Sobre a simulação da Revisão Periódica Universal (RPU) apoiada pela Conectas Direitos Humanos na PUC
A partir de um edital aberto pela ONG Conectas Direitos Humanos, em 06/03/17, surgiu a oportunidade de fazermos uma simulação na PUC sobre a Revisão Periódica Universal da ONU. A RPU é um mecanismo do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que avalia a cada 4 anos e meio o que cada Estado tem feito para proteção dos Direitos Humanos.
Após a formação no tema oferecida pela Conectas Direitos Humanos e com o apoio da Coordenação e das Professoras Terra Budini e Claudia Marconi, realizamos a atividade que se dividiu em duas etapas: preparação e simulação.
A Revisão Periódica Universal é o mais importante processo de avaliação internacional dos Direitos Humanos nos países, envolve todos os 193 Estados-membro da ONU e funciona como uma análise organizada em pares, na qual os países devem fazer recomendações à respeito dos Direitos Humanos ao réu. Conheça mais sobre o mecanismo no vídeo: https://youtu.be/R4ukdbt8YK0.
As preparações, ocorridas no dia 02 de maio de 2017 em dois horários, foram conduzidas pela estudante multiplicadora e pela Professora Claudia Marconi e abordou os mecanismos ONU de proteção aos Direitos Humanos e se aprofundou sobre a RPU.
As simulações ocorreram no dia 04 de maio de 2017 também em dois horários, a fim de possibilitar a adesão do maior número de alunos. Foram conduzidas também pela aluna multiplicadora da Conectas Direitos Humanos acompanhada pela Terra Budini, Professora e vice-coordenadora do curso. Seguimos o modelo sugerido pela Conectas Direitos Humanos, que contava com 15 delegações: Brasil (país sob análise), ONG, África do Sul, Argentina, Austrália, China, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Indonésia, México, Nigéria, Palestina e Vaticano. Neste formato foi incluída, por motivos didáticos, a fala de uma organização da sociedade civil, no caso a própria Conectas Direitos Humanos, a fim de exercitar também o olhar dos alunos para uma abordagem civil e não somente focando em Estados.
Tivemos uma grande adesão dos estudantes, 96 participantes, sendo 70 em delegações e 26 ouvintes. Isso mostra que o curso está interessado em simulações, principalmente naquelas que apresentem modelos novos, que priorizem o aprendizado e a difusão de informação e não o formato. Fizemos uma simulação focada nos Direitos Humanos e mais informal, com o objetivo de que ela não acabasse caindo na superficialidade e artificialidade das simulações do modelo ONU que acabam até caricaturando o papel diplomático. Os estudantes envolvidos realmente se engajaram no tema e pesquisaram sobre sua delegação e por isso tivemos recomendações excelentes, coerentes com o contexto Brasileiro e com a Política Externa do país representado.
O interesse foi tanto que os participantes sugeriram que sejam organizadas outras simulações, mais complexas, com réplicas e tréplicas ou colocando outros países como réus para que assim todos pudessem viver a experiência que a delegação do Brasil teve agora. Outra sugestão deles foi fazer uma simulação temática em que vários países pudessem receber sugestões, mas apenas sobre um tema específico para que assim eles possam de fato se aprofundar nas pesquisas.
A mais recente avaliação do Brasil na Revisão Periódica Universal
No último dia 5 de Maio de 2017 o Brasil foi pela terceira vez foco do processo de avaliação da ONU sobre a questão dos direitos humanos, a Revisão Periódica Universal, RPU.
A revisão que acontece a cada quatro anos e meio para cada país teve, dessa vez, por parte do Brasil o recebimento de 246 recomendações de 113 delegações dos países membros das Nações Unidas, podendo o Brasil aceitá-las ou não. O prazo estipulado para o Brasil em analisar tais recomendações foi até setembro de 2017, quando acontece a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos.
Uma dos temas de maior atenção durante o conselho por parte das delegações presente foi a questão da segurança. Vários países focaram suas recomendações e buscaram ressaltar a delicada situação em que o Brasil se encontra em relação ao tema. Pontos como a superlotação dos presídios, violência e assassinatos cometidos por policiais e o aumento da violência de forma geral se deram como interesse primordial e preocupação das demais delegações em relação ao Brasil. Além disso, o aumento da desigualdade e violações aos direitos humanos no que tange a assegurar segurança e igualdade a pessoas pertencentes a grupos minoritários também foi tema de recomendações.
Outro tema notavelmente abordado foi o do sistema carcerário brasileiro. De acordo com o relatório oficial do Brasil, o país se comprometeu a reduzir a população carcerária em 10% até 2019, o que é de certa forma uma mera falácia, pois não foram apresentadas as medidas para chegar a tal objetivo. Além disso, o que vem sendo observado é o aumento da violência contra a população negra, a qual representa a maior parte dos encarcerados, caracterizando o cenário de desigualdade e discriminação racial num país composto 54% de indivíduos negros.
