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Resenha Crítica do documentário “Ponto de Virada: 11/09 e a Guerra contra o Terror”

Por Ana Beatriz Mori e Maria Eduarda Alonso - integrantes do Programa de Educação Tutorial de Relações Internacionais da PUC-SP


Capa do documentário no serviço de streaming Netflix (Disponível em: www.central comics.com. Acesso em: 13 out. 2021)


O recém lançado documentário pela plataforma de streaming Netflix, “Ponto de Virada: 11/09 e a Guerra contra o Terror”, tornou-se a mais nova produção audiovisual voltada para os acontecimentos em torno do 11 de setembro de 2001. A série documental possui 5 episódios, e apresenta como foco central as estratégias desenvolvidas pelo governo norte-americano anterior e posteriormente ao atentado ao World Trade Center, dando especial destaque à entrevistas e depoimentos de líderes, soldados e trabalhadores do governo. Desse modo, o documentário caracteriza-se por combinar cenas reais e imagens de arquivo à perspectivas pessoais acerca dos acontecimentos, trabalhados pelo produtor e diretor Brian Knappenberger.

Dentro dessa dimensão, o primeiro episódio volta-se essencialmente aos relatos pessoais de indivíduos que se encontravam tanto nos arredores, quanto no interior dos prédios atingidos pelos aviões sequestrados - neste caso, ambos não possuíam informações evidentes sobre o que realmente estava acontecendo no momento. Progressivamente, é produzido um contexto histórico tanto da cidade, quanto do papel exercido na época pelas torres norte e sul do complexo do World Trade Center - conhecido como o coração do centro financeiro de Nova Iorque. Por conta disso, os inúmeros depoimentos mostrados no documentário possuem a responsabilidade de aproximar e, em certa medida, tocar o leitor sobre o tema retratado.

O diretor promove também uma contextualização histórica acerca da presença soviética no Afeganistão, destacando a intervenção realizada pelos Estados Unidos visando a oposição e eliminação das tropas soviéticas do país na época. Esta ação, por sua vez, pode ser considerada o “ponto de virada” da relação dos Estados Unidos com o Afeganistão, dado que o primeiro foi o responsável por patrocinar os mujahideen, grupo guerrilheiro - proveniente da palavra jihad, esforço muçulmano contra a opressão e ditadura - que se levantou contra a invasão soviética. Ao longo do episódio, é demonstrado o surgimento da nova ordem hegemônica global, paralelamente à invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein, e a denominação do Hamas, Hezbollah e Palestinian Islamic Jihad como grupos terroristas pelo FBI. Ao mesmo tempo, o documentário focaliza nas falas e ações de Bin Laden, que comentava sobre a aparição de seus futuros planos na mídia.

Juntamente com o segundo episódio, algumas evidências são mostradas em relação à existência de outros planos de ataque aos Estados Unidos, assim como há a explicação das falhas no planejamento contra terrorismos no território. Pode-se notar, através disso, que o país não mantinha nenhuma estratégia concreta para cuidados e reconstrução de suas próprias terras, nem dos locais ocupados por suas tropas no Afeganistão. Apesar disso, é evidenciado o início das conversas e negociações de Bush sobre uma resposta militar agressiva, com sua “raiva por justiça”, destacando que o ideal era encontrar não apenas os responsáveis pelo atentados, mas também pelas pessoas que ajudaram a construir o plano. No entanto, Bush faz a utilização de um texto extremamente genérico, autorizando-o a usar da força militar sem maiores especificações - contestado apenas por Barbara Lee - mulher negra, membro da Câmara de Representantes dos Estados Unidos e do partido democrata. Desse modo, foi a única a votar contra o projeto que dava ao presidente a permissão do uso indiscriminado das forças armadas – a Authorization for Use of Military Force (AUMF) –, passando a receber inúmeras ameaças de morte e linchamentos.

“Rep. Barbara Lee accepts the Elizabeth Taylor Legislative Leadership Award at the AIDSWatch 2016 Positive Leadership Award Reception at the Rayburn House Office Building in Washington on Feb. 29, 2016”. Disponível em: www.latimes.com


A experiência das vítimas e familiares é retomada ao longo do terceiro episódio, que destaca também o funcionamento e a organização dos sequestradores - incluindo seus treinamentos, a entrada nos Estados Unidos, e o passo a passo diário de cada um deles. É explicitado que cada um deles havia sido escolhido minuciosamente por Bin Laden, acentuando uma grande falha de comunicação entre a CIA e o FBI e afirmando que os ataques poderiam ser evitados. Inicia-se, então, um processo de prisão e tortura de afegãos em Guantánamo, com a justificativa de estarem enviando “o pior ao pior”. Os entrevistados relatam a utilização de técnicas aprimoradas de interrogação e tortura, argumentando que haviam “protocolos e instruções” sobre como deveriam realizá-los.

Posto isto, ainda que o terceiro episódio traga inúmeras revelações e opiniões contrárias acerca do posicionamento adotado pelos líderes norte-americanos, tornou-se um episódio maçante, demandando demasiada atenção aos telespectadores, diferenciando-o, portanto, dos dois primeiros episódios da série. Para além, o documentário expõe uma visão extremamente voltada aos Estados Unidos e suas ações pré e pós-11 de setembro, não tomando nota dos investimentos por parte das grandes empresas e empresários - incluindo a família Bush - em organizações petrolíferas e, inclusive, na própria família Bin Laden. Tais relatos podem ser encontrados, por sua vez, no documentário “Fahrenheit 11/09”, de Michael Moore.

