Ao longo de todo o século XX, a discussão acerca das drogas avançou e adquiriu o caráter proibicionista amplamente aceito até os dias de hoje. Muitos governos e a própria ONU assume que é possível viver em um mundo livre de narcóticos, sendo a proibição por meio da repressão penal o caminho a ser seguido. No último dia 3 de outubro ocorreu na PUC-SP uma mesa, dentro do ciclo da Semana de Relações Internacionais, de debate sobre as atuais políticas para as drogas. Para os palestrantes Alberto Toron (advogado criminal), Cristiano Marona (representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e Aldo Zaiden (psicanalista e assessor do Ministério da Saúde), a “guerra contra as drogas”, em vigência desde a década de 1970, quando o presidente norte-americano Richard Nixon a proclamou, trouxe somente resultados desastrosos em termos de proteção aos indivíduos. Além disso, não conseguiu impedir a produção e o uso dessas substâncias ao redor do mundo. Cada um dos convidados procurou explicar porque é preciso aplicar uma nova forma de pensar e tratar a questão. Destacamos abaixo as principais avaliações dos expositores.
Cristiano Marona iniciou o debate e procurou traçar um panorama global acerca das políticas de drogas em diferentes países. Ao apresentar, por exemplo, uma pesquisa feita em 21 países que adotam políticas de descriminalização, Marona questionou a relação entre a repressão e o consumo: ao contrário do que afirmaram os defensores do proibicionismo, não houve aumento de consumo das substâncias, mesmo com o fim da repressão penal. Para ele, a maioria dos argumentos dos entusiastas da “guerra contra as drogas já são contestados há muito tempo, mas ainda se mantém fortes baseados em falsas premissas morais, como viria a sugerir em resposta a uma das perguntas da plateia.
O Brasil também foi um dos temas centrais das exposições. Alberto Toron, por exemplo, apesar de entusiasmado com a maior liberdade dada à discussão sobre as drogas no país, denunciou a forma como foi tratado por colegas quando se candidatou à presidência da OAB-SP em 2012: muitos o taxaram de “maconheiro” e o acusaram de fazer apologia ao uso de drogas, pelo simples fato de defender a regulamentação do uso da cannabis. Para ele, os avanços são claros, mas ainda há uma grande dificuldade para a implementação de uma nova política de drogas , visto o perfil conservador dos decisores políticos e da própria população em relação ao tema. . Marona teceu críticas à Lei de Drogas (6368/77) de 2006, que falha em diferenciar usuários de traficantes e acaba punindo de maneira equivocada estes dois agentes, alavancando outros problemas – dentre eles a superlotação das prisões. A reforma da lei, em pauta no Congresso, somente pioraria a condição do usuário, segundo o representante do IBCCRIM. Aldo Zaiden criticou o “retrocesso” do governo brasileiro em seus posicionamentos nos fóruns internacionais, indicando que o país, que antes tomava posições “progressistas” e defendia a abertura do debate sobre os narcóticos, hoje adota uma postura cautelosa e muitas vezes conservadora, segundo observado por ele em suas experiências com as delegações nacionais.
A partir dos dados do recém-publicado estudo da FIOCRUZ sobre o crack, Zaiden também apontou falhas no programa do governo Dilma Rousseff “Crack: é possível vencer”. Foi consenso na mesa que o nome correto do projeto deveria ser “Crack: é impossível vencer” e que reconhecer isso é essencial para a solução do problema em torno dessa droga. Para ambos, os problemas vividos pelos usuários (a maioria é moradora de rua) não são causados pelo crack, como pressupõe o programa, mas sim por condições sociais de vulnerabilidade que lhe são anteriores. Acreditar no contrário inviabiliza uma real solução e dá espaço para políticas repressoras, como a das controversas internações compulsórias.
A impressão que se teve ao longo da discussão foi a de que o tema se inseriu muito bem na proposta da Semana de Relações Internacionais, que questionava o papel da sociedade civil nos debates internacionais. Ao final das exposições, muitos dos presentes (que praticamente lotaram o auditório 239 do prédio novo da PUC-SP) levantaram importantes questionamentos. As perguntas votaram-se, sobretudo, aos obstáculos que dificultam o diálogo sobre drogas em um país como o Brasil, onde a opinião pública se mostra majoritariamente conservadora. Apesar das inúmeras incertezas que ainda rondam a discussão, fica clara a sensação de que é necessária uma mudança drástica na política de drogas mundo afora. A experiência do proibicionismo já se mostrou ineficaz em resolver o problema posto, e seus fundamentos moralistas somente financiam o prolongamento da “guerra”. Qual a nova saída a ser tentada? O debate é urgente e todos estão convidados.
Para ver mais:
Pesquisa sobre a opinião pública brasileira em torno do tema
Rede Pense Livre (debate por uma “política de drogas que funcione”)
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