A questão do racismo também foi colocada por vários países africanos e de maioria negra. Haiti, Namíbia, Botswana, Ruanda e outros Estados cobraram do Brasil posicionamento mais firme e combate a práticas discriminatórias. Suas recomendações, então, giraram em torno de temas como as altas taxas de homicídios de jovens negros, o acesso limitado a programas sociais e ensino de qualidade por parte da população negra, e as limitações na proteção da liberdade religiosa, com foco em praticantes de umbanda e candomblé. A delegação das Bahamas, por exemplo, pediu ao Brasil que formulasse medidas para reduzir mortes por armas de fogo, as quais afetam a juventude negra de maneira particular.
A preocupação com os povos indígenas brasileiros, principalmente no que diz respeito à sua integridade e à proteção de suas terras, também foi uma das pautas abordadas na RPU. O relatório oficial da ONU sobre os direitos humanos no Brasil apresentado na sabatina atestou que “the State’s failure to protect indigenous peoples’ lands from illegal activities, particularly mining and logging, was a matter of concern”. Em resposta, a ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, afirmou que o governo repudia a violência contra os indígenas e procura diálogos para garantir a demarcação das terras. Entretanto, esse discurso é contraditório em relação às atitudes do governo brasileiro, como a proposta da PEC 215, que pretende colocar nas mãos do Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras, ao invés do Poder Executivo, e o corte de recursos financeiros para a FUNAI, entidade que promove a proteção aos povos indígenas.
Organizações da Sociedade Civil
Após o final da sabatina, organizações da sociedade civil lançaram seus pareceres acerca dos posicionamentos da delegação brasileira e suas respostas às recomendações apresentadas. A Anistia Internacional se mostrou bastante crítica às alegações do Brasil de que havia implementado mudanças significativas desde o último ciclo da RPU, afirmando em sua página da internet que, na verdade, “houve um agravamento das violações de direitos humanos no Brasil”.
A Conectas Direitos Humanos, que cobriu todo o processo de revisão de maneira bastante ativa, apresentando documentos prévios sobre a situação dos direitos humanos no país, demonstrou uma posição cética em relação aos comprometimentos feitos pelo Brasil. A respeito da promessa brasileira de reduzir a população prisional em 10% até 2019, Camila Asano, coordenadora de política externa da organização, argumentou que tal proposta era “demagógica”.
Resposta brasileira
Em relação à resposta brasileira sobre o que se foi apresentado, observou-se apenas demagogia referente ao que pretende ser feito. Apesar de retrocesso em várias áreas como foi colocado por várias delegações, o Brasil não se comprometeu de fato com a realização de ações objetivas e tangíveis que ajudariam a resolver tais problemas. A generalização na fala do Brasil e a longínqua promessa de algo que deverá ser feito, sem especificar como ou quanto, torna a análise final do acontecimento como cenário onde os retrocessos e violações brasileiras frente aos direitos humanos de sua população são expostos pelos demais países e sendo encarado pela diplomacia brasileira de forma indiferente e sem senso de urgência.
Resultados da Simulação e da RPU Oficial
O mais interessante é ver as congruências da simulação e da Revisão Oficial. Os temas prioritários nas recomendações dos alunos e dos países membros da ONU foram parecidas. Tanto os estudantes quanto os diplomatas escolheram como o assunto mais urgente o sistema carcerário brasileiro e também reforçaram as recomendações sobre os abusos de poder policial, bem como a violência contra negros e povos indígenas. Vemos então que ambos estão ligados aos acontecimentos do começo de 2017 como a rebelião no presídio de Alcaçuz em Natal, RN, e no complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus, AM, duas penitenciárias que abrigam hoje em dia mais do que o dobro de presos do que deveria suportar.
A simulação foi muito positiva pois instigou interesse dos alunos sobre o tema de Direitos Humanos e deu um espaço para que eles pudessem também, de alguma forma, fazer as suas colocações em relação ao tema no Brasil, além de terem pesquisado sobre a posição de outros países. A atividade tornou mais conhecido este mecanismo de revisão que é tão importante e tem participação da sociedade civil.
Comentários dos estudantes sobre a simulação da Conectas Direitos Humanos na PUC-SP
Isabela Agostinelli:
Participei da simulação promovida pela Conectas Direitos Humanos representando a delegação da Nigéria e o que achei mais interessante dessa dinâmica foi a inclusão da própria Conectas Direitos Humanos (organização da sociedade civil) como delegação na simulação, apontando críticas ao posicionamento inicial do governo brasileiro, o que não acontece nos ciclos reais da RPU, portanto trazer esse elemento foi uma dimensão inovadora.
Acredito que as simulações são muito importantes para a formação dos estudantes de Relações Internacionais, visto que é uma forma de colocar em prática algumas noções da diplomacia e do funcionamento das instituições internacionais, além de ser um exercício de pesquisa sobre a política externa de alguns países em relação aos direitos humanos, como a que tivemos oportunidade de realizar durante o treinamento/preparação para a simulação. Por exemplo, meu grupo pesquisou mais a fundo a postura de política externa nigeriana para poder fazer recomendações viáveis ao Brasil que não fossem discrepantes da política externa do país em questão, o que revelou-se um pouco difícil visto que na Nigéria há muitos casos de violações dos direitos humanos, sendo portanto um tema muito sensível.
