Por Mariana Melo
Muito conhecida por seu histórico com a produção ilegal de cocaína, a Colômbia atualmente tem na cannabis um novo mercado. Diferente do comércio da droga que trouxe fama ao país, o “ouro verde” é parcialmente legalizado no território colombiano e beneficia diferentes setores da sociedade, desde pequenos camponeses até grandes empresário, médicos e pacientes. Apesar de já ter passado por seu período mais caótico, marcado pelo embate entre a intensa atuação do narcotráfico e a forte repressão estatal, a questão da descriminalização da cannabis na Colômbia segue sendo discutida no ambiente político, com grande influência de suas implicações econômicas e sociais.
Em 6 de Julho de 2016 foi aprovada na Colômbia uma legislação referente a cannabis, a Lei 1787, a qual afirma o controle do Estado sobre atividades de cultivo, produção e comercialização de produtos que contenham cannabis, sendo legalizado o uso da maconha para fins medicinais e científicos, e seu cultivo para exportação1. Ao aprovar essa legislação o país sul americano abriu espaço para um novo mercado, segundo o ministro da Saúde, Alejandro Gaviria, “É uma oportunidade para que a Colômbia tenha mais um instrumento para reconstruir sua economia neste período de pós-conflito.”
Em seu discurso, o ministro faz menção ao período de intenso conflito que foi a guerras às drogas, o qual marcou a ascensão do narcotráfico ocorre nos anos 70 com início no tráfico de cannabis e posteriormente da cocaína, levando ao aumento da violência nas ruas colombiana. O cenário dos embates entre a polícia colombiana e traficantes se dá, em sua esmagadora maioria nas favelas , afetando o cotidiano do povo colombiano diretamente, com operações que ao buscar apreender traficantes, acabam tirando mais vidas inocentes que traficantes das ruas2. O tráfico assim, deixa de ser um problema de criminalidade e passa a ser de caráter sócio-político, moldando o dia a dia das grandes cidades da Colômbia.
A inserção do narcotráfico na favela causa um efeito cascata, a população dos bairros marginalizados encontram nele a possibilidade de adquirir maior poder econômico de forma rápida3, o que a desigualdade social e precariedade da educação tornam quase impossível em um ambiente de trabalho convencional. Essa situação também se encaixa no contexto do campo, ao procurarem meios de restaurar a paz no território o governo colombiano vê na legalização da cannabis um meio para atingir esse objetivo, camponeses e indígenas que antes plantavam cocaína ilegalmente para vender a narcotraficantes, prática muito lucrativo, hoje fazem parte de uma estratégia do governo de incentivo ao cultivo legal da cannabis4.
O Valle de Cauca,entre os municípios de Corinto, Miranda e Toribío, é um exemplo de terra habitada por camponeses e indígenas, os quais foram responsáveis pelo cultivo, na época ilegal, de 233 hectares de maconha em 2016, segundo o Observatório de Drogas da Colômbia5, e atualmente fornece quase metade da maconha medicinal exportada pela Colômbia vem dessa região6. O território também é marcado pela forte atuação da Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( FARC ), que financiava o cultivo ilegal de cocaína em Cauca, resultando em inúmeros conflitos nesse espaço e atraindo outros grupos armados para disputa de território acarretando ações violentas do governo para acabar com a prática7. Porém, com os avanços nas políticas do Estado e na busca por acabar com o tráfico de cocaína e ainda alavancar a economia interna, a cannabis ocupando as terras que antes eram destinadas a cocaína.
