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Mulheres e a mineradora Cerréjon: suas forças em contraste

Por: Samara Raulfman

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Fonte: Pensar rural

A mina de carvão Cerréjon, localizada no norte da Colômbia, na província de La Guajira, começou a ser construída em 1999 pela empresa estatal Carbones de Colombia S.A. (Carbocol) e Intercor (subsidiária da companhia de energia dos Estados Unidos, ExxonMobil). Em 2000, a Carbocool vendeu os seus 50% de participação ao consórcio formado por duas subsidiárias da Billiton Company (Austrália), uma subsidiária Anglo Americana e uma subsidiária da Glencore (Suica). Em 2002, as três empresas adquiriram os restantes 50% da Intercor, tornando-se os únicos proprietários da “Carbones del Cerrejón Limited”. Na mesma região, também já foi construído um porto (1983), que hoje é o porto carbonífero mais importante da América Latina.Historicamente, esse território pertence à diferentes clãs Wayuum, onde se encontram algumas comunidades afrodescendentes e indígenas.

Isto significa que o governo colombiano deixou o componente administrativo, de infraestrutura, financeiro e o domínio do território em que se apresenta a exploração nas mãos do capital estrangeiro. Desde então as multinacionais iniciaram deslocamentos forçados de comunidades inteiras, além de impedir a locomoção dessas em determinadas regiões. As empresas chegaram até a assumir o controle de setores que envolvem a educação e a saúde.

Os habitantes dessas regiões também sofrem com a contaminação das poucas fontes fluviais existentes atualmente. Além disto, existe um projeto de desvio do rio Ranchería, um dos principais para as atividades de agricultura familiar e mineração artesanal que ainda resistem atualmente.

De forma geral, o local que essa e outras mineradoras foram construídas não são escolhidos por acaso, um exemplo prático de como esses lugares são selecionados é o Relatório Cerrel, um manual para indústrias que precisam construir instalações poluidoras. O mesmo diz


1) evite bairros de renda média e alta 2) alveje comunidades menos bem instruídas 3) mire em comunidades conservadoras ou tradicionais de preferência com menos de 25.000 habitantes 4) segmente comunidades rurais ou idosas 5) alveje áreas cujos moradores são empregados em empregos extrativistas como mineração, madeira ou agricultura.

Grande parte das populações habitando esses locais são comunidades indígenas ou afrodescendentes, povos fragilizados que não possuem suas culturas valorizadas, pois não se adaptam à cultura “ocidental”, como são os Wayuum. Como afirmado por Peter Newel, essa lógica, que se encaixa nos moldes de uma política neoliberal revela que tais processos decisórios globais, feito pelas elites capitalistas transnacionais, com o intuito de gerar um maior acúmulo de capital, gera também um efeito em âmbitos locais, que acabam por afetar grupos que já são marginalizados deste sistema, e desta maneira passam a ser ainda mais.

O grupo local que será analisado neste texto são as mulheres habitantes de La Guajira. Importante notar inicialmente que existe uma questão histórica de identidades e subjetividades daquilo que é considerado atividades masculinas e femininas, tornando algumas “afeminadas”, e outras “masculinizadas”, e geralmente as afeminadas são aquelas prejudicadas dentro das sociedades existentes. Constantemente as mulheres são associadas ao perigo, caracterizadas como geradoras de conflitos, por estarem ligadas à natureza, ao irracional. E isto é essencial para entender a dinâmica interna das empresas de mineração.

Nas questões econômicas, o ramo da indústria de mineração, “devido à sua composição técnica e de capital, envolve apenas uma quantidade marginal de emprego em relação à estrutura ocupacional do país” (RICO; MALDONADO; AVENDAÑO, 2011, p.6). Ou seja, em valores relativos não gera um alto índice de empregos. E o mais problemático é que a maior parte desses empregos são direcionados à homens.

Além baixa demanda de mão de obra feminina, as opções que lhes são oferecidas são desfavoráveis economicamente,“…atuar em áreas de serviços gerais, limpeza e alimentação, ligadas a empregos precários: baixos salários, ausência de seguridade social, instabilidade e intensificação trabalhista, entre outros”(RICO; MALDONADO; AVENDAÑO, 2011, p.11). Além de tudo, no geral são contratos com o tempo de duração menor em relação aos homens. Por outro lado, existem mulheres ocupando os mesmos empregos que os homens, e isso ocorre em um processo em que há “conflitos de representações e atividades quando as identidades são subvertidas. Esses processos surgem quando as mulheres têm que assumir identidades masculinas para acessar espaços de trabalho nas minas” . (ULLOA, 2016, p. 128)

Os impactos ambientais como a contaminação da água e do solo, e a perda de biodiversidade também afetam de maneira específica a vida das mulheres. As mulheres em La Guajira, na maioria das vezes são responsáveis pela segurança alimentar de suas famílias. No caso das mineradoras, elas garantem isso através da utilização e conservação de terrenos agrícolas tradicionais e a criação de animais. A contaminação e o impedimento de circulação dentro de grande parte de seus territórios coloca esta alternativa alimentar, que é uma estratégia de sobrevivência, em perigo. Ou seja, a agricultura tradicional, onde há o protagonismo do papel feminino, está cada vez mais correndo o risco de extinção. A contaminação nas fontes hídricas que as abastecem gerou um aumento no risco de doenças, especialmente infecções urinárias e vaginais. Portanto, vem ocorrendo uma transformação no estilo de vida das comunidades camponesas, que coloca em risco as suas próprias vidas e desloca o papel fundamental das mulheres na preservação da mesma.

