Por Beatriz Leite e Gabriela Laborda Garcia, graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e integrantes do PET-RI
O seminário Desafios e Perspectivas para o Brasil na Governança Global do Clima, que ocorreu entre os dias 18 e 19 de setembro, contou com ilustres convidados para reflexão de possibilidades futuras para o regime internacional do clima. Nesse sentido, desenvolveram-se debates mais profundos sobre pautas de fundamental reflexão na atualidade, como as desigualdades já existentes pelos impactos climáticos, planos de ação articulados com políticas públicas locais, além da luta por justiça climática.
A parceria entre o Programa de Mestrado da PUC-SP com a Repórter Brasil foi acompanhada pelo Programa de Educação Tutorial de Relações Internacionais (PET-RI), que participou e cobriu as informações essenciais do evento. Por isso, a presente publicação relata e analisa os temas abordados por Andrea Santos Baca, professora na Universidade Federal do ABC, Cilene Victor, professora do Programa Pós-Graduação em Comunicação na Universidade Metodista e Jornalista Humanitária, Tássia Carvalho, membro da Repórter Brasil e da Aliança pelos Direitos Humanos em Cadeias Produtivas, além de Nelson Karam, Coordenador de Estudos sobre Trabalho e Meio Ambiente do DIEESE, durante a mesa de Mudanças Climáticas: Nexos e Impactos.
A conversa teve início na tarde do dia 19 com a contribuição da professora Andrea nas perspectivas presentes e futuras para a insegurança alimentar, agravada pelas mudanças climáticas. De início, a palestrante apontou o senso comum de catástrofe existente na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a agência especializada do sistema ONU, quanto ao fracasso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isso porque, segundo a especialista, o sistema e a produção alimentar em larga escala estão intrinsecamente ligados a atividades que desestabilizam o equilíbrio natural, o que duplamente contribui para mudanças climáticas e ambientais, mas também têm seu impacto reforçado por esses. Ou seja, esse “efeito bumerangue”, como nomeado por Andrea, respalda na perda da flora e da fauna, o que torna a dificultar o aumento da produção agrícola.
Nesse contexto, é fundamental a compreensão de que o impacto do sistema alimentar afetará os diferentes grupos sociais em graus diferentes. A realidade de desigualdade é extremamente significativa no cálculo de impactos das mudanças climáticas, o que gera o senso de uma injustiça climática pela população mais vulnerável em relação aos impactos sofridos com o aquecimento global. Cilene Victor, a segunda palestrante da mesa, aponta ainda como esse conceito foi tardiamente introduzido nos debates brasileiros, em torno dos anos 2000, e somente nos últimos anos abordado pelas mídias.
Isso porque, segundo a professora, o mesmo pilar que seria essencial para justiça alimentar e climática é um dos maiores fomentadores de fake news ambientais. O agronegócio, conhecidamente ligado a atividades de desmatamento e exploração de desigualdades fundiárias, tem interesse em ocultar o impacto de suas produções, tanto no que se trata de consumo de água e de real degradação dos solos. Por isso, Cilene defende que essas informações omitidas também estão atreladas à tentativa de ocultação dos conflitos e desigualdades já existentes. São pautas convenientemente diminuídas pelo setor privado.
Em diálogo com tal posicionamento, Tássia Carvalho pôs em foco a questão das cadeias produtivas e a devida diligência. Enquanto coordenadora da Aliança pelos Direitos Humanos em Cadeias Produtivas, coletivo da Repórter Brasil, compreende que há um vácuo na discussão sobre a devida diligência, embora ela seja de suma importância para que os trabalhadores reconheçam seus direitos perante as empresas. A devida diligência é um processo de responsabilização privada por violações de direitos humanos em todas as etapas da cadeia produtiva, de forma que desde o fornecimento das matérias primas, à produção, ao transporte e à distribuição, é entendido como responsabilidade da empresa que os direitos humanos daqueles envolvidos sejam respeitados, e ações sejam tomadas caso contrário.
Logo existe grande importância em entender a conexão entre as cadeias produtivas, a devida diligência de direitos humanos e as mudanças climáticas. Neste sentido, os países produtores de commodities primárias são alguns dos mais afetados pelos processos de mudanças climáticas e degradação ambiental devido a natureza destrutiva das plantações de monoculturas e do sistema agropecuário, responsável por ⅓ das emissões globais de CO2. Essa exploração predatória ignora os direitos dos trabalhadores, que são afetados pela degradação ambiental e não possuem salários justamente pagos dentro desse sistema. Contudo, o que torna os países pobres competitivos junto aos mercados europeus é justamente essa exploração dos pequenos agricultores e assalariados rurais.
