Em novembro de 2013 na capital Kiev, tem início uma série de protestos cujo estopim foi a recusa do então presidente Viktor Yanukovych ao processo de integração da Ucrânia à União Europeia. Com o aprofundamento da crise, em fevereiro deste ano, ocorreu a queda do presidente e o aumento do envolvimento internacional na questão. Em março, a Criméia foi anexada à Rússia e atualmente o país sofre grande instabilidade com a perda de autoridade das instituições políticas locais perante parte da população e grupos separatistas ameaçando a integridade territorial.
A partir de uma breve análise sobre a política externa ucraniana e as disputas político-econômicas locais, é possível verificar que o posicionamento exterior da Ucrânia, de uma forma geral, é colocado como pauta principal de sua política doméstica. Com isso demandas sociais acabam marginalizadas permanentemente e culminando em episódios como o da crise atual e da Revolução Laranja de 2004, em que a partir da denúncia de fraude eleitoral, contestações internas ganharam dimensão internacional, devido aos interesses de grandes potências na situação do país, resultando no anúncio de novas eleições.
Desde 1998 a política externa ucraniana tenta equilibrar-se entre o Ocidente e Oriente ao mesmo tempo em que busca se conciliar com a União Europeia, esforça-se para que isso não ocasione uma ruptura política com a Rússia. Essa aproximação resulta principalmente de um anseio econômico interno, em se beneficiar de uma parceria e futura integração com a UE, bem como em atender uma demanda de parte da sociedade em se “ocidentalizar”, no sentido de negar décadas de ocupação e domínio russo, em uma redefinição do nacional.
É necessário ressaltar que tal aproximação com o ocidente não é uma posição homogênea da sociedade ucraniana e há parcelas sociais interessadas em manter laços estreitos com a Rússia, visto isto pela vitória eleitoral de 2010, considerada sem fraudes, de Viktor Yanukovych, líder pró-Rússia.
Desta forma é possível verificar que não só a política externa tenta um equilíbrio entre leste e oeste, como também isso ocorre no âmbito doméstico, principalmente com as disputas de poder entre grupos econômicos internos. Grupos estes que enriqueceram com privatização dos serviços públicos após a queda da URSS, formando oligarquias econômicas que monopolizam os principais setores da economia nacional. Tais oligarquias influenciam determinantemente na dinâmica política, hora favoráveis ao ocidente, hora aos russos, sobrepondo assim, interesses próprios ao processo de consolidação da democracia nacional.
É através dessas disputas internas, cada qual correspondendo a uma expectativa internacional entre leste e oeste, que se insere a Revolução Laranja. Ela pode ser vista como resultado do desequilíbrio dessas disputas, que com a fraude eleitoral de 2004, houve a ascensão de Viktor Yanukovych ao poder, o que não correspondia com o esperado pelo ocidente. Assim, as mobilizações internas que contestavam o resultado eleitoral foram reforçadas pela enorme pressão internacional, resultando em uma segunda eleição e desta Yushchenko, líder pró-ocidente, sai vitorioso com 52% dos votos. Comprovando assim, a fraude eleitoral da primeira eleição, porém demonstrando uma base sólida do candidato pró-Rússia com 44% dos votos.
Por mais que a fraude do processo eleitoral da Revolução Laranja tenha sido comprovada, a força e as medidas internacionais em relação ao caso foram além do comportamento habitual, por exemplo, o caso do senador norte-americano Richard Lugar, enviado à Ucrânia a mando do presidente Bush para monitorar pessoalmente andamento da segunda eleição de 2004. Coincidentemente no ano seguinte, durante o governo de Yushchenko foram iniciadas negociações mais estreitas com a OTAN e uma renovação do acordo de cooperação de 1998 com a União Europeia.
Na situação atual da crise ucraniana é possível identificar as mesmas dinâmicas de 10 anos atrás, disputas oligárquicas que instrumentalizam anseios e mobilizações sociais para garantir ou ampliar seus poderes. Nesse cenário adentram atores internacionais que para garantirem seus benefícios, se aliam a esses grupos locais tornando a política nacional uma grande orquestração de interesses particulares. Colocando em segundo plano necessidades urgentes do país, como por exemplo, a crise na saúde, que segundo a Organização Mundial da Saúde em 2011 a cada 100.000 habitantes 38 estavam infectados pelo HIV.
A crise atual pode ser vista como resultado da soma de problemáticas estruturais do país desprezadas devido as disputa oligárquicas internas e interesses internacionais intervindo no plano nacional. Assim, se da forma que foi resolvida a Revolução Laranja, a crise atual não levar em conta tais problemáticas a probabilidade de se repetir outra crise na Ucrânia daqui a 10 anos é grande e assim se perpetuar a instabilidade político-social.
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