As Guerras do Afeganistão e do Iraque são o foco do quarto episódio do documentário. É destacada a contraposição feita, especialmente durante a propaganda eleitoral de Obama, entre as duas guerras, de modo a colocar a primeira como uma guerra boa, por ser uma resposta legítima ao 11/09, e a segunda como ruim, baseada em motivações “equivocadas” como as falsas acusações de produção de armas químicas. O episódio segue essencialmente a narrativa apologética de que muito dinheiro foi gasto nessas guerras, com dados que apontam que cerca de 30% do montante da guerra foi desperdiçado ou desviado. Apesar de tentarem apresentar um tom mais crítico quanto à questão financeira da guerra, os produtores do documentário voltam a evitar interesses econômicos que envolveram os eventos, nesse caso o tema dos lucros das indústrias de guerra norte-americanas. O tom pesaroso sobre a possibilidade desaproveitada de um projeto de reconstrução nacional dá a entender o dinheiro investido na guerra foi empregado de modo impensado e não estratégico tal a ação militar no país, sem dar espaço para a conclusão de que havia sim uma racionalidade econômica por trás das escolhas do governo sobre onde investir o dinheiro destinado a ambas as guerras.

O episódio ainda toca rapidamente na questão da vilanização da comunidade islâmica nos Estados Unidos e o papel da mídia para tal, mas não se aprofunda no tema, o que é algo recorrente durante o documentário. Por diversas vezes informações com grande potencial apenas são jogadas ao telespectador sem que sejam de fato exploradas ou contribuam para a narrativa ou construção do argumento central do documentário, que tende a se contradizer, como será explorado adiante.

Finalmente, o último episódio traz de volta a perseguição por Bin Laden, com leves críticas à forma que a operação foi realizada e finaliza sua exposição com o cronograma da retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, do governo Obama à Biden. Retoma também a questão de Guantánamo, concluindo sobre como as ações dos EUA no Afeganistão contribuíram para o aumento da revolta do povo afegão contra o país e, consequentemente, para o aumento do apoio ao Taleban com o passar dos anos.


Tropas americanas deixando o Afeganistão (Disponível em: www.arabnews.com. Acesso em: 13 out. 2021)

O tom de frustração presente ao narrar a retirada das tropas contradiz muitas das exposições em episódios anteriores. Foi constantemente apontado durante todo o documentário os diversos problemas da presença estadunidense no Afeganistão, como os escândalos de corrupção dentro do governo afegão apoiado pelos EUA ou sobre os casos extremos de violência tanto do exército americano quanto do exército afegão a sua população. Logo após mostrar relatos de soldados americanos falando sobre o quanto a população do Afeganistão parecia odiá-los, o documentário cria uma narrativa sobre todos os avanços sociais conquistados nos anos de ocupação americana e que o povo afegão temia a sua retirada diante da possibilidade da retomada de poder do Taleban. A contradição é algo presente da política internacional e deve sim ser compreendida, mas isso não é o que o documentário busca fazer. A impressão deixada é a de que os produtores apenas escolhiam os relatos que melhor se encaixavam com a narrativa de determinados momentos, sem que houvesse de fato qualquer pensamento crítico que pudesse ligar os diversos pontos apresentados e concluir algo sobre. A tentativa de se passar por documentário neutro e meramente informativo prejudica o produto final, de modo que os balanços feitos para que se mostrasse “os dois lados da moeda” no final serviram apenas para os que os Estados Unidos não saíssem como os grandes vilões dessa história.

O ponto alto da obra foi a inclusão do depoimento de Barbara Lee, como supracitado, mas percebe-se a generalização durante todo o documentário de seu argumento sobre a necessidade de racionalidade diante de situações que provocam emoções extremas ao ser humano. Utiliza-se dessa fala isolada de Lee para compor um dos argumentos centrais da obra, manifestado através da relativização das ações norte-americanas como se todos os “erros” cometidos no que tange os eventos relacionados ao 11/09 fossem passionais, permitindo a explicação de ações injustificáveis do governo americano e eximindo-os de críticas mais incisivas.

Em suma, o documentário não é uma obra indispensável dentro de sua temática, mas tem bom potencial introdutório àqueles que nada sabem sobre os antecedentes do 11/09 e o que se sucedeu após o ataque. Após os dois primeiros episódios, percebe-se uma perda de qualidade quanto a seu conteúdo, mas o documentário mantém a classe quanto a sua apresentação visual durante toda a temporada. Com exceção a inclusão ostensiva dos relatos grotescos como o de Alberto Gonzales (Procurador-Geral durante o governo Bush), que desperdiça precioso tempo útil de tela para defender a violação de direitos humanos de prisionerios de guerra e tortura em Guantánamo, as outras faltas do documentário não apresentam falha tão gravde, de modo que pode-se ser assistido de forma crítica e não como um conteúdo absoluto sobre os eventos retratados, uma vez que outros fatores de grande importância não são abordados por seus organizadores.


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