Por isso, quando se pensa na devida diligência também é necessário considerar o preço justo para a exploração sustentável. A garantia dos direitos humanos em todos os níveis e etapas é essencial para que exista uma produção sustentável e justa, porém possuem custos que precisam ser compartilhados com os países mais ricos e as empresas que compram esses produtos. Dessa forma, deve ser reivindicada uma devida diligência que tome conta da transição de matriz energética e de modelo de agricultura – o que ainda retoma a problemática levantada pela Andrea –, que garanta condições comerciais equivalentes para os produtores sustentáveis, que efetivamente reparta os lucros entre os atores da cadeia e que possua mecanismos de denúncias que não impliquem perdas para os trabalhadores afetados. Apenas assim será possível garantir o combate da desigualdade e que todos ao longo da cadeia de produção agrícola tenham seus direitos humanos respeitados.
A última apresentação foi a de Nelson Karam, que trouxe a visão da luta sindical sobre a crise climática. Foi abordado o debate dos efeitos da crise sobre os trabalhadores e como é possível e necessário inseri-los nas discussões sobre o assunto: os sindicatos já estão presentes em diversos debates e possuem desejo de também protagonizar a luta ambiental. Nesse sentido, é posto em evidência o conceito de “transição justa”, criado pelo movimento sindical estadunidense nos anos 70. Neste momento, devido ao desejo pela transição energética, houve o fechamento de uma usina nuclear que criou questões sobre o desemprego gerado e o impacto da ação na comunidade que dependia daquele trabalho. Foi então compreendido que os aspectos ambiental, social e econômico devem ser pensados em conjunto para que haja uma transição ecológica realizada de forma digna.
Na atualidade brasileira, é possível perceber dois impactos principais da transição ecológica no trabalhador: a perda de postos de trabalhos e a queda na qualidade de emprego nos novos postos gerados. A perda de postos pode ocorrer devido a perda de produtividade ou pelo encerramento de atividades em setores cujos impactos ambientais já não são aceitos. A perda de qualidade do emprego por sua vez ocorre devido ao perfil do emprego verde: este tipicamente paga menos que os antigos empregos dos trabalhadores, como é caso da energia solar, cujos postos pagam metade dos salários oferecidos pelo trabalho da mineração; possuem sua força de trabalho extremamente masculinizada, sendo que 90% dos cargos são ocupados por homens; é concentrado em certas regiões, com mais de 50% dos postos atuais acumulados na região Nordeste; e ainda não possuem organização sindical que permite a defesa dos direitos dos trabalhadores. Isso não significa que a transição energética deve deixar de ser estimulada, mas aponta para a necessidade de que sejam unidos esforços para corrigir suas iniquidades.
Dessa forma, há a necessidade de que se junte uma frente protagonistas, entre eles trabalhadores, pesquisadores, empresários, acadêmicos e outros, para localizar os problemas da transição e criar esse debate junto com os atores sociais. As atuais negociações em tema das questões ambientais, tanto entre as empresas quanto no setor público, não incluem os sindicatos, retirando a participação do trabalhador num tema que fundamentalmente lhe diz respeito. Também no âmbito da desigualdade global, é necessário se adaptar e evitar a reprodução da dependência tecnológica e evitar tornar a energia limpa em uma nova commodity brasileira. Dessa forma, a transição ambiental não pode ser desassociada das desigualdades: de classe, de gênero, de raça, entre Estados, entre outras. É necessário calibrar uma transição que não reproduza as desigualdades existentes e não deixe de lado o elemento humano.
O seminário permitiu que diversas faces das mudanças climáticas fossem exploradas: consequências e causas, soluções e desafios. Em geral, os convidados se complementaram no raciocínio de como a temática de mudanças climáticas não deve ser interpretada de forma alheia às desigualdades e violações de direitos humanos que já ocorrem. Isso porque sustentabilidade não significa apenas alternativas viáveis para a preservação da fauna e flora, mas da qualidade de vida de toda a diversidade do meio ambiente. Por fim, resta a reflexão de que todos os processos mencionados por Andrea, Cilene, Tássia e Nelson estão interligados, e como o acesso a esse debate e conhecimento é um privilégio que todos deveriam ter.
Comments