Segurança e insurgência: o relacionamento do governo Gustavo Petro com os movimentos guerrilheiros colombianos frente às ameaças dos EUA
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Por Gustavo Chuba, graduando em Relações Internacionais pela PUCSP e membro do PETRI

Desde o início do governo Gustavo Petro em 2022 (que por sinal é o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia), tem se observado uma mudança de posicionamento do governo para com as guerrilhas colombianas, no qual, em seu início havia uma evidente abertura para negociações de paz; de 2023 pra cá, essas relações têm se desgastado, chegando à sua maior crise em 2025, com o aumento da violência no país, no mesmo ano do segundo mandato de Donald Trump à frente do governo dos EUA, que procura encabeçar uma narrativa de combate ao “narcoterrorismo” direcionado à América Latina. O objeto que esse artigo procura destrinchar é o relacionamento do governo colombiano para com os movimentos guerrilheiros, e qual a influência do discurso de Washington nessa dinâmica.
Em março de 2025, Petro deu a seguinte declaração na rede social X: “O exército privado dos cartéis mexicanos no Cânion Micay respondeu com extrema brutalidade em Balboa, Micay, assassinando os soldados que transportavam parte da ponte para os agricultores. A destruição da coluna de narcotráfico de Carlos Patiño é agora uma prioridade para a soberania da Colômbia”. O pronunciamento diz respeito ao ataque da dissidência das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) “Carlos Patiño” — que integra o Estado Maior Central (EMC) — contra soldados colombianos que haviam sido mobilizados para reconstruir uma ponte destruída pela guerrilha na região do Cañón del Micay, no sudoeste da Colômbia, (região que, de acordo com a ONU, abriga uma das maiores concentrações de plantações de coca do país), deixando cinco mortos e dezesseis feridos. Durante uma cobertura da emissora AFP (Agencia France Presse) na região, repórteres flagraram referências ao México na vestimenta de alguns moradores, como bonés com a bandeira do país. Poucas semanas antes, o Ministério da Defesa da Colômbia anunciou que o EMC sequestrou vinte e nove policiais e militares, supostamente com apoio de moradores, no Departamento do Cauca, reduto do grupo na região.
Na mesma ocasião, também foram vistos estabelecimentos c/omerciais com nomes como "Sinaloa" e festas locais entoando canções mexicanas. Petro também se pronunciou à respeito durante a inauguração do complexo científico da Universidade Industrial de Santander (UIS), ligando o cartel ao ELN (Exército de Libertação Nacional): "Os donos dessas estruturas vermelhas e pretas, que já não significam liberdade ou morte, mas sangue, sangue e mais sangue, não são comandantes colombianos, mas sim aqueles que compram cocaína de origem mexicana, do Cartel de Sinaloa: esse é o atual chefe do ELN", disse o presidente no evento oficial. As declarações vêm na esteira dos acontecimentos de janeiro, em que houve uma escalada de conflitos no país, que minaram os diálogos promovidos por Petro com os grupos armados. A crise na região do Catatumbo levou ao deslocamento de aproximadamente 65 mil pessoas em decorrência de conflitos entre o ELN e as dissidências das FARC, além de ao menos 117 mortos.
O foco do artigo não reside no mérito do atual envolvimento factual das guerrilhas colombianas com o narcotráfico, até porque o envolvimento (direto ou indireto) com economias ilegais é notório; existem evidências robustas em relatórios da UNODC, da Human Rights Watch e diversas outras organizações.
Portanto emerge um importante questionamento, num momento de ataque narrativo aberto de Donald Trump à América Latina ao definir o “combate ao narcoterrorismo”: estaria Petro corroborando essa narrativa, e quais seriam as razões do estremecimento das relações do governo com as guerrilhas?
É importante salientar que, essas declarações aconteceram no início do ano, e, após Washington encabeçar a narrativa de “guerra ao narcoterrorismo”, no início de setembro, aumentando a presença militar no mar do Caribe e atacando embarcações, Petro não mais reproduziu o discurso que liga as guerrilhas ao narcotráfico; ao invés disso, deu diversas declarações cobrando explicações do governo americano, denunciando violações do direito internacional nesses ataques e apelando à defesa da soberania nacional, estremecendo as relações colombianas com os EUA, desgaste expressado inclusive na perda do visto americano de Petro após a 80ª Assembleia Geral da ONU, em decorrência da sua participação em protestos pró-Palestina, inclusive discursando no sentido de incentivar a desobediência de militares estadunidenses. Além disso, em outubro, representantes do EMC compartilharam um texto em um bate-papo com jornalista: "Estamos acostumados a lutar e combater quem quer que seja; sempre fomos ferrenhos opositores do império americano. Não permitiremos intervenções militares e violações da soberania colombiana." Essa declaração se deu após Trump ameaçar abertamente “fechar” as plantações de coca do país.
