top of page
Writer's picturePET-RI PUC-SP

Queimadas impulsionadas pelo agronegócio

Por Luca Pessina, graduando em Relações Internacionais pela PUC-SP e integrante do PETRI


Os incêndios que se alastraram no mês de agosto e setembro de 2024 em todo país não são decorrentes apenas do período de estiagem. Estão entre os principais motivos a expansão desenfreada do agronegócio, o garimpo ilegal, a mineração, a grilagem, incêndios criminosos, falta de fiscalização e punições adequadas. 


O geógrafo Diógenes Rabello, aponta que há uma forte relação entre o agronegócio e queimadas. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do MapBiomas comprovam esse fato, demonstrando que as áreas mais impactadas pelos incêndios nos biomas brasileiros coincidem com regiões de produção de commodities e pecuária. 


O presidente do Instituto Brasileiro do meio ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA),  explica que os grandes latifundiários e pecuaristas enxergam nas queimadas uma forma barata de destruir as florestas. Para se ter uma ideia, mais da metade dos focos de incêndio no Estado de São Paulo aconteceu em fazendas privadas, atingindo o índice de 81,29%.


Entre essas áreas queimadas estão grandes empresas como, São Martinho SA e Raízen SA. De acordo com uma reportagem publicada pelo jornal Brasil de Fato, um vídeo que circulou pelos veículos de comunicação e redes sociais, mostra um caminhão de uma usina de açúcar e álcool, em conjunto com trabalhadores uniformizados, incendiando a palha seca sob os canaviais com maçaricos no interior do Estado. 


A Amazônia, o maior bioma brasileiro e considerada o pulmão do planeta, vem sendo destruída há muitos anos. Para o professor de economia da Universidade Federal do Pará e autor do livro Amazônia: riqueza, degradação e saque, Gilberto de Souza Marques, a característica mais gritante na região é que o legal se alimenta do ilegal e o ilegal do legal. 

São muitos os fatores que corroboram para a devastação do bioma. Dentre eles está o garimpo ilegal. O mapeamento da região mostrou que terras indígenas são fortemente afetadas pela atividade. As terras Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Sararé (MT), tiveram 1.111 focos de incêndio. O coordenador do posto de vigilância da Funai, André Augusto Rodrigues, afirmou que o fogo nessas terras surge em retaliação dos garimpeiros, que inclusive chegaram a fazer um cerco no local.


Gilberto Marques explica que o primeiro semestre do ano é o período de mais chuva e também de derrubada das árvores para retirada de madeiras. Quando se inicia o verão da amazônia, entre junho e setembro, é ateado fogo para queimar o que foi derrubado nos seis primeiros meses do ano, e que não foi utilizado para atividade ilegal madereira. E então se forma pasto.  


Outro fator importante apontado pelo pesquisador é que 80% da floresta são reservas legais, as quais não podem ser desmatadas. O latifundiário e pecuarista, portanto, taca fogo e diz que o incêndio não foi provocado por ele. Assim, como deixou de ser floresta, irá implementar as respectivas atividades. Não é à toa que a concentração do fogo está exatamente nos municípios em que o agronegócio mais avança, como em São Félix do Xingu (PA), (que possui o maior rebanho de gado do país) e Corumbá (MS), totalizando 1 milhão e 741 mil hectares.


Gilberto também explica que o setor pecuarista se apropria de terras públicas que são desmatadas e muitas vezes faz uso de trabalho escravo e continua sendo comercializado para a cadeia dos grandes frigoríficos. O gado que não pode ser vendido para a Europa que possui regras rígidas segue para outras partes do Brasil, abastecendo os mercados regionais. A pecuária e o latifúndio por desmatarem enormes quantidades de floresta nativa, fazem com que a temperatura aumente em torno do campo, podendo ocasionar incêndios. 

Para se ter uma noção, entre janeiro e setembro de 2024, a área queimada aumentou 150% em relação ao ano de 2023 em todo o país. Foram 22,38 milhões de hectares, uma área comparável ao Estado de Roraima. Mais da metade (51%, ou 11,3 milhões de hectares) da área queimada fica na Amazônia. Aproximadamente 73% dos hectares queimados eram de vegetação nativa. Entre as áreas de uso da agropecuária, as pastagens significam 4,6 milhões de hectares queimados neste período. 


É interessante ressaltar que no mês de agosto foram queimados 5,65 milhões de hectares e em setembro foram 10,65 milhões, o que significa um salto de 90% de hectares queimados de um mês para o outro. Mais da metade (52%) da área queimada em setembro fica na Amazônia


Em outra pesquisa realizada pelo grupo, entre os anos de 1985 e 2023, mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para a abertura de pastagem. Nestes 39 anos, o crescimento foi de 363%, passando de aproximadamente 12,7 milhões de hectares para 59 milhões de hectares, totalizando uma expansão de 46,3 milhões de hectares. Nestes anos a agropecuária cresceu 417% no bioma. 


