Por Gabriel Franchini Baes, Gabriel Rocha Carvalho e Leonardo Farias de Oliveira, graduandos em Relações Internacionais pela PUC-SP e integrantes do PET-RI
A terceira e última mesa do seminário tratou do tema da justiça climática e as negociações internacionais do clima e foi composta por Suliete Baré, Patricia Pinho, Luiza Lima e Leonildes Nazar.
Suliete Baré nasceu no estado do Amazonas na comunidade indígena “Taperera”, é formada como engenheira ambiental e doutoranda em Direitos Humanos e atualmente ocupa o cargo de Diretora do Departamento de Justiça Climática do Ministério dos Povos Indígenas. Patricia Pinho é Diretora Adjunta de Ciência do IPAM, é formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos, tem doutorado em Ecologia Humana pela Universidade da Califórnia Davis e pós-doutorado na Universidade de Michigan e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Luiza Lima é ativista climática e energética, além de coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, na qual realizou o acompanhamento de pautas do Legislativo e Executivo Federal. Leonildes Nazar é cientista política e internacionalista, e atualmente ocupa o cargo de Coordenadora do Iniciativa Amazônia do Instituto Clima e Sociedade. Infelizmente, devido a um imprevisto, Leonildes foi impossibilitada de comparecer a mesa, mas, em lugar de sua fala, gravou um vídeo resumindo as ideias que seriam apresentadas por ela, o qual pode ser visto ao final da matéria no vídeo completo do seminário.
Abrindo a mesa, a contribuição dada por Suliete Baré teve como elemento central explicitar o impacto das mudanças climáticas no modo de vida dos povos indígenas do Brasil e o importante papel que eles possuem na luta política para que mudanças na agenda ambiental sejam feitas. Como explicitou Baré, ainda que esse grupo seja muitas vezes marginalizado na discussão, é impossível falar de clima sem incluir os indígenas, uma vez que os efeitos das mudanças climáticas geram impactos diretos na sobrevivência e modo de vida desses povos.
Apesar de serem vistos como uma força contrária a um eventual desenvolvimento socioeconômico brasileiro, essa visão não poderia estar mais longe da realidade, pois, na verdade, suas lutas se baseiam em incluir a perspectiva dos povos indígenas - cultural e academicamente - nesse desenvolvimento. Um dos principais resultados dessa histórica luta foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a posse de Sonia Guajajara como chefe do ministério, o qual é visto como uma reparação histórica a todos os danos sofridos pelos povos originários desde a colonização portuguesa e uma forma de fortalecer ainda mais suas causas.
A palestrante termina sua fala apontando a relevância das últimas vitórias do povo indígena, mas também reiterando os vários desafios ainda existentes atualmente, como o perigoso marco temporal, o medo pelo futuro dos vários povos indígenas pelo Brasil devido a poluição dos rios, e o assédio sofrido por indígenas seja pela própria sociedade ou pela invasão e exploração ilegal de terras indígenas demarcadas. Por fim, ressalta-se uma tocante fala dada no decorrer de sua exposição ao se referir aos objetivos buscados pelos integrantes do Ministério: “É importante, também, fazer tais indagações (sobre a situação indígena frente as mudanças climáticas) para que vocês fiquem reflexivos, pois, como é dito internamente, um dos objetivos do Ministério é aldear o Estado e reflorestar as mentes”.
Em seguida, Patricia Pinho realizou uma análise técnica sobre a crise climática e o aquecimento do planeta sob a perspectiva das Instituições Internacionais. Para isso, expôs a desproporcionalidade histórica da contribuição para o aquecimento global por parte de países desenvolvidos do norte global e como isso afeta os países do sul global de maneira muito mais intensa e desigual, visto que esses países detém grande parte do ônus da crise climática.