Há também a questão da violência contra as mulheres, física, verbal ou até mesmo econômica e de saúde, como citado anteriormente, que está presente na sociedade colombiana como um todo. Nas mineradoras existem casos em que o marido é assassinado pois é considerado mais fácil retirar a propriedade de uma mulher, já que apenas homens possuem propriedades de terra (que antes eram propriedades coletivas); além da maneira como os corpos femininos são apropriados e vinculados a processos de exploração. As mulheres que se tornam defensoras da vida são frequentemente “criminalizadas ou assassinadas por seus protestos, seus questionamentos aos extrativistas, ou por demandar alternativas frente aos desdobramentos capitalistas que destroem seus territórios” (ULLOA, 2016, p. 131).

Algumas mulheres habitantes de La Guajira fazem parte de um movimento que a Astrid Ulloa chama de “feminismo territorial’, representado por mulheres indígenas, afrodescendentes e camponesas, protestando contra os processos extrativistas. Elas apresentam

críticas e alternativas às dinâmicas econômicas que derivam da relação de modernidade/colonialidade, e que têm suas expressões no extrativismo: a mercantilização da natureza que gera processos de desapropriação por apropriação e patriarcalismo (ULLOA, 2016, p. 134).

Essas feministas de La Guajira fazem parte da escola “Mujer y Minería”, que foca em desenvolver aprendizados e compreensões, e tenta transformar uma realidade, por um grupo de mulheres vinculadas a processos sociais nos territórios onde se desenvolvem megas projetos de mineração energética. Elas buscam transmitir seus conhecimentos para outras mulheres, de maneira que as mesmas possam entender a situação em que elas estão postas e juntas pensarem em maneiras de amenizar questões como a violência de gênero, desapropriação do seu território, desvalorização do trabalho das mulheres, negação de direitos étnicos e culturais das mulheres e a perda de um ambiente de proteção e segurança.

Em 2015, ocorreu o “Encuentro Nacional de Mujeres defensoras de la vida frente al extractivismo”, que uniu mulheres lutadoras de distintas regiões para compartilhar suas experiências de organização e resistência. As mulheres de La Guajira realizaram suas reivindicações, alegando: por mais que eles sejam os únicos afetados, ainda sim são um povo, que devem ser respeitados. A multinacional Cerrejón tenta oferecer ajuda econômica para compensar os danos, mas elas dizem que isso não reverte todo dano causado à “mãe terra”, aos animais, e nem as possibilitam seguir suas tradições culturais de agricultura e alimentação, ou o deslocamento em suas “terras sagradas”; danos esses que ocorreram sem aviso prévio, não houve um informe da Cerréjon que dissesse que a locomoção dos habitantes seria limitada. O

Algumas de suas demandas são: o fim da exploração daquilo que elas consideram sua mãe terra; medidas individuais e coletivas de reparação aos danos causados pelas empresas à mãe terra, as mulheres e os outros habitantes de suas comunidades; não discriminação de gênero no trabalho; a possibilidade de mais pesquisas que meçam o impacto gerado de forma diferenciada entre mulheres e homens; proteção efetiva do meio ambiente por parte das autoridades estatais; facilitação do acesso aos alimentos agropecuários em seus próprios territórios; fortalecimento a autoeducação e as práticas tradicionais das comunidades indígenas e afrodescendentes e facilitação do acesso de mulheres crianças e jovens aos ensinos secundário e superior.

Há também demandas que estão relacionadas com uma ausência marcante de representação política dessas que mulheres, é necessário a inclusão das mesmas nos debates públicos das problemáticas e impactos nas populações. Em especial o envolvimento delas nos processos de negociações entre empresas e comunidades. Elas acreditam que possuem força o suficiente para se distanciar do conformismo que as empresas podem gerar e lutar pelas suas verdadeiras identidades.

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Comunidades wayuu´s, afrocolombianas y campesinas en una toma de la ruta de más de 150 kilómetros del tren.

