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Do Ativismo à Política: A Ascensão da Causa Animal no Cenário Político Brasileiro

Por Beatriz Prazeres, graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e bolsista pelo PETRI


A defesa dos direitos dos animais e a promoção de políticas para proteção animal são causas que têm ganhado cada vez mais espaço e convergência no espectro político brasileiro, unindo partidos de direita e esquerda. Essa pauta, que antes era mais restrita a movimentos ambientalistas e grupos ativistas, passou a integrar as agendas de grandes partidos em uma espécie de "frente ampla", impulsionada pela demanda social crescente por direitos e bem-estar animal.


Essa convergência está demonstrada através da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Animais no Congresso, que possui 31 parlamentares do Partido Liberal (PL), ao mesmo tempo em que conta com 25 deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) (Câmara dos Deputados, 2023). Isso ocorre, porque a causa animal transcende as diferenças ideológicas tradicionais e ressoa em diferentes setores da sociedade, abordando questões de saúde pública, ética e sustentabilidade. Além disso, há uma crescente defesa dos direitos dos animais domésticos (causa PET) que tem ganhado apoio de alguns partidos de direita. 


Segundo Reportagem da Folha de São Paulo de 2024, com levantamento realizado com base nos dados do TSE,  mostra que candidatos de partidos de direita e centro-direita têm dominado a pauta animal nas eleições municipais de 2024. Dentre os 494 candidatos que se identificam diretamente com a causa animal em suas campanhas, 198 são de partidos de direita, como PL, PRTB, União Brasil, Republicanos e Novo, enquanto 204 pertencem a partidos de centro, como MDB, Mobiliza e Avante. A esquerda, por sua vez, tem apenas 92 representantes desse grupo, filiados a partidos como PT, PSOL, PDT, PV e Rede (Folha, 2024).


O levantamento aponta que os partidos com maior número de candidatos defensores da causa animal são respectivamente dos partidos: União Brasil (48), PSD (44), PP (40), Republicanos (38) e PL (35). Comparativamente, esses partidos possuem os maiores números de Deputados Federais pertencentes a Bancada FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), sendo o União Brasil, o segundo maior com 44 deputados, seguido do PP com 40, o PSD com 29 e Republicanos com 28. O maior partido pertencente é o PL, com 71 deputados (FPA, 2024). 


Essa distribuição demonstra que a causa animal, tem se tornado uma pauta que consegue articular os partidos, apesar dos embates ideológicos e ideias convergentes. Considerando que a defesa dos direitos dos animais, particularmente no que se refere a uma visão ampla de proteção ambiental e crítica ao especismo, tem sido historicamente associada a à uma posição de esquerda. A articulação de candidatos da direita e do centro nessa pauta parece indicar um reposicionamento estratégico, voltado a conquistar novos segmentos eleitorais, especialmente nas áreas urbanas onde a causa PET é mais relevante.


A causa PET, centrada na proteção de animais de estimação como cães e gatos, é uma questão de apelo popular e possui um impacto direto nas políticas municipais e estaduais. Ela gera visibilidade positiva para parlamentares que se alinham a essa causa, mobilizando eleitores preocupados com o bem-estar dos animais. Exemplo disso pode ser observado através de reportagem do O Eco de 2022, que destaca que a maior parte dos recursos destinados ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio de emendas parlamentares entre 2021 e 2022 foi usada em programas de castração de cães e gatos, principalmente pela aquisição de "castramóveis" (veículos adaptados para esterilização animal) (Pereira, 2022). 


Essas emendas impositivas obrigaram o MMA a implementar esses recursos em mais de 100 municípios, incluindo pequenos como Guaramiranga (CE), com 5.073 habitantes. O "castramóvel" é especialmente valorizado em campanhas eleitorais, com sua entrega publicamente exibida, associando parlamentares e lideranças locais à defesa animal (Pereira, 2022).

Introduzida na Lei Orçamentária Anual de 2021, a ação orçamentária 2E87 permitiu que o MMA financiasse medidas de controle populacional de animais domésticos, um processo gerido pela Coordenação-Geral Nacional de Proteção e Defesa Animal (CGPRO). Ainda assim, a destinação de recursos e o processo de aprovação das propostas enfrentaram críticas. Em vários casos, os municípios beneficiados não cumpriram requisitos mínimos nas propostas, incluindo omissão de dados básicos sobre a quantidade de animais a serem esterilizados e ausência de uma política de manejo da população animal (Pereira, 2022).


A matéria aponta também dificuldades para obter informações detalhadas sobre a execução desses recursos, com o MMA alegando que a Lei de Acesso à Informação (LAI) não obriga a consolidação de dados sobre convênios. Além disso, questionamentos sobre contratos e licitações mostram inconsistências, como a aprovação de propostas com descrições genéricas ou incompletas, enquanto o uso dos castramóveis, embora considerado um recurso importante, levanta dúvidas quanto à sua efetividade sem programas de controle populacional mais amplos (Pereira, 2022).