Fonte: Municipality of Totoro, Cauca, Colombia
Em entrevista a InSight Crime, um engenheiro agrônomo que trabalha com o plantio da cannabis afirma que em 2019, mais de 6.000 pessoas cultivam maconha na área de Cauca8, sendo os indígenas pioneiros nessa prática. A legislação que permite esse cultivo é extremamente concreta e rígida, caracterizando como pequeno e médio agricultor apenas aqueles que possuem um limite de 0,5 hectares de produção9. Apesar de parecer um espaço pequeno para esse cultivo, Pablo, um camponeses que reside na região afirma que “Hoje eles pagam uma arroba (25 libras) de folha de coca a 35.000 pesos, enquanto que por uma libra de maconha nos pagam 40.000 pesos”10, exemplificando o progresso da política pública, social e econômica, do Estado colombiano para pacificar e desenvolver a área. Apesar desse avanço, a região ainda conta com conflitos entre indígenas e camponeses versus o Estado, com atuação da organização comunitária Minga, a qual está presente em diversos países da América do Sul na luta pela defesa do território, justiça e paz para as comunidades em que ela atua. A maconha antes produzida em terras que era plantada a cocaína, dão espaço para o cultivo da cannabis, gerando renda legal para os produtores, a exportação o plantio para exportação também foi descriminalizado incentivando empresas a aderirem ao novo mercado.
Já em relação a grandes empresas, a primeira a receber licença do governo para o cultivo foi a Clever Leaves, de origem colombiana, que no primeiro semestre de 2020 apresenta um fundo de mais de 120 milhões de dólares e tem escritórios espalhados pelo mundo. Dessa forma, temos um exemplo entre as 33 empresas que já usufruem da nova lei, de como o comércio da maconha medicinal é lucrativo para a economia colombiana e economia internacional pois, Canadá, Alemanha, Austrália e México são países apontados com grandes potenciais para o comércio do “ouro verde”11.
Além do fator econômico, a maconha medicinal tem como seu principal fator na luta dos atores sociais ajudar na qualidade de vida de pacientes que veem nela uma maior eficácia para seu tratamento. Epilepsia, esclerose múltipla, mal de Alzheimer são algumas das doenças que a cannabis é receitada como possível método de tratamento. Na Colômbia, os governantes pautavam seus argumentos favoráveis à legalização nos benefícios à saúde da população que o novo medicamento traria, se solidarizando com as famílias e pacientes e, desvinculando completamente qualquer associação com “coletivos libertários” para manter sua imagem na opinião pública. Independente da motivação, o apoia do Estado a causa é de extrema importância para saúde pública que pode novamente salvar vidas descriminalizando o uso da cannabis, nesse caso uso medicinal.
As lutas sociais na Colômbia pela legalização da cannabis seguiam duas vertentes complementares, sendo ilustradas pelas organizações Comunidade Cannabica Colombiana ( CCC ) e a Corporação Ação Técnica Social ( ATS ). A primeira, CCC, tem cunho voltado para a legalização não apenas para uso medicinal da cannabis mas também recreativo, promovendo marchas, como a Marcha de la Marihuana, incentivando a criação de coletivos de apoio em diferentes cidades colombianas e atuando mais no âmbito político e social12. Com redes sociais ativas, as quais foram criadas em 2011 o movimento continua com as redes ativas postando notícias, charges, pesquisas, com o intuito de propagar informações sobre o consumo da maconha. Já a ATS, parte de uma lógica mais científica, com cooperação internacional e troca de inteligência científica, trabalha em uma aliança com organizações alemãs para estudos da maconha medicinal e pauta seu ativismo em comprovações científicas, sendo então muito apoiada pelo governo, como diz o ministro da Saúde, “Aqui não há desejo ou atalho que funcione, aqui apenas trabalha o rigor da aplicação de evidências científicas”13. Ambas apresentam-se como meio de propagação de informações para a população através de pesquisas, manifestações, postagens nas redes sociais, com cada vez mais pessoas sendo alcançadas.
Assim, a luta dos movimentos sociais pela legalização da cannabis na Colômbia foram imprescindíveis para os avanços nas políticas relacionadas a maconha no país latino americano. Médicos, pacientes e familiares dos que precisam de tratamento com a cannabis também são fonte dessa luta, unindo-se para conquistar a legalização da maconha medicinal. Empresas farmacêuticas e agricultores também se beneficiam com essa nova lei, impulsionando o capitalismo cannabico. Logo, o Estado colombiano obtém avanços e melhorias nos setores econômicos, políticos e sociais, apresentando o caráter da questão de descriminalização da cannabis ser de caráter de saúde e segurança. Apesar de não haver um legalização total da maconha na Colômbia, fica evidente que precisa-se tratar desse tema como política, com uma análise em diferentes âmbitos e suas consequências para o Estado.
