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Síria: pela não-intervenção humanitária

(Texto Desenvolvido na Oficina de Escrita do PET-RI – 2/2013).

Síria, 2013. Quase três anos após os primeiros protestos contra o regime de Bashar al-Assad, a guerra civil vem computando recordes de violação dos direitos humanos. De acordo com relatório do Observatório Sírio de Direitos Humanos, já são mais de 100 mil mortos, entre estes mais de um terço são civis. Dados da ONU apontam 2 milhões de refugiados. Isso só para dizer das ofensas mais claras aos direitos humanos. No entanto, somente agora que a linha limítrofe do uso de armas químicas na guerra civil foi cruzada e outros 1500 civis mortos, cogita-se uma intervenção externa no país.


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Querido mundo, gostaríamos de informar que hoje está acontecendo outro massacre na Síria (Imagem: Reprodução)


Desde a Cúpula Mundial das Nações Unidas de 2005, a comunidade internacional, representada principalmente pelo CSONU, tem a Responsabilidade de Proteger (R2P) como meio de ação em casos de crimes contra a humanidade. Entretanto, diante dos diversos casos em que caberia a R2P, somente alguns são capazes de “comover” o Conselho de Segurança. Para as potências mundiais algumas situações parecem mais urgentes e pedem respostas imediatas, enquanto outras como a Síria são, segundo Barack Obama, “not time-sensitive; it [intervention] will be effective tomorrow, or next week, or one month from now.”.

Na Líbia, foi necessário pouco mais de um mês após as primeiras revoltas no país para que tivesse início a Operação Unified Protector, liderada pela OTAN. Dizia respeito a, além de direitos humanos, seus recursos petrolíferos, suas reservas de gás natural e seus fundos soberanos. Na Síria, trata-se mais de violar proibições de guerra que de proteger vidas.

Procurando convencer o Parlamento a apoiar ataques contra o país, o governo britânico divulgou um comunicado em 29 de agosto, alegando que a sua posição é consistente com uma norma internacional emergente de “intervenção humanitária”.  A ONG britânica Article36 publicou uma carta ao primeiro-ministro David Cameron levantando preocupações sobre se o uso de explosivos em áreas densamente povoadas pode ser entendido como resposta proporcional de acordo com objetivos humanitários, dado seu impacto generalizado e previsível sobre civis. Trata-se de uma preocupação recorrente quando se usa justificativas humanitárias para intervir.

Enquanto a R2P pode muito bem ser um objetivo louvável em si e pode de fato reforçar o respeito aos direitos humanos, não há nenhuma evidência para sugerir que ela terá efeito humanitário imediato e benéfico – na verdade, muito pelo contrário. Nenhuma das grandes conclamações de ação segundo a responsabilidade de proteger seguiu todo o protocolo previsto. Grande parte causou mais danos às populações já em sofrimento. Muitas operações terminam em invasões militares.

No caso atual, Rússia e China já manifestaram sua posição contra a intervenção. Não há consenso dos membros do CSONU. O motor da cogitada intervenção é o uso de armas químicas, enquanto o propósito primeiro deveria ser sancionar crimes humanitários. Ações multilaterais são preteridas em relação a intervenções militares, que deveriam ser a última opção considerada. Portanto, agir invocando a R2P seria agir desrespeitando seu protocolo de procedimentos. Seria usar do discurso humanitário para escamotear as reais intenções. Seria enfraquecer uma norma emergente sobre a qual persistem muitas desconfianças.


Guerra contra a Síria: construída sobre mentiras (Imagem: reprodução)


E nesse sentido, não invocar a Responsabilidade de Proteger pode ser um avanço para a validação de tal norma que representa um compromisso profundamente cauteloso e hesitante entre dois importantes conjuntos de regras – o primado da soberania e a primazia dos direitos humanos. Agir recorrendo a pareceres diversos e em nome dos reais propósitos é provavelmente o melhor caminho na atual situação síria.

Leia mais em:

Don’t Call This a Humanitarian Intervention, Charli Carpenter para a Foreign Policy

The history of chemical weapons, publicada no The Economist

Inside the Syrian black hole, Tamara Alrifai para Human Rights Watch

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