Dentro deste período foram perdidos 55,3 milhões de hectares (14%) de vegetação nativa. Jailson Soares, pesquisador do Imazon e da equipe Amazônia do MapBiomas aponta que a continuidade dessa perda pode levar a região ao ponto de não retorno. Ele explica que neste estágio o bioma perde a sua capacidade de manter funções ecológicas essenciais e de se regenerar de queimadas e exploração madeireira, causando uma degradação irreversível na floresta. 


O segundo bioma mais afetado pelas queimadas e pelas devastações, é o cerrado. O economista agrícola e ambientalista brasileiro, Jean Marc von der Weid, explica que o processo de desmatamento no bioma é mais simples e brutal, com o uso do fogo diretamente na vegetação nativa. Isso ocorre pelo fato de que a cobertura vegetal da região não oferece madeira de lei em quantidade para a exploração e pela maior facilidade de queima em matas que são menos densas, como savanas arbóreas, por exemplo.


Jean explica que o objetivo do agronegócio é formar ou renovar pasto, e essa região possui o segundo maior de gado do Brasil. Além disso, ele aponta que as atividades da pecuária estão voltadas mais ao norte do bioma, enquanto do centro ao sul, é a soja que predomina. 


Em setembro de 2024, o bioma foi afetado com 4.3 milhões de hectares queimadas, sendo um aumento de 117% em relação ao mesmo período em 2023. É a maior área queimada em um mês de setembro nos últimos cinco anos e com 64% a mais do que média histórica para o período. Além disso, a maior parte das áreas queimadas (88,3%) em setembro foi de vegetação nativa, atingindo 3,8 milhões de hectares, sendo 2,2 milhões de hectares para formações savânicas e 1,1 milhões de hectares para campos alagados. Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Cerrado e diretora de ciência do IPAM, diz que o cerrado já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa.


Vera Arruda, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora técnica do Monitor do Fogo, explica que setembro marca o pico da seca no cerrado, tornando o impacto do fogo ainda maior. Dentro deste contexto, torna-se importante destacar que especificamente no Cerrado, existem as queimadas naturais. Elas ocorrem no momento de transição entre a estação seca e chuvosa e são derivadas de descargas elétricas, atrito entre rochas e altas temperaturas. 


Outro bioma que vem sendo alastrado pelo desmatamento e pelas queimadas é o Pantanal. A área queimada aumentou 2362% em 2024, em comparação com o primeiro semestre de 2023 e 529% a mais em relação à média dos anos anteriores. Foram queimados 1,5 milhões de hectares nos nove primeiros meses do ano de 2024 e 20% deste total ocorreu no mês de setembro. Do total de área queimada em setembro, 92% da área foram de vegetação nativa, sendo 38% em áreas campestres e 22% em áreas pantanosas e campos alagados. Os satélites apontam para um dado curioso: 95% do fogo começa em propriedades privadas, prevalecendo as criações de gado.

A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva diz que o que estamos vendo é o processo de desaparição da maior planície alagada do mundo, que pode acontecer antes do fim do século. A ministra também se queixou dos cortes orçamentários feitos pelo Congresso, deixando o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) sem condições para fiscalizar e combater focos de queimadas.


Jean Marc explica que a prolongada estiagem da região é a mais extensa e intensa em 74 anos. Com a baixa expectativa de chuvas para o verão que está por vir, as cotas de cheia dos rios não serão alcançadas. Dessa forma a rebrota da vegetação pode não acontecer, criando condições de queimadas devastadoras para os próximos anos.


Na Mata Atlântica, 896 mil hectares foram queimados entre janeiro e setembro de 2024, em que 71% da área impactada estava sob o domínio da agropecuária. Desses hectares, 25% foram queimados apenas no mês de setembro.


Outro bioma interessante de se analisar é a Caatinga. De acordo com o MapBiomas, mais de três em cada quatro hectares queimados (78%) eram de formações savânicas. Isso demonstra que o fogo está sendo utilizado para a limpeza de áreas desmatadas, sem supervisão e nem controle da área manejada. 


Além das devastações e queimadas provocadas pelos grandes latifundiários e pecuaristas, os biomas brasileiros também sofreram com queimadas criminosas coordenadas realizadas também por motivações políticas. De acordo com uma reportagem publicada pelo Jornal Nacional no dia 13 de setembro, 52 inquéritos da Polícia Federal foram abertos para investigar incêndios criminosos. No Estado de São Paulo, foram encontradas provas de ações coordenadas e a PF buscou analisar se a autoria destes incêndios estavam relacionados a outros crimes, como lavagem de dinheiro e organização criminosa. 


