A política externa desenvolvida nos últimos 12 anos será um parênteses em nossa história ou um real ponto de inflexão?
Na última sexta-feira, 17 de outubro, o auditório lotado do campus Monte Alegre da PUC-SP foi local de lançamento do livro da Conferência Nacional “2003-2013: uma nova política externa” – que compila as análises e trocas de ideias realizadas em julho/2013 durante seus quatro dias de atividade, seguido de um debate com especialistas sobre “Política externa nas eleições presidenciais de 2014: caminhos possíveis”.
Promovido pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI com apoio do curso de Relações Internacionais da PUC-SP e da Carta Capital, o evento contou com participação de referências acadêmicas na área de Relações Internacionais – Deisy Ventura, Gilberto Maringoni e Sebastião Velasco e Cruz – e de Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República.
Foram abordadas no evento diversas questões sobre os projetos e perspectivas para a política externa brasileira dos presidenciáveis que disputarão o segundo turno das eleições neste mês de outubro. Como entender as visões opostas de política externa? O que elas significam para o desenvolvimento do Brasil? O que poderá decorrer da aplicação de uma ou de outra? Quais os caminhos possíveis?
A mesa de abertura e lançamento do livro, composta por Reginaldo Nasser (PUC/SP), Giorgio Romano (UFABC), Gonzalo Berrón (Fundação Friedrich Ebert) e Iole Ilíada (Fundação Perseu Abramo), enfatizou a importância de se democratizar e popularizar a Política Externa Brasileira (PEB) enquanto campo de pesquisa e de ação. Apoiou-se, assim, a proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB), órgão consultivo que visaria acompanhar a condução da política externa do poder executivo federal e contribuir para o desenho de suas diretrizes gerais.
Deisy Ventura, professora livre-docente do Instituto de Relações Internacionais da USP, iniciou as falas da mesa de debate – mediada pela professora Terra Budini (PUC-SP) – apontando que a condução da PEB iniciada em 2003 questiona o “republicanismo aristocrático” característico do Itamaraty. De um “bom aluno” dos países desenvolvidos, o Brasil ruma para um enfrentamento da ordem mundial cooperando com países africanos e se posicionando firmemente contra os resultados do sistema internacional atual – 35% da população mundial não têm acesso a saneamento básico, 1% detém 48% da riqueza mundial, milhões morrem anualmente de malária e tuberculose, a recente epidemia de ebola demonstrou faces perversas da sociedade e milhões de pessoas no mundo são portadoras de AIDS – o que inevitavelmente leva a tensões elitistas internas.
Para a pesquisadora, três elementos serão essenciais a se considerar quanto aos novos caminhos da política externa brasileira: a integração regional, que hoje vai muito além da economia e que, em sua visão, deve continuar contribuindo para a descolonização do conhecimento e da prática; a defesa dos Direitos Humanos, ponto de destaque mundial para o país; e as políticas de refúgio vigentes, questão que se faz cada vez mais urgente.
Gilberto Maringoni, professor adjunto de Relações Internacionais na UFABC, discorreu sobre a relação intrínseca entre as políticas interna e externa e apontou para o fato de que um dos pontos de maior antagonismo entre as propostas de governos neste segundo turno é exatamente a linha de política externa brasileira. Citou a abertura de mais de 40 embaixadas e a aprovação do Marco Civil da Internet como pontos que apontam, respectivamente, para o giro que se deu em nossa postura externa – voltamos, na opinião de Maringoni, à política ativa e altiva característica do país – e para os impactos recíprocos das políticas doméstica e internacional.
Ainda sobre as marcantes transformações na PEB, o professor destacou as relações que estamos estabelecendo com os países da América Latina, o encaminhamento político positivo dado ao MERCOSUL, a postura do governo brasileiro quando Manuel Zelaya se refugiou na embaixada brasileira em Honduras e quanto ao programa nuclear do Irã.
Sebastião Velasco e Cruz, professor titular de Ciência Política da Unicamp, desenvolveu uma reflexão sobre a obviedade do caráter das eleições de 2014: no pleito mais polarizado desde 1989, o que está em jogo é uma inflexão na vida nacional: pela primeira vez temos a oportunidade de continuar um projeto social por quatro mandatos seguidos.
Marco Aurélio Garcia fechou a mesa salientando que política externa está, sobretudo, ligada a um projeto de desenvolvimento social político e econômico interno, aspecto em que o enfrentamento da desigualdade proporcionou maior projeção brasileira. Garcia expressou ainda preocupação com o fato de que apesar das mudanças internas promovidas pelo governo, a maior parte da população atribui as melhorias de vida a esforços próprios. Outro ponto de atenção em sua fala foi para o fato de como as campanhas eleitorais não dispõem do mesmo tempo: basta consultar as manchetes para se perceber como o discurso da grande mídia pode fazer parte da campanha e levar a um caminho completamente distinto do atual no sistema internacional.
Ao fim, uma mesa de posições tão parecidas quanto ao caminho em que seguimos pelos últimos 12 anos não produziu um grande debate de posições, mas foi capaz de levantar as diversas expressões e implicações da Política Externa Brasileira. Hoje somos um país que, pelas mudanças promovidas internamente e que se refletem em nosso lugar no cenário internacional, tem mais peso e é ouvido com maior atenção. Os resultados do próximo domingo podem contribuir para que sejamos cada vez mais fortes internacionalmente ou para que voltemos à posição de um país subordinado cuja preocupação central seja a comercial.
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