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PET-RI ENTREVISTA ADRIANA CARRANCA DURANTE A XII SEMANA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA PUC-SP

O grupo PET-RI teve a oportunidade de entrevistar, nesta última terça-feira (09/09), a jornalista Adriana Carranca. Convidada para participar da mesa de debates sobre o tema “Participação do Brasil nas Missões de Paz Contemporâneas” durante a XII Semana de Relações Internacionais da PUC-SP, a repórter especial do Estadão tratou do tema através de sua experiência profissional,numa abordagem envolvendo questões relacionadas a conflitos, religião e direitos humanos. Além disso, a jornalista procurou dar um enfoque especial para a condição das mulheres nestes contextos. Ao longo de sua carreira, fez coberturas em diversos países, como Afeganistão, Egito, Haiti, Indonésia, Irã, Israel, Paquistão, República Democrática do Congo, Palestina, dentre outros. É autora da obra “O Afeganistão depois do Talibã” (2010) e “O Irã sob o Chador” (2011)[1]. A entrevista também contou com a participação de Flávia de Campos Mello, professora do curso de Relações Internacionais da PUC-SP e atuante em temas como política externa, governança internacional, globalização e teoria de relações internacionais.

PET-RI:Gostaríamos de saber um pouco mais sobre a questão dos estupros relacionados às missões de paz. Qual sua visão sobre este tema? Você teve contato com algum relato relacionado à questão?

Adriana Carranca:“Existem dados de acusações, acho que não tanto no Haiti, mas no Congo tem bastante. O que acontece é que o Congo é a capital do estupro no mundo. É difícil encontrar uma mulher que não foi violentada no Congo. Era tão impressionante ver tantos casos que comecei a achar que elas estavam mentindo. Eu pensei, não é possível, elas estão mentindo porque talvez ao dizerem que estão sendo estupradas conseguem alguma ajuda humanitária ou algo do tipo. Então comecei a pedir muitos detalhes: mas onde você estava? Que horas aconteceu? Quem foi? Você viu? E todas elas tinham detalhes, “eu estava em tal lugar”, etc. Então você via que não era uma coisa inventada. O estupro no Congo virou arma de guerra pelas características que o país apresenta.Existe a estrada que corta o todo o leste do país, que é onde está o conflito, próximo a Ruanda e Uganda. Neste local também é onde se encontra o minério.  Se consultarem minha matéria, há um mapa que mostra onde estava o minério e a regiãodo conflito[2]. Cada grupo rebelde controla uma área e explora o minério naquela área determinada. Além disso, eles tentam pegar território. Como é que eles tomam o território? Fazendo ataques, em que descem vários rebeldes da montanha, matam todos os homens, estupram as mulheres e levam as crianças. As meninas são feitas escravas sexuais e os meninos treinados como meninos soldados. Por quê? É um problema territorial: não mexe comigo que vou estuprar suas mulheres; não mexe comigo porque vou matar seus homens. Fazendo isso, eles ganham aquele território e se sentem que estão sendo ameaçados de alguma forma, vão até lá e fazem esse tipo de crime que representa uma humilhação. Além da divisão de poder territorial, cada grupo é dividido por uma etnia: são os tutsis, os hutus e outros grupos étnicos, assim como no genocídio de Ruanda. Existe uma lógica de humilhar a etnia do seu opositor: o estupro das mulheres é uma forma de humilhação”.

PET-RI:Existem relatos de estupros por parte das tropas de paz? Com relação ao caso do Haiti, por exemplo.

Adriana Carranca:“As tropas de paz e as tropas enviadas pelos governos são formadas por distintas etnias. A Ruanda, por exemplo, manda tropas de paz para diferentes lugares. As tropas de paz nunca são locais, mas formadas por diferentes países. Muitas vezes, não há como ter controle total das tropas e existem casos em que isso acontece. Por exemplo, no caso do Congo, a prática de estupros ocorrefaztrintaanos e é quase parte da cultura. E as mulheres relatam como se não fosse nada. Elas estão muito acostumadas com esse tipo de relato. Isso aconteceu com a vizinha, com a mãe, com a filha, etc. Elas contam quase como se não fosse nada. Existem casos de mulheres que eu entrevistei que foram estupradas duas vezes. Isso também ocorre por causa da guerra.Como os homens morrem mais, as mulheres são responsáveis pelo sustento da família. Elas morrem medo de ir para o mato buscar lenha sozinhas. Sobre o caso das forças de paz do Haiti, me lembro de que houve alguns casos de estupro, mas não sei se é uma coisa espalhada”.

PET-RI:Mas existem fortes críticas com relação a esta questão dos estupros, principalmente no Haiti.

