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ARTIGO | A extrema direita e a crise climática

Por Beatriz Miragaia e Gabriel Rocha, graduandos em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)



A priori, os temas relacionados às questões ambientais e às crises climáticas estão sendo reinterpretados por vários grupos políticos, sociais e religiosos na atualidade. Embora a crise climática seja amplamente discutida pela ciência, ainda existem pessoas, líderes e grupos que se recusam a reconhecer os dados e compreender os impactos climáticos causados pelo homem. Termos como "negacionismo" tornaram-se comuns no dia a dia, ganhando conotações políticas específicas nas discussões sobre meio ambiente e crises climáticas, especialmente vinculadas à ascensão da extrema-direita no cenário político.


Com relação ao negacionismo climático, ele se refere à negação das mudanças climáticas, tratando as inúmeras transformações observadas nos fenômenos climáticos como se fossem irreais ou inexistentes. Essa interpretação, intencionalmente distorcida, de dados científicos, incluindo omissões e recortes propositais, tem como objetivo minar a confiança na ciência, nos especialistas sobre mudanças climáticas e nas soluções que eles propõem. Especialmente nos anos anteriores, essas interpretações falsas resultaram em consequências graves. Um exemplo é a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2017, liderada pelo então presidente Donald Trump. Essa decisão teve impactos significativos no cumprimento das obrigações estabelecidas pelo tratado por outros países, na condição financeira, e de forma mais ampla, na condição climática global.


No contexto brasileiro, evidências de pesquisas apontam para o impacto significativo das chamadas fake news nas eleições de 2018, especialmente no favorecimento da ascensão da extrema-direita. O vice-presidente do governo de Jair Bolsonaro, ao abordar as críticas relacionadas às mudanças climáticas e à postura do governo brasileiro nesse tema, reforça que essas críticas possuem uma dimensão política embutida. Além disso, destaca também a relevância da questão econômica, na qual argumenta que ocorre uma busca constante por "barreiras em relação à agricultura em expansão" no Brasil.


Dessa maneira, conforme analisado pelo pesquisador Bernhard Forchtner, esse ceticismo em relação às mudanças climáticas é frequentemente identificado em indivíduos que defendem tanto o livre mercado quanto ideias nacionalistas. A justificativa por trás desse posicionamento reside no receio de que a proteção ambiental possa representar uma ameaça ao livre mercado, às liberdades individuais e à soberania nacional, devido ao potencial aumento da regulamentação (inter)governamental em questões ambientais (Forchtner2018: 590).


Portanto, observa-se que os discursos negacionistas não se limitam à mera negação da ciência, mas também fortalece a ideologia do discurso neoliberal do 'desenvolvimento sustentável’ como uma alternativa contemporânea. Em sua maioria, esses discursos reforçam a ideia de colonização/exploração em regiões ricas em recursos naturais estratégicos, promovendo um modelo de desenvolvimento centrado no capital em oposição a um modelo de governança baseado na sustentabilidade e em políticas que efetivamente buscam promover o bem-estar social, a qualidade de vida e o desenvolvimento responsável.


Com base nas orientações políticas voltadas para o negacionismo e antiglobalismo, outro conceito central para entender essa análise é o chamado "ecofascismo". Este movimento está diretamente associado a ideias da extrema-direita global e fundamenta-se em argumentos políticos e científicos que derivam das práticas e discursos dominantes do capitalismo, colonialismo e patriarcado em suas diversas formas. O ecofascismo utiliza a preocupação ambiental ou a retórica ambiental como uma justificativa para pensamentos extremos e odiosos. Ao empregar desinformação e simplificação de questões ambientais, eles respaldam posições que carecem de um verdadeiro fundamento ético.


Como já foi visto anteriormente, a causa ambiental não pode ser vista apenas como pauta progressista, uma vez que o ecofascismo desempenhou e ainda desempenha um papel fundamental na manutenção do nacionalismo. Ao associar o conceito de natureza ao de pátria, foi possível desvirtuar a discussão e direcioná-la para servir aos interesses políticos da extrema direita.


Nesse sentido, tal associação traz consigo um senso de identificação, unindo território e população local, e se transforma em uma espécie de elo do imaginário nacionalista. No limite, caracteriza-se como justificativa de uma outrificação sistemática, em que políticas de exclusão social são baseadas no argumento aparentemente legítimo de se proteger a natureza única daquela nação.


Assim, a questão migratória reside no cerne desta ideologia política, ainda que não explicitamente. A defesa incessante do localismo e as críticas à globalização refletem, em última análise, em uma conduta, geralmente xenofóbica e excludente, de fechamento das fronteiras. Ademais, a visão do imigrante como um “intruso”, responsável pela desestabilização das leis naturais, e assim consequentemente uma ameaça, explicita o uso do discurso ecofascista para legitimar pautas típicas deste espectro político (SIMÕES, 2022).


Com relação aos atuais expoentes da extrema direita no mundo, nota-se divergências profundas acerca do tema ambiental. Um dos contrastes mais gritantes é entre a francesa Marine Le Pen, atual presidente da Reagrupação Nacional (RN), principal partido de extrema direita na França, e Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil e membro do Partido Liberal (PL). Ambos possuem visões conservadoras e antiglobalistas, porém discordam em relação às políticas ambientais e ao enfrentamento da crise climática.