Pode-se observar que, houve uma virada de posicionamento de Petro após as ameaças de Washington, (pelo menos no sentido dos discursos, não no sentido militar), o que enfraquece a tese de corroboração com o discurso estadunidense, ao menos de forma proposital, o que não significa que o governo colombiano melhorou efetivamente sua relação com as guerrilhas operantes, pois essa mudança se deu num cenário de ameaça estrangeira, na qual se torna evidente uma convergência de interesses na defesa do território e soberania colombiana.
Não obstante, o desgaste do relacionamento do governo Petro com as guerrilhas é perceptível por diversos fatores, seja por seu passado enquanto um ex-guerrilheiro do antigo M-19, ou mesmo pela sua campanha presidencial, que tinha como uma das pautas a política de “Paz Total”, que visava abrir mesas de negociação tanto com o ELN quanto com as dissidências das FARC, grupos guerrilheiros esses que, no caso das FARC-EP (Exército do Povo, dissidência das FARC que se tornaria o EMC), com lideranças como Iván Mordisco, retornaram publicamente à luta armada em 2019, devido à ineficiência do Acordo de Paz de 2016 que, além de privilegiar alas específicas da guerrilha, que se tornaram as FARC (Forças Alternativas Revolucionárias do Comum) — que puderam se inserir institucionalmente na Colômbia, podendo até mesmo criar partido e disputar eleições — dissidentes e lideranças foram perseguidas e assassinadas principalmente no governo Iván Duque, além do fato do Estado colombiano não ter atendido por completo as reivindicações e termos do acordo. No caso do ELN, o grupo nunca sequer esteve contemplado no Acordo de Paz, e portanto sofrem perseguição militar generalizada igualmente intensificada no governo Iván Duque, inclusive com operações conjuntas com os EUA.
Em 2023, o governo da Colômbia e o ELN anunciaram um cessar-fogo, dando passos em direção a um acordo mais efetivo. Contudo, o processo enfrentou rapidamente novos obstáculos: o envolvimento de membros do ELN no sequestro do pai do jogador de futebol do Bayern de Munique (na época jogador do Liverpool) e da seleção colombiana Luis Díaz (episódio que causou grande repercussão nacional e internacional) e a decisão do EMC de se afastar temporariamente das mesas de negociação.
No início de 2025, as tensões se agravaram. Ao mesmo tempo em que há uma clara escalada de violência entre os grupos, por razões de disputas territoriais e econômicas, as autoridades colombianas acusaram tanto o ELN quanto o EMC de violar o cessar-fogo, realizando ataques e operações. O ELN, por sua vez, respondeu com duras críticas ao governo, afirmando que o próprio Estado estaria minando o processo de paz por meio de ações militares e falta de garantias. Diante da escalada de desconfiança, as conversas entre o Executivo e o grupo guerrilheiro foram suspensas, deixando o futuro das negociações em aberto e evidenciando a fragilidade dos esforços de pacificação no país, colocando às claras a relevância do tema da segurança relacionada à grupos insurgentes na Colômbia para a sociedade colombiana e para a América Latina.
Portanto, apesar das ameaças dos EUA estarem mais direcionadas à Venezuela no momento, não seria surpreendente que esse holofote recaísse sobre a Colômbia; dentro desse cenário, um apaziguamento das relações seria vantajoso para o interesse da preservação da soberania, pois, não havendo uma articulação efetiva de um acordo na conjuntura de ameaça externa, a intensificação de conflitos armados significa um maior risco para a soberania colombiana, já que ao adotar o discurso de combate ao narcotráfico de forma a ignorar que o aumento da violência em 2025 têm raízes estruturais perpetuadas no Acordo de Paz de 2016 (que causou assimetrias na dinâmica entre o governo e os respectivos grupos guerrilheiros), somado com o atual momento de recrudescimento do imperialismo estadunidense, o país se torna um terreno fértil para que se desenvolva a legitimidade do “combate ao narcoterrorismo”, situação que revela a urgência da pacificação do país e o desafio a ser enfrentado tanto pelo governo Gustavo Petro quanto pelo subsequente.



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