Adriana Carranca:“A missão de paz do Brasil no Haiti é composta por vinte e uma nacionalidades. Os casos de estupro não foram de responsabilidade dos oficiais brasileiros”.

Flávia de Campos Mello:“São muitos reduzidos os dados sobre violação por parte de soldados membros das tropas da ONU”.

PET-RI:Nos casos de estupro, há algum tipo de punição para o soldado que o cometeu?

Adriana Carranca:“Sim, não é algo aceito normalmente. Ele é punido dentro da instituição das tropas de paz da própria ONU, que são formadas por um contingente internacional”.

Flávia de Campos Mello:“Não sei se do ponto de vista jurídico se eles são repatriados. Mas os brasileiros são considerados como exemplo entre as tropas. São tratados como exemplo para treinamento. A ONU está investindo muito em treinamentos preventivos. A ideia é evitar que isso aconteça”.

Adriana Carranca:“Tem um campo de treinamento das forças de paz que é no Rio. Ali são recebidos soldados do mundo inteiro para receber treinamento para as forças de paz. Mas me lembro principalmente do caso do Haiti em que os estupros não foram feito por brasileiros. E no caso do Congo, apenas o general é brasileiro, sendo que as tropas são formadas por diferentes nacionalidades.No Haiti as tropas são formadas por vinte e um países sob o comando do exército brasileiro dentro da estrutura das forças de paz da ONU”.

PET-RI:Você jáesteve presente em alguma situação de violência ao cobrir um conflito internacional?

Adriana Carranca: “Fora o bombardeio do Talibã não. Eu estava fazendo essa matéria na base militar afegã com o primeiro batalhão feminino do exército afegão e o Talibã começou a atacar a base em que eu estava. Soou o alarme avisando base sob ataque.Conseguíamos ver que eles tinham tomado um prédio em frente a base, estavam jogando rockets pelo ombro”.

Flávia de Campos Mello:“Instigados pelo fato de que mulheres estavam sendo recrutadas?”.

Adriana Carranca:“Não, não houve divisão de gênero. Foi o maior ataque do Talibã durante a guerra. Eles tomaram prédios e atacaram a base militar porque era vizinha à base americana.Ao mesmo tempo, atacaram o complexo militar, o parlamento e o bairro em que ficavam os diplomatas. Foi chocante. Fiquei três horas sob bombardeio. Três horas. O prédio balançava, caiam vidros, tudo. E eu imaginava: e se o Talibã veio mesmo para tomar Cabul? Eu tentava ficar calma e pensava que os EUA não iriam deixar. Eu via os tanques saindo, o sobrevôo dos helicópteros. Após ficar três horas sob bombardeio, fui escoltada pelos militares para o lugar em que eu estava hospedada. Eles tinham tido a permissão para sair da base porque parecia que o ataque tinha acabado, mas no carro ouvimos: ‘voltem para suas bases porque eles estão escondidos, foi apenas uma trégua, nós temos a informação de mais homens bomba e atiradores nas proximidades’. O ataque durou dezoito horas. Além disso, o Talibã tem uma característica suicida. Eles entram pra morrer. Eles nunca entram pra não morrer. A força deles é resistir o máximo que puderem para causar o maior impacto internacional, que foi o que aconteceu. Durante dezoito horas eles tacaram esses três locais”.

PET-RI:Você poderia nos contar mais sobre a trajetória de sua carreira? Como você se tornou repórter especial cobrindo conflitos internacionais?

Adriana Carranca:“Demorei bastante para entrar nessa área. Comecei estudando jornalismo. Trabalhei por um período na Globo como produtora de TV. Depois, fui para os EUA para ser babá e estudar inglês. Em seguida, voltei e fui trabalhar na Natura como assessora de imprensa vendendo cosméticos. Trabalhei também em outra assessoria de imprensa, realizando assessoria de telefonia.Neste momento, comecei a perceber que este não era o trabalho que eu gostava. A partir de então, passei a trabalhar como freelancer para algumas revistas até que fui contratada pela Veja. Logo percebi que eu tinha uma vocação social desde pequena e que poderia utilizá-la em meu trabalho. Quando fui contratada pelo Estadão, comecei a cobrir casos de violência contra a criança e a mulher. Cobri muitas rebeliões de presídios, por exemplo, em presídios femininos e rebeliões na FEBEM. Também fiz um trabalho em que fiquei sete anos como voluntária na FEBEM feminina para fazer um documentário. E então comecei a pensar que eu tinha que ter a experiência internacional. Fui fazer mestrado fora e comecei a me interessar quase que pelos mesmos temas, mas fora do Brasil: justiça e direitos humanos”.

Por: Fábia Molinari Pereira e Vivian Landi Villares de Souza.

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