A reportagem sugere que a grande quantidade de emendas para castração animal pode ter apelo eleitoral, e que isso ocorre em um contexto onde outras prioridades ambientais, como a fiscalização da Amazônia, recebem investimentos muito menores (Pereira, 2022).

Além disso, desde o início dos anos 2000 a causa de defesa dos animais tem movimentado grupos de ultra direita em diversos países, segundo Gabriel Bayarri e Michael Dello-Iacovo da Organização Vermelho. Eles afirmam que essa movimentação que esses grupos tentaram se apropriar de demandas de defesa animal. O objetivo era reposicionar a agenda tradicionalmente associada à esquerda e ao progressismo, utilizando-a como uma forma de atrair simpatia de setores sociais que valorizam os direitos dos animais. Essa estratégia busca criar uma contradição ao associar a imagem dos líderes ultradireitistas com a sensibilidade ao sofrimento animal, enquanto suas políticas amplas permanecem voltadas à defesa de práticas que, de fato, comprometem o bem-estar animal, como a caça e o desmatamento (Bayarri; Dello-Iacovo, 2019).


Exemplos como o da francesa Marine Le Pen, que associou sua imagem à defesa de terapias com animais para suavizar a percepção pública de seu projeto político conservador, mostram como a pauta animal é instrumentalizada em contextos eleitorais. A imagem de líderes ultradireitistas em cenários que incluem animais de estimação visa criar uma proximidade emocional com o eleitorado, especialmente em sociedades onde a causa PET tem forte apelo. No Brasil, essa dinâmica pode ser observada na defesa de direitos de cães e gatos por políticos como Jair Bolsonaro, que ao mesmo tempo promove políticas que contribuem para o desmatamento da Amazônia e a flexibilização das regras ambientais (Bayarri; Dello-Iacovo, 2019).


Para os movimentos de defesa animal e os partidos de esquerda, o desafio consiste em evidenciar essas contradições e ampliar a compreensão da causa animal, não apenas como uma questão de cuidado com animais domésticos, mas como parte de uma luta maior por justiça ambiental e social. Isso envolve articular a defesa animal com a crítica ao modelo de agropecuária industrial, ao desmatamento e à exploração intensiva dos recursos naturais, que são elementos centrais nas agendas políticas das novas extremas direitas.


A convergência entre partidos de diferentes espectros ideológicos na defesa dos direitos animais e na promoção de políticas de proteção animal representa um avanço no cenário político brasileiro, respondendo a uma demanda social crescente por bem-estar animal. No entanto, essa adesão heterogênea também expõe contradições importantes. Embora a pauta PET — centrada na proteção de animais domésticos — tenha conquistado forte apelo popular e contribuído para a projeção de candidatos e partidos, especialmente em áreas urbanas, ela revela limitações quando desvinculada de um compromisso com a conservação ambiental mais ampla.


O uso da causa animal por partidos de direita e extrema-direita, como evidenciado em exemplos internacionais, destaca um movimento estratégico de apropriação dessa agenda para atrair simpatizantes, ao mesmo tempo que promovem políticas que, em última análise, comprometem o meio ambiente e o bem-estar animal.


Nesse contexto, a luta pela proteção dos animais não deve ser reduzida a uma questão de cuidados com os animais domésticos, mas deve se integrar a uma agenda mais abrangente de justiça ambiental e social. Apenas dessa forma será possível garantir que a causa animal seja tratada de maneira coerente e eficaz, refletindo verdadeiramente os valores de respeito à vida e à sustentabilidade. 


Referências bibliográficas

Bayarri, Gabriel; Dello-Iacovo, Michael. Vermelho: A Esquerda Bem Informada. Como a extrema direita manipula o debate sobre os direitos dos animais. 17/03/2019. Disponível em:  https://vermelho.org.br/2019/03/17/como-a-extrema-direita-manipula-o-debate-sobre-os-direitos-dos-animais/ Acesso em:  20 out. 2024. 


Câmara dos Deputados. Frente Parlamentar em Defesa dos Animais. Acesso em 10 de nov. de 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=54362 


Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Todos os Membros. Disponível em: https://fpagropecuaria.org.br/todos-os-membros/ Acesso em: 20 out. 2024. 


Monteiro, Lucas; Barboza, Vinícius. Folha. Direita supera esquerda em número de candidatos com nome de urna ligado à pauta animal. 2.out.2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/10/direita-supera-esquerda-em-numero-de-candidatos-com-nome-de-urna-ligado-a-pauta-animal.shtml Acesso em: 20 out. 2024. 


Pereira, José Alberto Gonçalves. O Eco. Parlamentares destinam aos pets mais de 50% das emendas para o MMA. 3 de agosto de 2022. Acesso em 10 de nov. 2024. Disponível em: https://oeco.org.br/reportagens/parlamentares-destinam-aos-pets-mais-de-50-das-emendas-para-o-mma/ 


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