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ARTIGO | Gentrificação Verde: a sustentabilidade nas cidades e a reprodução do racismo ambiental

Por Nicolle Palharini- graduanda em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)




As políticas de combate às mudanças climáticas, nos centros urbanos, são estabelecidas por agendas específicas e por planos diretores, orientados pela promoção da sustentabilidade e de práticas “verdes”. Os esforços pelo urban greening (HENRIQUE et al., 2021) à princípio são desenvolvidos em prol da melhoria de um local em termos de qualidade de vida e do meio ambiente, mas a ausência – ou negligência – de uma abordagem que devidamente englobe iniciativas de justiça sócio-ambiental (ou seja, preocupados em reduzir as assimetrias dos impactos ambientais) nesses processos tem levado à replicação de lógicas estruturais que sustentam desigualdades. Mais especificamente, discute-se o que foi cunhado como “Gentrificação Verde” (KENNETH ALAN GOULD; LEWIS, 2016) e a sua relação com o racismo ambiental, e com a segregação espacial nas cidades.


Por definição, a gentrificação corresponde ao fenômeno de alteração do perfil socioeconômico dos residentes de determinado local como consequência, na maioria dos casos, de medidas de revitalização, previstas em planejamentos urbanos e patrocinadas pelo mercado privado via especulação imobiliária, por exemplo. Nesse sentido, seja por meio da construção de novos comércios locais, linhas de transporte público, condomínios, ou até mesmo, de estruturas verdes (como é discutido neste texto); projetos que visem modernização e melhorias infraestruturais levam à valorização econômica ou, em outras palavras, ao encarecimento do custo de vida na área. O que se tem em seguida é a expulsão (inclusive por meio de ameaças e despejos) dos residentes, que não conseguem mais custear a vida na região, e a sua substituição por pessoas com melhores condições sócio-econômicas, que se vêem atraídas para a região revitalizada – de forma que apenas os mais abastados consigam de fato usufruir das melhorias ambientais: “A gentrificação verde, por sua vez, é definida como um processo que é facilitado em grande parte pela criação ou restauração de uma amenidade ambiental – ou a concentração de privilégios ambientais” (FERNANDES TAMAS, 2023, n.p).


Diante disso, são encontradas considerações relevantes. A primeira delas diz respeito ao deslocamento forçado dos residentes originais, que ao se verem em situação de vulnerabilidade são empurrados para regiões onde viver é mais barato, como nas periferias, em um fenômeno de expulsão que, em muitos dos casos, traduz-se na precarização da qualidade de vida dessas pessoas – como por conta de assentamentos irregulares e pela falta de saneamento básico nas margens urbanas. Por condições estruturantes históricas, o perfil econômico dessas pessoas geralmente pode ser interseccionado com fatores de raça, sobretudo em regiões culturalmente consolidadas a partir do racismo estrutural, como o Brasil. De tal maneira, conforme os autores Gould e Lewis (2016), as práticas de urban greening são também responsáveis por embranquecer uma área, tendo em vista que as pessoas mais vulneráveis economicamente, em sua maioria, são também pessoas negras (HENRIQUE et al., 2021).


Tal correlação de fatores sócio-econômicos foi a base de discussão de Benjamin Chavis (1981) que primeiro desenvolveu o termo “racismo ambiental”, tangenciado na análise da gentrificação verde:


[...] as consequências das degradações ambientais se concentram em bairros e territórios periféricos, onde vivem famílias mais pobres e onde há maior concentração de pessoas negras, indígenas e quilombolas. São também nessas áreas que se concentram os piores índices de poluição do ar e das águas, assim como maior incidência de riscos de inundações e deslizamentos (INSTITUTO PÓLIS, 2022, n.p).


O conceito também retoma a discussão sobre a ausência de planos voltados à justiça ambiental nos projetos de modernização e de sustentabilidade urbana. Isso se dá uma vez que questiona “a não presença da população negra na elaboração das políticas e na lideranças de movimentos ecológicos, bem como a discriminação da aplicação das leis em territórios racializados (INSTITUTO PÓLIS, 2022, n.p). De forma que, na realidade, o processo se consolide produzindo efeitos adversos ao objetivo inicial das políticas de greening, que, portanto, promovem elitização e exclusão social em cada vez mais regiões. Pode-se dizer, ainda, que esse modelo de desenvolvimento urbano, alheio às estruturas sócio-econômicas pré-existentes, perpetua práticas coloniais de violência, controle e espoliação (HENRIQUE et al., 2021).


A título de exemplo, traz-se o artigo “Green gentrification and contemporary capitalist production of space: notes from Brazil” (2021) que buscou, a partir de análise empírica, entender se o conceito original de gentrificação verde – construído a partir das lógicas sócio-espaciais do Norte Global – teria aplicação coerente no Sul, considerando suas especificidades estruturantes. A partir de três casos brasileiros de revitalização ambiental: Parque Madureira (Rio de Janeiro), Parque Germânia (Porto Alegre) e Condomínio Laranjeiras (Paraty), analisou-se abordagens como a promoção de áreas verdes, a criação de parques urbanos e de condomínios em áreas de conservação, e que provocaram a alteração do perfil demográfico em suas regiões.


De tal maneira, a pesquisa chegou em algumas considerações importantes. Em primeira instância, a concentração de privilégios ambientais como consequência da gentrificação verde, como discutido previamente, pode também ser feita diretamente: “there seems to be a tendency for concentrations of green infrastructure to be situated in more affluent districts rather than low-income districts” (HENRIQUE et al., 2021). Além disso, confirmou-se o papel da expansão imobiliária e da valorização econômica local em consonância à criação e/ou revitalização de parques urbanos. Por fim, no caso do Condomínio Laranjeiras, especificamente, é recuperada a questão histórico-cultural da injustiça  ambiental, relacionada à expulsão de populações tradicionais pelo mercado/ capital de turismo e imobiliário:


Such original conditions of inequality are reproduced today through the ecological modernization of capitalist practices of production that promote unequal access to natural resources and environmental degradation among different social groups, leading to both the foundation of environmental justice in Brazil [Acselrad, 2010] and what we understand by green gentrification in this context  (HENRIQUE et al., 2021, n.p).


Diante do exposto, a validade do conceito de gentrificação verde é entendida, seja pelas experiências do Norte ou Sul Global. Ainda mais, conclui-se que esforços pela sustentabilidade urbana, sem respaldo na justiça ambiental, acabam fragilizados, monopolizados, e acarretam graves consequências sociais em nome da luta contra as mudanças climáticas – como pela amplificação do racismo ambiental e pela segregação nas cidades.


Referências Bibliográficas: 

FERNANDES TAMAS , L. Nexo Jornal. Disponível em: <https://pp.nexojornal.com.br/bibliografia-basica/2023/02/17/Gentrifica%C3%A7%C3%A3o-verde>. Acesso em: 27 out. 2023.

GOULD, K.A; LEWIS, T. L. Green gentrification : urban sustainability and the struggle for environmental justice. [s.l.] London Routledge, 2016. 

HENRIQUE, P. et al. Green gentrification and contemporary capitalist production of space: notes from Brazil. Cahiers des Amériques Latines, n. 97, p. 185–210, 30 dez. 2021.

INSTITUTO PÓLIS. Racismo Ambiental E Justiça Socioambiental Nas Cidades. Disponível em: <https://polis.org.br/estudos/racismo-ambiental/>. 

URBVERDE. UrbVerde. Disponível em: <https://urbverde.iau.usp.br/#/mapa/SP/3550308/intraurbana/2021/pracasparques>. Acesso em: 10 dez. 2023. 


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