamentos, há risco de que o dinheiro público termine por viabilizar projetos que imponham custos socioambientais às comunidades locais.
Segundo o ministro da Economia, Fernando Haddad, a Missão 4 da Nova Indústria Brasil tem como objetivo fortalecer a soberania digital do país, ampliando a capacidade de armazenamento e processamento de dados em território nacional e evitando remessas de dólares enviados ao exterior devido a déficit de serviços que são contratados de fora e que deveriam estar sendo feitos no Brasil (Brasil, 2025).
As empresas participantes do Redata podem ter incentivos fiscais como isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI na aquisição de equipamentos de TIC, importados ou produzidos no Brasil, que são destinados à implantação, ampliação e manutenção de data centers. Já os equipamentos sem produção nacional similar ficam isentos também de imposto de importação (Brasil, 2025).
Para acessar os incentivos fiscais do programa Redata, as empresas beneficiadas deverão investir 2% do valor dos equipamentos adquiridos, sejam nacionais ou importados, em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação voltados ao fortalecimento das cadeias produtivas digitais no Brasil. Além disso, os data centers que aderirem ao regime precisarão reservar ao menos 10% de sua capacidade de processamento, armazenagem e tratamento de dados para o mercado interno, garantindo que a política gere benefícios diretos ao país, requisito que, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, poderá ser reduzido em 20% como forma de estimular a desconcentração regional e atrair novos investimentos para essas áreas (Brasil, 2025).
No campo ambiental, os projetos terão de cumprir exigências de sustentabilidade, como o uso de energia renovável ou limpa e padrões rigorosos de eficiência hídrica, assegurando que a expansão da infraestrutura digital ocorra de forma responsável e alinhada às metas de redução de impactos ambientais (Brasil, 2025).
Apesar disso, a análise do projeto de instalação do data center da ByteDance/Casa dos Ventos em Caucaia revela de forma nítida o paradoxo entre a aceleração da transformação digital e os desafios da sustentabilidade socioambiental no Brasil. Embora o empreendimento seja apresentado como símbolo de modernização tecnológica, geração de empregos e integração à economia digital global, seus impactos potenciais sobre os recursos hídricos, os ecossistemas locais e os direitos das comunidades evidenciam as limitações de um modelo de desenvolvimento ainda centrado na lógica da competitividade e da atração de capitais, em detrimento da justiça ambiental.
Portanto, o caso de Caucaia não deve ser lido apenas como um conflito local, mas como um sintoma estrutural das contradições do desenvolvimento contemporâneo, um modelo que, para ser verdadeiramente sustentável, precisa articular inclusão social, soberania ambiental e justiça econômica.
Referências Bibliográficas
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