É uma maneira de incentivar uma abordagem e reflexão mais críticas dos direitos humanos, principalmente sobre a posição do Brasil diante deste tema, atentando para o papel extremamente relevante das organizações da sociedade civil e dos demais stakeholders para análises mais críticas que contestam o discurso mais diplomático brasileiro sobre a situação atual do campo dos direitos humanos no país.
Marco Carvalho:
Tendo participado da simulação da RPU na PUC fazendo parte da delegação brasileira, o país que estava sendo sabatinado, foi um bom exercício para analisar os posicionamentos brasileiros quanto à questão de direitos humanos e vendo como ela é tratada internamente e da forma que é exposta externamente. Como parte da preparação, o estudo do relatório oficial divulgado pelo Brasil nos foi permitiu criar um senso crítico sobre o que estava sendo exposto realmente pelo governo brasileiro e nossas percepções da realidade em que estamos inseridos. Apesar do meu papel ser de defesa da existência de direitos humanos no Brasil de forma consolidada e segura, em certos momentos era preciso usarmos a diplomacia como instrumento para atenuar certas questões que sabíamos não estar totalmente condizentes fala e realidade.
Além disso, um dos pontos que achei mais interessante foi a possibilidade de cada delegação representada poder entender melhor como funciona dinâmicas internas e externas de seus respectivos países em questão e ao Brasil a possibilidade de entender o porquê de cada recomendação de acordo com cada país em seu contexto, seja ele político, econômico, ideológico.
Acredito que o uso de tais instrumentos como foi a simulação ajuda ao desenvolvimento não só intelectual no contexto acadêmico de nós alunos mas também como forma de aprimorarmos nossos sensos críticos e estarmos mais a par do que acontece no sistema internacional, como é o caso, podendo-nos ainda tomar conhecimento sobre como questões de interesses internos, como o caso dos direitos humanos no Brasil apesar do forte apelo internacional que o tema traz, são colocados como reflexo da nossa realidade para o resto do mundo.
Beatriz Eugênio:
Tive a oportunidade de participar da simulação da RPU organizada pela Conectas Direitos Humanos, representando a delegação da Dinamarca. Diferentemente de eventos mais tradicionais girando em torno da ONU, esta simulação foi mais informal no sentido de que se deu menos ênfase a aspectos performativos e cerimoniais, fatores esses que sempre haviam dissipado um pouco do meu interesse nesse tipo de atividade. Devido ao próprio modelo dessa simulação, então, e ao fato de que ela foi organizada por uma organização da sociedade civil, abriu-se maior espaço a discussões sérias e críticas no que se refere a como os direitos humanos são concebidos e tratados atualmente.
Outro aspecto interessante foi minha própria atuação com única representante da Dinamarca, tendo como objetivo formular até três recomendações para a delegação brasileira. Para isso, tive que não somente analisar os relatórios organizados por e sobre o Brasil, como também fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre a política externa dinamarquesa, a maneira como o país se apresenta diante dos outros e seu próprio tratamento dos direitos humanos, o qual é falho em certos aspectos. Nesse sentido, essa atividade me foi bastante útil não somente por conta da pesquisa envolvida, mas também ao mostrar como discursos diplomáticos podem esconder práticas que necessitam ser mudadas.
De maneira geral, a simulação foi de grande importância para minha formação no curso de Relações Internacionais, tendo representado minha primeira participação nesse tipo de evento. Acredito que tal atividade mostrou-se como uma possibilidade para todos os estudantes exercitarem sua retórica e sua capacidade de formular argumentos, além de suscitar uma reflexão sobre o valor que se dá aos direitos humanos hoje, tanto pelo governo brasileiro quanto por outros países e a própria ONU. Por ter notado uma recepção majoritariamente positiva ao evento, penso que seria muito interessante que novas oportunidades como essa se abrissem, em moldes que permitam debates tão interessantes quanto os que surgiram na simulação oferecida pela Conectas Direitos Humanos.
Referências
Universal Periodic Review Third Cycle – Brazil. Por UNHRC.
Países africanos e de maioria negra cobram Brasil na ONU por racismo. Por BBC Brazil.
Governos e ONU denunciam ‘violência generalizada’ no Brasil. Por Estado de São Paulo.
Pressionado, Brasil diz que reduzirá em 10% população carcerária até 2019. From Estado de São Paulo. Por Estado de São Paulo.
Na ONU, governo diz que crise impõe sacrifícios. Por Estado de São Paulo.
Governo tentou excluir deputado da lista de oradores na ONU. Por Estado de São Paulo.
Em Genebra para tratar sobre Direitos Humanos no Brasil, ministra deixa reunião com ativistas. Por Estado de São Paulo.
Proposta Demagógica – Na ONU Brasil promete reduzir população prisional em 10% até 2019. Por Conectas Direitos Humanos.
Relatório apresentado pelo governo Temer à ONU é distante da realidade. Por Rede Brasil Atual. Em Conectas Direitos Humanos.
Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU: exposição incomoda. Por Nexo Jornal. Em Conectas Direitos Humanos.
Revisão do Brasil na ONU – O país no banco dos réus. Por Conectas Direitos Humanos.
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