O aquecimento do planeta afeta a segurança alimentar e o bem-estar da população como um todo desde o século XIX, sendo que algumas regiões já ultrapassaram mais de 1,5°C, como o estado de São Paulo. Da mesma forma que há certo desequilíbrio internacional quanto aos efeitos das mudanças climáticas, a mesma lógica se perpetua internamente ao Estado, visto que as vulnerabilidades aumentam na mesma medida que as desigualdades. Sendo assim, por mais que o aumento da temperatura afete o modo de vida da população como um todo em diversos âmbitos, ele aflige em maior medida especialmente a população periférica que mora em áreas de risco de desabamento com as fortes chuvas causadas pelo desequilíbrio climático, com a falta de infraestrutura e investimento em prevenção de catástrofes. Além disso, outro exemplo dado pela palestrante que expõe tal desigualdade, são a alteração das colheitas pelas mudanças climáticas que prejudicam muitas produções agrícolas, causando extrema insegurança alimentar para as populações mais necessitadas fora do eixo do norte global, que não possuem qualquer infraestrutura que mitigue os danos.
Por fim, Luiza Lima falou sobre injustiça climática, tendo em vista o contexto de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, nos quais os mais impactados são os menos responsáveis pela crise, entre eles, população e países considerados vulneráveis financeiramente. Ademais, com base em dados da Global Stocktake, ao comparar as metas nacionais de redução de emissões dos países, o mundo está encaminhando para o aumento de 2.5ºC, demonstrando a negligência de algumas partes da sociedade em sanar o problema, como também o aumento da desigualdade e vulnerabilidade às pessoas afetadas diretamente por esse impacto.
Outro ponto importante tratado na discussão foi sobre o acesso ao financiamento climático, ou seja, mecanismos financeiros para países e indústrias pagarem pelas perdas e danos em outro países e em favor das comunidades vulnerabilizadas ainda aquém do necessário. Nesse ínterim, é previsto que os países desenvolvidos devem arcar com os gastos de adaptação aos efeitos de mudanças climáticas em países em desenvolvimento, entretanto, grande parte desses acordos não foram totalmente atendidos.
Além disso, as ações de mitigação são o foco central do financiamento climático. Dessa forma, segundo Luiza Lima, é necessário recursos acima dos propostos atualmente, visto que não atendem as demandas necessárias para se tornar, efetivamente, um financiamento climático justo (5 a 10 vezes abaixo das necessidades estimadas). Como exemplo disso, muitos dos recursos a mitigação não chegam efetivamente a quem mantém as florestas em pé, e sim para empresas ligadas a projetos de carbono ou energia renovável.
Dessa forma, a justiça climática deve ser central nas metas dos países, voltados para uma redução da vulnerabilidade climática de mulheres, comunidades periféricas, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, LBGTQIA+, idosos, crianças com deficiências, com mais investimentos em adaptação e perdas e danos (maior participação política). Objetivando assim, mais consciência e entendimento das diversas realidades territoriais. Com relação aos planos de adaptação e os avanços, podemos considerar a celebração na COP27, no Egito, pela criação do Fundo de Perdas e Danos do Clima, com o objetivo de fornecer assistência financeira às nações mais atingidas pelos efeitos do clima. Por último, na COP28, é previsto um financiamento sul-sul para energia limpa e iniciativas voluntárias, se tornando um ponto de referência para moldar a próxima fase da elaboração de políticas climáticas.
Em suma, as apresentações da última mesa do seminário sobre os desafios e perspectivas para o Brasil na governança global do clima revisitaram uma série de questões cruciais para o entendimento e ação diante das mudanças climáticas. A voz das comunidades indígenas, a desigualdade global nas emissões de carbono e os desafios gerados pelos impactos das mudanças climáticas nos diversos âmbitos de uma sociedade deixam claro como o tema da justiça climática é uma pauta fundamental que requer atenção imediata e maior envolvimento e cooperação global. Sendo assim, as perspectivas compartilhadas por Suliete Baré, Patricia Pinho e Luiza Lima e Leonildes Nazar, destacam a necessidade de um compromisso coletivo para enfrentar a crise climática e trabalhar em direção a um futuro mais sustentável, igualitário e justo a partir de ações decisivas e políticas eficazes que vão além das fronteiras de um só país.
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