Na última quarta feira (18/09), Ericka Huggins, integrante do extinto Partido dos Panteras Negras e militante pelos direitos dos negros e das mulheres, compareceu à PUC SP a convite do Professor Lúcio Flávio Almeida (Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais) e dos alunos no curso de Ciências Sociais. Na conferência, assumiu-se uma postura leve e bem humorada e um tom muito mais pessoal do que acadêmico. Por diversas vezes, aliás, a palestrante disse aos presentes que “A academia é maravilhosa! Mas também há muitas outras coisas maravilhosas fora dela!”, no sentido de que ações práticas são necessárias no combate às injustiças.
Para aqueles que conhecem superficialmente a história do Black Panthers, certamente o significado das palavras de Ericka parecem dizer respeito à tomada de armas por parte dos membros do partido, no intuito de se defenderem da ação predatória da Polícia da Califórnia nas comunidades negras na década de 1960. No entanto, a ativista procurou demonstrar, ao contar a sua história, que suas ações iam muito além. “Martin Luther King e Malcom X nos diziam para ter calma, que as mudanças um dia chegariam. Mas os jovens são impacientes.” disse ela.
A impaciência dos jovens – a média de idade dos Black Panthers era 19 anos – foi responsável por atividades de assistência social tais quais o grande café da manhã servido diariamente as crianças que não tinham o que comer antes de ir para a escola, já que o governo não providenciava qualquer solução para problema que afetava a saúde, o desempenho escolar e a frequência das crianças negras à escola. Erika frisou que os projetos dos Panteras Negras não se restringiam à população afrodescendente e que eles não incitavam a dominação do negro pelo branco. Ao contrário, suas ações contemplavam crianças negras, indígenas, latinas, asiáticas e brancas pobres e suas reinvindicações incluíam pautas pelos direitos dos gays, mulheres e contra a Guera do Vietnã.
Nesse mesmo sentido surgiu a Escola Comunitária de Oakland, que atendia todas as crianças anteriormente mencionadas e que era administrada pelos membros do Partido, os quais lecionavam e executavam todas as funções do colégio mesmo que não tivessem qualquer formação acadêmica. O colégio, que possuía ampla grade incluindo aulas de artes, línguas e outras atividades inexistentes nos colégios tradicionais, chegou a receber um prêmio de melhor escola da Califórnia.
“Nunca vi a PUC tão preta!” ouvia-se dos murmúrios da platéia, onde se fazia forte a presença de membros de movimentos sociais negros. Assim que o microfone foi aberto e o público passou a contar um pouco de suas histórias de luta, Huggins provocou: “Vocês esperaram que viesse alguém aqui para conversarem pela primeira vez?”, ao notar que os movimentos não se relacionavam.
Muitas das questões levantadas diziam respeito a comparações entre o Brasil e os Estados Unidos de hoje e da década de 1960, sobretudo quanto à atuação da Polícia. Foram lembradas as chacinas, ações truculentas e abusos da polícia contra comunidades negras e pobres que acontecem no Brasil diariamente, como os recentes episódios da Favela da Maré – em que 10 pessoas foram mortas arbitrariamente pela polícia, sem nenhum motivo apresentado – e o desaparecimento do pedreiro Amarildo Gomes da Silva – que foi visto pela última vez sendo levado por policias militares à Unidade de Polícia Pacificadora da Favela da Rocinha. Sobre a pergunta que fiz sobre o acesso do negro à universidade em seu país, a resposta obtida revelou ser muito similar a situação do Brasil e dos Estados Unidos: “As ações afirmativas permitiram o ingresso de estudantes negros na universidade. Entretanto, sua permanência só era possível caso recebessem algum tipo de auxílio, já que lá não existem universidades públicas. Nos anos 1990, algumas pessoas começaram a dizer que a política de cotas era racista e elas terminaram. Tanto hoje como naquela época, mesmo que os negros consigam chegar à universidade, enfrentam grandes dificuldades por causa da péssima qualidade do ensino básico.”, disse Huggins.
Questionada sobre os destinos dos integrantes do Partido, Ericka Huggins contou que muitos sofrem com algum tipo de trauma decorrente das perseguições, prisões e torturas dos anos 1960, que muitos foram mortos (incluindo seu melhor amigo e seu marido) e que outros tantos estão, ainda hoje, proibidos de entrar no país ou que fugiram para o exterior. Ela citou o caso de uma amiga sua cuja recompensa pela captura aumentou recentemente, já que ela é acusada do crime de ser “ameaça à segurança nacional”. Há ainda o caso de Mumia Abu-Jamal, preso há cerca de 30 anos pelo mesmo crime. A militante agradeceu o apoio dado por estudantes que estenderam uma faixa que pedia a liberdade de Mumia e salientou que ele diria que nós devemos lutar pelos que estão mais próximos de nós, citando como exemplo os presidiários brasileiros que vivem em condições degradantes, em cadeias superlotadas.
A militante se despediu naquela noite instigando os jovens a se mobilizarem não apenas dentro da universidade e a conservarem um sentimento de amor e agregação para lutar por mudanças, desprezando divergências insignificantes.
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