Segundo um estudo realizado pelo Instituto Igarapé, o crime ambiental é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, movimentando até US$280 bilhões por ano. Ainda, a pena para quem realiza este tipo de crime é de apenas 2 a 4 anos de prisão. O diretor de Meio Ambiente da PF, Humberto Freire, entende que a legislação não avançou tanto quanto, ao longo dos anos, os criminosos ambientais. Além disso, o número de pessoas realmente presas por esses crimes ainda é baixo, representando apenas 0,05% da população carcerária.


Diógenes Rabello, aponta que é dever do governo federal se posicionar e adotar políticas públicas que incentivem outras formas de uso da terra, como a agroecologia, por exemplo. Além disso, ressalta a necessidade da demarcação de territórios indígenas e quilombolas, que são comunidades que fazem o uso sustentável da terra. 


Diante do que foi apresentado ao longo deste texto, é possível notar, portanto, que estamos caminhando para um túnel sem luz no final dele. Enquanto não houverem mudanças drásticas que tragam punições severas e fiscalização eficaz, além de uma reforma para um sistema mais sustentável, o futuro permanecerá sombrio. 


Referências Bibliográficas


Agro é fogo: o negócio por trás das queimadas e a instituição do marco temporal. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 6 set. 2024. Disponível em: https://apiboficial.org/2024/09/06/agro-e-fogo-o-negocio-por-tras-das-queimadas-e-a-instituicao-do-marco-temporal/. Acesso em: 23 out. 2024.


Brasil em chamas: queimadas impulsionadas pelo agronegócio agravam a crise climática. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto, 23 set. 2024. Disponível em: https://mst.org.br/2024/09/23/brasil-em-chamas-queimadas-impulsionadas-pelo-agronegocio-agravam-crise-climatica/. Acesso em: 23 out. 2024.


Fogo na Amazônia se concentra em locais onde o agronegócio avança. Agência Brasil, 18 set. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-09/fogo-na-amazonia-se-concentra-em-locais-onde-agronegocio-avanca. Acesso em: 23 out. 2024.


Queimadas: o agronegócio acende o fósforo. Brasil de Fato, 12 set. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/09/12/queimadas-o-agronegocio-acende-o-fosforo. Acesso em: 23 out. 2024.


Área queimada no Brasil entre janeiro e setembro foi 150% maior que no ano passado. MapBiomas, 11 out. 2024. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2024/10/11/area-queimada-no-brasil-entre-janeiro-e-setembro-foi-150-maior-que-no-ano-passado/. Acesso em: 14 nov. 2024.


Crime ambiental: 52 inquéritos da PF investigam suspeita de incêndios criminosos. G1, 13 set. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/09/13/crime-ambiental-52-inqueritos-da-pf-investigam-suspeita-de-incendios-criminosos.ghtml. Acesso em: 14 nov. 2024.


Em meio a recorde de queimadas, Brasil tem apenas 374 pessoas presas por crimes ambientais. O Globo, 27 set. 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/09/27/em-meio-a-recorde-de-queimadas-brasil-tem-apenas-374-pessoas-presas-por-crimes-ambientais.ghtml. Acesso em: 14 nov. 2024.


Em SP, multas por queimadas chegam a R$ 25 milhões neste ano. Agência Brasil, 18 set. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-09/em-sp-multas-por-queimadas-chegam-r-25-milhoes-neste-ano. Acesso em: 14 nov. 2024.

Fogo na Amazônia se concentra em locais onde o agronegócio avança. Agência Brasil, 18 set. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-09/fogo-na-amazonia-se-concentra-em-locais-onde-agronegocio-avanca. Acesso em: 23 out. 2024.


Mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para abertura de pastagem. MapBiomas, 3 out. 2024. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2024/10/03/mais-de-90-do-desmatamento-da-amazonia-e-para-abertura-de-pastagem/. Acesso em: 14 nov. 2024.


Agro é fogo: o negócio por trás das queimadas e a instituição do marco temporal. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 6 set. 2024. Disponível em: https://apiboficial.org/2024/09/06/agro-e-fogo-o-negocio-por-tras-das-queimadas-e-a-instituicao-do-marco-temporal/. Acesso em: 23 out. 2024.


Queimadas: o agronegócio acende o fósforo. Brasil de Fato, 12 set. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/09/12/queimadas-o-agronegocio-acende-o-fosforo. Acesso em: 23 out. 2024.


2 views0 comments

Comments


bottom of page