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Por Melina Mayrink O’Kuinghttons
O programa de controle de drogas da Organização das Nações Unidas é conhecido, sobretudo, pelo proibicionismo. No entanto, nos últimos anos, a comunidade internacional tem debatido acerca das mudanças no agendamento e alcance do controle da cannabis medicinal e de substâncias relacionadas à cannabis no direito internacional. As Convenções de 1961 e de 1971 são responsáveis pela regulação e controle de certos medicamentos que possuem potencial para a dependência e para efeitos nocivos, principalmente as drogas narcóticas e as substâncias psicotrópicas. Esses dois acordos compõem a base de praticamente toda política e legislação nacionais para o controle de drogas.
De acordo com o direito internacional, a definição de uma droga depende da convenção em que ela é listada: a de 1961 ou a de 1971. No que se refere à cannabis, existem cinco substâncias listadas nessas convenções: cannabis, resina de cannabis, extratos e tinturas de cannabis, dronabinol e seus isômeros e isômeros de THC. Essas cinco drogas estão categorizadas em diferentes listas de regime legal aplicado a medicamentos utilizados para a pesquisa científica ou propósitos médicos. A cannabis, por exemplo, está listada no topo do nível de controle da Convenção de 1961 – a Lista IV -, uma vez que o direito internacional considera que é uma substância que pode provocar muitos danos e que possui um uso médico muito limitado.
O Expert Committee on Drug Dependence (ECDD) é o orgão responsável, dentro da Organização Mundial da Saúde (OMS), por estabelecer o status de categorização da cannabis nos acordos internacionais. O comitê possui a autonomia para revisar e avaliar substâncias, bem como recomendar o nível de controle apropriado que deve ser atribuído a partir das Convenções de 1961 e de 1971. Desde os anos 1950, a OMS mantinha o posicionamento de que a cannabis era uma droga perigosa e com pouco valor medicinal e, portanto, deveria ser limitada à pesquisa científica. No entanto, em janeiro de 2019, a OMS divulgou o resultado de suas avaliações científicas de produtos e substâncias à base de Cannabis sativa. O resultado positivo das avaliações reconhece os benefícios médicos da cannabis e dos canabinóides.
A programação internacional proposta pela OMS foi feita pelo ECDD e sugere uma maior possibilidade para que os países forneçam acesso legal e seguro para uso médico da cannabis. A adoção final dessas recomendações pela Comissão das Nações Unidas sobre Entorpecentes (CND) foi realizada no dia 02 de dezembro de 2020 na cidade de Viena, na Áustria. Nesse sentido, esta pesquisa propôs-se a investigar a maneira como cada país interpreta tal recomendação a partir da verificação do posicionamento oficial dos Estados membros da CND – Commission on Narcotic Drugs.
Atualmente, a CND possui 53 Estados membros: Afeganistão, África do Sul, Alemanha, Angola, Argélia, Áustria, Austrália, Bahrain, Bélgica, Brasil, Burkina Faso, Canadá, Cazaquistão, Chile, China, Colômbia, Costa do Marfim, Croácia, Cuba, Egito, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hungria, Índia, Iraque, Itália, Jamaica, Japão, Líbia, Marrocos, México, Nepal, Nigéria, Paquistão, Peru, Polônia, Quênia, Quirguistão, Reino Unido, República Tcheca, Rússia, Suécia, Suíça, Tailândia, Togo, Turcomenistão, Turquia, Ucrânia e Uruguai.
Para o presente artigo, será analisado o posicionamento adotado por cada um dos países supracitados no que se refere à recomendação 5.1 da OMS: de retirada da cannabis e da resina de cannabis da Lista IV da Convenção de 1961, segmento de maior controle e restrição dado a substâncias consideradas de alto dano para a saúde e de baixo valor medicinal. Isto é, serão verificadas as opiniões da comunidade da CND quanto ao reconhecimento dos benefícios médicos e das propriedades científicas da cannabis, bem como a flexibilização do controle sobre a substância. Dessa forma, a votação realizada no dia 02 de dezembro de 2020 determinou o seguinte panorama:
A favor: África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Colômbia, Croácia, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Índia, Itália, Jamaica, Marrocos, México, Nepal, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, Suíça, Tailândia e Uruguai.
Contra: Afeganistão, Angola, Argélia, Bahrain, Brasil, Burkina Faso, Cazaquistão, Chile, China, Costa do Marfim, Cuba, Egito, Hungria, Iraque, Japão, Líbia, Nigéria, Paquistão, Peru, Quênia, Quirguistão, Rússia, Togo, Turcomenistão e Turquia.
Abstenções: Ucrânia
Os resultados obtidos – 27 países a favor, 25 contra e 1 abstenção – apontam para uma das várias expressões da revolução canábica, isto é, às novas tendências de regulamentação da cannabis. Observa-se uma transformação na forma como os países se relacionam com a cannabis, tanto no âmbito da saúde quanto no da segurança: o reconhecimento das propriedades médicas da cannabis abre o caminho para que mais países aprovem seu uso terapêutico. A decisão, no entanto, não interfere no poder de cada país estabelecer suas próprias normas e políticas sobre a substância.
Para esta discussão, vale destacar o posicionamento do Brasil. O voto contra a retirada da cannabis da Lista IV das substâncias mais perigosas foi declarado pelo atual ministro da Cidadania: “Qualquer afrouxamento no controle desse tipo de substância, ele vai, obviamente, piorar o quadro de uso recreativo desse tipo de produto e que terá consequências devastadoras para toda a sociedade brasileira”, afirmou Onyx Lorenzoni. O ministro, dessa forma, avalia que a proposta flexibiliza e reduz o controle sobre a cannabis, algo que o governo de Jair Bolsonaro não vai permitir.
A remoção da substância da Lista IV da Convenção sobre Drogas de 1961 determina que a cannabis deixa a classificação de droga perigosa e baixo valor medicinal. Sua nova colocação passa a ser a Lista I, ao lado de outros entorpecentes – como a morfina – que, apesar da recomendação de controle da OMS, são reconhecidos como substâncias de menor potencial danoso. No entanto, o uso recreativo da cannabis permanecerá proibido nas regulamentações internacionais. De qualquer forma, a decisão de mudança da classificação da substância facilitará o desenvolvimento de pesquisas científicas, uma vez que o anterior pertencimento à Lista IV da Convenção de 1961 impunha restrições aos estudos que envolviam a substância. A partir de agora, as propriedades terapêuticas e promissoras da cannabis no tratamento de doenças como Parkinson, esclerose múltipla, epilepsia, dores crônicas e câncer encontrarão menos entraves.
Referências bibliográficas
Cannabis & Treaty Scheduling archive 2015-2019. Disponível em: <https://faaat.net/cannabiswho/>. Acesso em: 06 de dez. de 2020.
Monitoring the UN/WHO Cannabis Scheduling Process. CND Monitor. Disponível em: <https://kenzi.zemou.li/cndmonitor/>. Acesso em: 06 de dez. de 2020.PODER360. Comissão da ONU retira maconha de lista de drogas mais perigosas.
Poder360, 02/12/2020. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/internacional/comissao-da-onu-retira-maconha-de-lista-de-drogas-mais-perigosas/>. Acesso em: 06 de dez. de 2020.
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