Por Mariana Melo Castilho
O contato com agrotóxicos e pesticidas nos países do chamado Terceiro Mundo é extremamente acessível, assim, no Brasil não seria diferente. Por seu potencial agrícola, o país é um grande comprador dos produtos químicos usados no extermínio de pragas na agricultura, refletindo proporcionalmente no número de suicídios que utilizam agrotóxicos, e como eles vêm aumentando nas últimas décadas.
A compra de pesticidas em território brasileiro é permitida com apresentação de receita pelo comprador ao vendedor, a qual deve ser emitida por um engenheiro agrônomo, quando o produto é altamente ou extremamente tóxico, e caso o produto seja medianamente ou pouco tóxico sua venda é livre. Porém, a falta de fiscalização dos estabelecimentos que comercializam produtos agrícolas para monitorar a exigência da receita, e o descaso do Estado com o trabalhador rural, permitindo que seja legal obter produtos prejudiciais à saúde humana sem nenhum restrição efetiva, ou até sem restrição alguma tem como consequência os agrotóxicos sendo usados sem o conhecimento necessário para o manejo, sem a proteção exigida pelas leis brasileiras e sem o armazenamento do pesticida em local adequado, muitas vezes sendo guardado na casa do próprio agricultor1. Logo, a facilidade de adquirir um agrotóxico, o contato direto com o produto pela falta de equipamentos necessários para a segurança do trabalhador e a acessibilidade rápida no ambiente residencial levam o Brasil a ter 1.589 mortes por suicídio por meio da intoxicação ao ingerir voluntariamente de pesticidas2.
O uso de defensivos agrícolas vem cada vez mais sendo estudado e conectado com distúrbios no sistema neurológico, o despreparo e a falta de treinamento da mão de obra para manusear os produtos atinge diretamente a saúde humana em diversas áreas3. O pesquisador da Universidade da Cidade do Cabo, Leslie London, em seus estudos relacionou a molécula de serotonina, responsável pela regulação do humor, sono, funções cognitivas, e como os pesticidas interferem na sua atuação neurotransmissora, podendo levar uma pessoa a depressão e suicídio após contato frequente com os químicos4. Apesar do suicídio ser um fenômeno complexo, não se pode ignorar a exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos, no gráfico a seguir apresenta-se o número de tentativas de suicídio utilizando pesticidas na última década em território brasileiro.
Fonte: Ministério da Saúde
O âmbito internacional reflete o caso brasileiro. A gravidade da situação exigiu uma tomada de medidas pela ONU, que em razão dos riscos trazidos pelos agrotóxicos à saúde pública, como parte da Agenda Global 2030, foram estabelecidas metas de redução de 10% nos suicídios até 20205. A OMS afirma que 20% dos casos mundiais de suicídio nos últimos anos ocorrem através de auto-envenenamento com produtos agrícolas, sendo os países mais afetados os de baixa e média renda6, destacando-se os do sul e sudeste asiático, como Filipinas, Vietnã, e a China, que também fazem parte do grupo de países, assim como o Brasil, de compradores dos agrotóxicos das grandes empresas multinacionais do Primeiro Mundo, os quais têm a fiscalização falha para a compra, venda e uso dos pesticidas dentro do território nacional, facilitando a obtenção e manejo dos produtos. O gráfico abaixo apresenta a estimativa do número de suicídio pela ingestão de agrotóxico nas regiões da África, América, Europa, Mediterrâneo Oriental, Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental7.
Fonte: Organização Mundial da Saúde 2015
Assim, a problemática do uso de agrotóxicos e pesticidas vai além das questões usualmente levantadas, atingindo também as negligenciadas e ocultas para um maior ganho econômico da rede de compra e venda. Com a crescente no número de casos de suicídio e depressão entre trabalhadores rurais e assim, cada vez mais estudos sobre as consequências do uso de produtos químicos agrícolas para a saúde neurológica humana, observa-se o começo de uma comoção global para tratar desse assunto, divergindo das medidas adotadas no Brasil, que teve em 2020 o recorde histórico de maior número de aprovação de agrotóxicos em um ano. A postura adotada pelo governo reflete seu descaso acerca da questão indo na contramão de alguns países de baixa e média renda, que começaram a frear a quantidade de agrotóxicos e regular suas compras, e também dos países desenvolvidos que têm grande parte desses produtos proibidos em seu território.
Referencias Bibliográficas:
1- SOARES, Wagner L.; FREITAS, Elpídio A. V. de; COUTINHO, José A. G. Trabalho rural e saúde: intoxicações por agrotóxicos no município de Teresópolis – RJ. Rev. Econ. Social. Rural, Brasília, v. 43, ed. 4, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032005000400004. Acesso em: 9 nov. 2020.
2- FONSECA, Bruno; GRIGORI, Pedro; LAVOR, Thays. Depressão e suicídio: 1569 brasileiros se mataram tomando agrotóxicos na última década. Repórter Brasil, [S. l.], 8 out. 2020. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2020/10/depressao-e-suicidio-1569-brasileiros-se-mataram-tomando-agrotoxicos-na-ultima-decada/. Acesso em: 9 nov. 2020.
3- PIRES, Dario X.; CALDAS, Eloísa D.; RECENA, Maria C. P. Uso de agrotóxicos e suicídios no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, ed. 2, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000200027. Acesso em: 9 nov. 2020.
4- FONSECA, Bruno; GRIGORI, Pedro; LAVOR, Thays. Depressão e suicídio: 1569 brasileiros se mataram tomando agrotóxicos na última década. Repórter Brasil, [S. l.], 8 out. 2020. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2020/10/depressao-e-suicidio-1569-brasileiros-se-mataram-tomando-agrotoxicos-na-ultima-decada/. Acesso em: 9 nov. 2020.
5- DARONCHO, Leomar. Setembro Amarelo: ligação entre suicídios e agrotóxicos deve ser debatida. Carta Capital, [S. l.], 17 set. 2019. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/setembro-amarelo-ligacao-entre-suicidios-e-agrotoxicos-deve-ser-debatida/. Acesso em: 9 nov. 2020.
6- LIBERAÇÃO de agrotóxicos pode agravar taxas de suicídio no meio rural. Rede Brasil Atual, [S. l.], 12 set. 2019. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2019/09/liberacao-de-agrotoxicos-pode-agravar-taxas-de-suicidio-no-meio-rural/. Acesso em: 9 nov. 2020.
7- MEW, Emma J.; PADMANATHAN, Prianka; KONRADSEN, Flemming; EDDLESTON, Michael; CHANG, Shu-Sen; PHILLIPS, Michael R.; GUNNELL, David. The global burden of fatal self-poisoning with pesticides 2006-15: Systematic review. Journal of Affective Disorders, [s. l.], v. 219, p. 93-104, 2017. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S016503271730280X#:~:text=An%20estimated%2063%2C300%20suicides%20a,after%20China%20and%20the%20Philippines. Acesso em: 9 nov. 2020.
Comments