Para Le Pen, existe um  reconhecimento da crise como um problema global e urgente, defendendo uma ação local. Suas propostas giram em torno de uma aversão à globalização e às grandes campanhas ambientalistas internacionais, que contam com representantes como Greta Thumberg. A extrema direita francesa há tempos vem buscando ocupar o debate climático, grande fonte de votos atualmente, e disputar espaço com a tradicional frente progressista. Assim como dito anteriormente, tal discurso se mostra extremamente útil ao tangenciar de forma sutil a questão migratória e o fechamento das fronteiras, além de abrandar a reação da oposição (BASSETS, 2010).


Contudo, Bolsonaro tende a seguir as diretrizes da direita estadunidense, fortemente representada por Donald Trump. Mostra-se assim a outra face do extremismo, em que se é colocada em xeque tanto a ciência quanto qualquer outra fonte de informação que difere de seu projeto político. Conhecido por ser o líder que causou o maior sucateamento e destruição da política de proteção ambiental da história brasileira, é fácil notar que seu projeto de governo se volta apenas e exclusivamente para favorecer os grandes interesses econômicos nacionais e internacionais, por meio de seu viés neoliberal (SIMÕES, 2022).


​Como exemplo de seu descaso ambiental, Bolsonaro interrompeu o financiamento internacional ao Fundo Amazônia, responsável por manter centenas de projetos de proteção ao bioma, liberou o uso de inúmeros agrotóxicos, além de alterar regras de fiscalização a fim de favorecer o avanço do setor agropecuário. Não obstante, sua política de governo se mostrava ativamente contrária à defesa das populações nativas. Ao apoiar campanhas como o Marco Temporal e negligenciar o combate ao garimpo ilegal e à grilagem, o presidente compactuou não apenas com uma vasta destruição ambiental, mas também com uma preocupante crise humanitária entre as populações indígenas (Brasil Debate, 2020).


Enquanto Le Pen busca retomar a narrativa ambientalista e moldá-la aos seus interesses ideológicos, Bolsonaro se debate em torno de contradições narrativas. Ao mesmo tempo em que reivindica um discurso nacionalista e antiglobalista, pauta todo seu projeto econômico em atender aos interesses do capital internacional. Desse modo, é válido notar que, ainda que ambos pertençam ao mesmo espectro político, suas abordagens divergem ao necessitar se adaptar às suas respectivas populações e tendências sociais.


De acordo com as análises apresentadas, apesar de existir diferenças entre as abordagens dos temas ambientais, a evidência de um discurso negacionista climático sinaliza a necessidade de uma atuação qualificada dos meios de comunicação e de jornalismo para que sejam propagados esclarecimentos científicos, mediantes os quais as mudanças climática possam ser percebidas em seus aspectos ambientais, sociais, políticos, econômicos e culturais. Com essas ações, se torna possível impactar positivamente a visão e o comportamento dos cidadãos, visto que, o negacionismo é um fator que dificulta as lutas e os esforços em busca de melhorias que possam atingir a todos, e em especial, os grupos socialmente marginalizados.

 

Referências Bibliográficas:

BARROS, Pedro Vinicius Timbó de. O pensamento ambiental no espectro político brasileiro. Departamento de Geografia e Meio Ambiente, PUC-RIO. 2021. Disponível em:https://www.puc-rio.br/ensinopesq/ccpg/pibic/relatorio_resumo2021/download/relatorios/CCS/GEO/GEO_Pedro%20Vinicius%20Timbó%20de%20Barros.pdf. Acesso em: 28 out. 2023.

 

BASSETS, Marc. Extrema direita francesa abraça a causa ambiental. El País, Paris, 17 fev. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-02-17/extrema-direita-francesa-abraca-a-defesa-da-causa-ambiental.html. Acesso em: 28 out. 2023.

 

BORGES DE AGUIAR, C. G.; ORTIZ MONTEIRO, P.; JAYME BATISTA, A. Negacionismo e mudanças climáticas. Revista Ciências Humanas, [S. l.], v. 15, n. 3, 2022. DOI: 10.32813/2179-1120.2022.v15.n3.a922. Disponível em: https://www.rchunitau.com.br/index.php/rch/article/view/922. Acesso em: 29 out. 2023.

 

GALVÃO, Julia. Pensamento ecofascista convive com noções eugenistas e um nacionalismo extremado. Jornal da USP, 16 out. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/pensamento-ecofascista-convive-com-nocoes-eugenistas-e-um-nacionalismo-extremado/. Acesso em: 11 dez. 2023.

 

G1. Trump anuncia saída dos EUA do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, 06 jun. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/trump-anuncia-saida-dos-eua-do-acordo-de-paris-sobre-mudancas-climaticas.ghtml. Acesso em: 11 dez. 2023.

 

MATOS, L. R. A Amazônia na virada global da extrema direita. Ciência Geográfica, Bauru, XXV, Vol. XXV (3), Janeiro/Dezembro – 2021. Link: https://www.agbbauru.org.br/revista_xxv_3.html

 

SIMÕES, Carolline Teixeira. A Causa Ambiental na Extrema Direita: do Negacionismo ao Ecofascismo. Análise da Politização do Meio Ambiente pela Extrema Direita do Brasil e da Hungria. 2022. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho, Braga, 2022.

 

SORDI, Jaqueline. Os EUA estão fora do Acordo de Paris. Saiba por que isso é mais regra que exceção. Observatório do Clima, 04 nov. 2022. Disponível em: https://oeco.org.br/noticias/os-eua-estao-fora-do-acordo-de-paris-saiba-por-que-isso-e-mais-regra-que-excecao/. Acesso em: 11 dez. 2023.

 

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