Fonte: Pensar rural

Frente à essas contextualizações, no caso da mina de carvão Cerréjon, as situações em que as mulheres estão sujeitas revelam que

os impactos da extração de carvão em La Guajira levaram à deterioração dos significados das relações das mulheres com a natureza e intensificam situações de poder hierárquico que perpetuam o machismo e experiências como discriminação, criminalização e estigmatização. (EJATLAS)

Além da violência econômica contra as mulheres, devido a feminização do emprego e desigualdade salarial. Há as dificuldades no acesso à saúde, alimentação e educação, e os problemas enfrentados com a deterioração do meio ambiente. São acontecimentos em âmbitos locais, que podem ser entendidos em um conjunto de questões em estruturas internacionais. As mulheres na província de La Guajira estão cientes de que as complicações postas à elas, são diferentes àquelas postas aos homens de suas comunidades. E é por isso que existem diversas organizações de mulheres, que possuem um intuito de proteção às suas vidas, “permitindo a reivindicação dos direitos das mulheres, que estão sendo permanentemente violados”(RICO; MALDONADO; AVENDAÑO, 2011, p.9).

É de extrema importância a resistência desses feminismos territoriais para a manutenção da sobrevivência dessas mulheres e dos seus estilos de vida, pois apenas elas mesmas  conseguem de fato compreender e difundir suas reivindicações. É lamentável que suas reuniões, estudos  e  lutas  sejam  pouco  vistas  para  fora  de seus território. As vozes dessas mulheres entendem,

somos sábios e temos uma forma de economia que nós podemos gerar. Creio que não há uma necessidade de trabalhar na mineração porque isso tem uma consequência grande para natureza, pois desta maneira estaríamos maltratando a mãe terra. Quando pretendem desviar um rio, destruindo a biodiversidade. Mas a terra é o que nos dá tudo…. (Anônima, 2015).

Há um apagamento das suas vozes. As decisões governamentais, assim como as decisões dessas multinacionais não consideram suas opiniões, e nem atendem suas verdadeiras demandas. O deterioramento dessas comunidades não se torna pauta de uma preocupação nacional, e nem é algo que é relatado nas principais mídias; e quando é, nem sempre é analisado pela voz de quem realmente está vivendo aquela situação. Os Estudos sobre essas mineradoras também são raramente voltados as perspectivas desses povos. Escuta-se que houve a construção de uma mina, que gerou muitos empregos à essas populações, mas não se analisa as verdadeiras consequências para as mesmas e nem se de fato elas necessitavam desses empregos. A formação dos Estados Modernos e as capacidades de quem possui maiores poderes de influência dentro desta lógica, fizeram com que diversas culturas fossem afetadas de forma negativa, como se esses fossem seres humanos inferiores, sem voz e sem respeito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CENSAT. Memorias Encuentro Nacional de Mujeres defensoras de la vida frente al extractivismo. Disponível                                                                                                                em: <https://censat.org/es/noticias/memorias-encuentro-nacional-de-mujeres-defensoras-de-la-vida-frente-al-e xtractivismo>, acessado em 16 Fev. 2019.

CLASTRES, Pierre. ‘O arco e o cesto.’, In:_ A sociedade contra o Estado, Tradução Théo Santiago, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

EJATLAS.            El             Cerrejón            mine,            Colombia.            Disponível            em: <https://ejatlas.org/conflict/el-cerrejon-mine-colombia>, acessado em 16 Fev. 2019.

NEWELL, Peter. Race, class and the global politics of environmental inequality. Global Environmental Politics 5:3, 2005.

PETERSON, V. Spike. ‘Security and Sovereign states: What is at stake in taking feminism seriously?’ in Spike Peterson (eds.) Gendered States: (Re)Visions of International Relations Theory Boulder: Lynne Rienner Press, 1992, pp. 31-64.

RICO, R. E.(Coord.).; MALDONADO, T.; AVENDAÑO, T. Mujer y Minería: Ámbitos de análisis e Impactos de la minería en la vida de las mujeres -Enfoque de derechos y perspectiva de género. Colômbia,                           2011.           Disponível                           em <http://desterresminees.pasc.ca/wp-content/uploads/2015/11/Bermudez-Rico-et-al-2011-Mujer_y_Mineri a.pdf>. acessado em 16 Fev. 2019.

ROMERO, J.; BARÓN, D. Impacto de la explotación minera en las mujeres rurales: afectaciones al derecho a la tierra y el territorio en el sur de La Guajira. Bogotá, 2013. Sütsüin Jieyuu Wayúu-Fuerza de Mujeres Wayúu/Equipo de Tierras y Derecho al Territorio del Centro de Investigación y Educación Popular                            Cinep/PPP,                                  manuscrito.                     Disponível                       em<http://www.oidhaco.org/uploaded/content/article/2091974838.pdf>. acessado em 12 Abr. 2019.

ULLOA, Astrid. Feminismos territoriales en América Latina: defensas de la vida frente a los extractivismos.  Nómadas,                               Bogotá  ,     n.   45,  p.  123-139,     Dec.     2016  .       Disponível em<http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-75502016000200009&lng=en&nrm=iso>. acessado em 16 Fev. 2019.

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