Referências Bibliográficas
1O CONGRESSO DA COLÔMBIA. Ato Legislativo nº LEI 1787 DE 2016, de 6 de julho de 2016. Diário Oficial no 49.926, de 6 de julho de 2016. [S. l.], 6 jul. 2016.
2CLOSS, Marília B. Narcotráfico e Violência na Colômbia: uma análise a partir dos processos sociais e políticos do Estado colombiano (1970-2000). 2017. Dissertação (Relações Internacionais) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2017.
3 FRANCO, Saúl; SUAREZ, Clara M.; NARANJO, Claudia B.; BAÉZ, Liliana C.; ROZO, Patricia. Efeitos do conflito armado sobre a vida e a saúde na Colômbia. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, 2006.
4Maconha medicinal se torna alternativa à coca na Colômbia. Folha de Pernambuco, [S. l.], 19 mar. 2017. Disponivel em: <https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/10/09/colombia-marcada-pelo-trafico-de-cocaina-aposta-em-cannabis.htm>. Acesso em: 24 maio de 2020
5OBSERVATORIO DE DROGAS DE COLOMBIA. Ministerio de la Justicia. CULTIVOS ILÍCITOS Marihuana (Valores en hectáreas). Registro em: 2019. Disponivel em: <https://www.insightcrime.org/wp-content/uploads/2019/08/Flagship-Marijuana-Data-Hectares.pdf>. Acesso em: 24 maio de 2020
6KAPKIN, Sara. En el Cauca, la marihuana medicinal puede ser una ruta para el posconflicto. Pacifista!, [s. l.], 6 jul. 2017. Disponivel em: <https://pacifista.tv/notas/en-el-cauca-la-marihuana-medicinal-puede-ser-una-ruta-para-el-posconflicto/>. Acesso em: 5 julho 2020
7“LEAVE us in Peace”: Security in Colombia’s Cauca department. Council on Hemispheric Affairs, [s. l.], 3 ago. 2012. Disponivel em: <https://www.coha.org/leave-us-in-peace-security-in-colombias-cauca-department/>. Acesso em: 10 julho 2020
8 ROBBINS, Seth. Corrida do ouro verde: maconha ‘creepy‘ vira grande negócio na Colômbia. OpenDemocracy, [S. l.], p. 1-3, 14 ago. 2019. Disponível em: < https://www.opendemocracy.net/pt/democraciaabierta-pt/corrida-do-ouro-verde-maconha-creepy-vira-negocio-na-colombia/>. Acesso em: 8 jun. 2020.
9RIVERA, Nícolas. Los desafíos del cannabis medicinal en Colombia Una mirada a los pequeños y medianos cultivadores. INFORME SOBRE POLÍTICAS DE DROGAS , [S. l.], p. 12, 11 set. 2019.
10 EL ‘triángulo de oro’ del cannabis. SEMANA, [S. l.], p. 3, 20 out. 2018. Disponível em: https://www.semana.com/nacion/articulo/norte-del-cauca-se-produce-la-variedad-de-marihuana-mas-potente/587503. Acesso em: 8 jun. 2020.
11TORRADO, Santiago. A indústria da cannabis medicinal floresce na Colômbia: País busca se posicionar na vanguarda do cultivo e produção da planta. El País, Sogamoso (Boyacá), 10 jun. 2019. Internacional. Disponivel em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/06/internacional/1559819085_182292.html>. Acesso em: 10 jun. 2020.
12RESTREPO, Adrián P. Acción política cannábica en la ciber-realidad. Revista CS, (24), 19-40. 2018.
13MINISTERIO DE SALUD Y PROTECCIÓN SOCIAL. Asociación Colombiana de Industrias de Cannabis. Hay que garantizar que la industria del cannabis sea legal y de alta calidad: MinSalud. Ministerio de Salud y Protección Social, Boletín de Prensa, n. 146, 19 set. 2019. Disponível em: <https://www.minsalud.gov.co/Paginas/Hay-que-garantizar-que-la-industria-del-cannabis-sea-legal-y-de-alta-calidad-MinSalud.aspx>. Acesso em: 25 maio 2020.
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