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Sorria, você está sendo controlado

Na The Economist da semana do dia 21 de abril, na seção de “Ciência e Tecnologia”, encontra-se um artigo cujo subtítulo é “Modelos computacionais que podem prever o surto e o espalhamento de conflitos civis estão sendo desenvolvidos” (http://www.economist.com/node/21553006). Nessa matéria, expõem-se programas em desenvolvimento nos Estados Unidos para prever insurreições e levantes populares. Um exemplo é o CONDOR, desenvolvido pelo conceituado Massachusetts Institute of Technology. Este programa funciona usando dados do Twitter, Facebook e outras mídias sociais, por meio de uma “análise de sentimentos” (das postagens, da identificação de “pessoas influentes”, de palavras usadas nos posts). Chama a atenção o fato de que o FBI procura acesso a essas mídias e está negociando esse direito, em nome da segurança pública.

Longe de ser um fato isolado, a utilização desse tipo de tecnologia, aparece como tendência presente nos últimos anos. O fato que jaz por trás disso é a constatação de que as guerras tradicionais serão cada vez menos freqüentes e que deve-se ter uma atenção  maior nas cidades, representadas como o lugar dos vícios e dos protestos. Assim, verifica-se que os principais perigos e ameaças à ordem vigente são gerados nas cidades e que se expressam em guerrilhas, insurreições e levantes populares. Mesmo nas guerras tradicionais, como é o caso da Guerra do Iraque, o palco é o espaço urbano. Ilustrando essa preocupação, o Pentagon’s Defense Science Board chamou a atenção para a necessidade de um Novo Plano Manhattan, tendo como núcleo tecnologias que possam desvelar a vida urbana. O relatório mostrou a possibilidade de desenvolver um sistema computacional para vigiar, constantemente, os espaços urbanos e que seja adaptado para penetrar as complexidades da vida citadina. O objetivo é localizar e identificar os alvos de conflito não convencionais.

Esses fatos nos sugerem um tríplice eixo de reflexão. O primeiro refere-se ao que poderíamos chamar de mito da cientificidade. O segundo diz respeito à progressiva militarização da vida urbana. O último, ligado ao anterior, aponta para a constante paranóia por segurança, controle e ordem.

A questão do mito da cientificidade não é um assunto novo. Desde que as ciências sociais nasceram, é discutido se uma importação dos métodos das ciências naturais seria oportuna. O fato de se querer predizer um levantamento popular por meio de modelos e de “análises sentimentais” toca novamente neste ponto. Construir dispositivos de controle, de vigilância e de previsão insere-se, também, nessa obsessão cientificista. Além disso, cabe perguntar até que ponto sentimentos sociais podem ser medidos e transformados em algoritmos computacionais. A primeira objeção que surge é que para que essa tentativa seja bem sucedida, é preciso criar padrões de normalidade, o que por si só, já é problemático. De fato, para que um modelo computacional preveja comportamentos “estranhos”, fora do comum, é preciso que ele seja programado para identificar o que é o comportamento adequado.

O segundo e o terceiro ponto serão tratados em conjunto, pela proximidade da questão.

Concretamente, a militarização da vida urbana se expressa no uso civil de muitos instrumentos nascidos no âmbito militar e que foram reapropriados para usos de técnicas de rastreamento, de identificação e de controle que já fazem parte e invadem nossa vida cotidiana; o GPS é o mais conhecido. Como aponta Stephen Graham no interessantíssimo livro “Cities Under Siege”, atualmente existe uma linha tênue entre as aplicações militares e civis de tecnologias para controle e, dessa forma, a vida cotidiana se torna moldada por um senso de rastreamento e cálculo eletrônico contínuo. O problemático é que os aplicativos de vigilância constroem perfis, analisam padrões de comportamento e identificam o que está fora da normalidade. Graham identifica um “sujeito estatístico”: por trás de cada movimento individual na cidade, há um movimento paralelo de armazenamento desses dados, seja no passar o cartão de credito, no pedir a nota fiscal paulista, no sorrir para a típica placa “você está sendo filmado”. Sintomáticos são os gastos públicos para a exploração e pesquisa de novas tecnologias. A conseqüência direta dessa atitude controladora, é que, nas cidades, não há mais cidadãos, mas todos são potenciais alvos e, portanto, devem ser vigiados.

Em suma, querer prever levantes, insurreições ou protestos sociais insere-se no que poderíamos denominar uma “paranóia pelo controle”, uma vontade de onisciência de saber e poder prever tudo (ligada ao mito da cientificidade), e certamente uma tecnologia a serviço de interesses privados e públicos. Tudo se dá em nome da segurança: multiplicam-se as empresas de segurança, as câmeras, tudo passa a ter chips e a poder ser rastreado, as pessoas não hesitam em colocar todos os seus movimentos nas mídias sociais.

No entanto, não é com tecnologia que vão se resolver as questões sociais: por trás de cada protesto, levante ou insurreição, que os programas computacionais procuram prever, há certamente um problema social que, evitando a “anormalidade”, passa a ser automaticamente negligenciado. Apesar disso, o fanatismo tecnológico, agora em sua vertente para controle, segurança e vigilância, está longe de ser superado.

Por Martina Bergues

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