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OS 100 ANOS DA REVOLUÇÃO NA PRINCIPAL FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA RÚSSIA

Por Victor Melo

INTRODUÇÃO

A literatura predominante na área de Relações Internacionais é produzida ou nos Estados Unidos ou na Europa; os autores russos e suas obras não possuem o mesmo prestígio na área das RIs que teóricos americanos e europeus, por exemplo. Visto isso, em um ano de comemoração do centenário de um dos acontecimentos mais importantes da história russa, este breve artigo levantará as ocorrências[1] da Revolução de 1917 nos programas de uma das principais faculdades de relações internacionais do país, para que desta forma possam ser levantadas importantes informações e questionamentos sobre o estudo das Relações Internacionais na Rússia. Além disso, a análise das ementas permitirá uma observação da relevância do estudo da Revolução Russa em um centro de estudo que lá possuí grande renome.

Foram analisados os conteúdos programáticos do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO)[2], uma das principais faculdades de relações internacionais da Rússia. A universidade é vinculada ao Ministério de Assuntos Externos da Federação Russa. É a mais antiga e renomada escola diplomática do país, tendo em seus quadros docente e discente os mais importantes diplomatas, ministros e cônsules da Rússia.

A Federação Russa (antes União Soviética), uma das principais potências militares do planeta, há trinta anos dividia com os Estados Unidos o posto de superpotência mundial, possuía um vasto território e propagava a ideologia comunista pelo mundo. Atualmente, após a derrocada da União Soviética passou a retomar, principalmente após Vladimir Putin assumir o poder no início dos anos 2000, prestígio e poder em fóruns e instituições internacionais, além de participar ativamente de importantes conflitos pelo globo. Sendo assim, em algum momento já nos perguntamos o quê um internacionalista russo, aquele que certamente é preparado para representar a nação nesses diversos foros mundiais, estuda? O enfoque dado à Revolução de 17, por ter sido um evento que mudou os rumos de toda a política doméstica e externa do país, é objeto de análise ou apenas um fato histórico que deve ser estudado dentro do seu contexto?

Além do mais, desde quando assumiu o poder de principal chefe de Estado da Rússia, Vladimir Putin sempre deu pouco ou nenhum destaque à Revolução bolchevique. No ano centenário não está sendo diferente. A repercussão é pouca e o destaque para tal acontecimento é nenhum por parte da administração russa. Sendo assim, é possível ligar o fato, àquilo que se estuda numa universidade que mantém estreitas relações com o governo?

A REVOLUÇÃO NOS PROGRAMAS DO MGIMO

A faculdade de relações internacionais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou é dividida em vários departamentos e cada um deles é responsável por oferecer as disciplinas integrantes da grade curricular dos alunos. Alguns autores importantes como George William Buchanan, Henry Kissinger, Edward H. Carr, Stephen F. Coen, além de inúmeros autores russos que são desconhecidos por nós, são lidos.

Durante a pesquisa o foco principal foi dado àqueles autores que são mais conhecidos na área de Relações Internacionais. Isso porque, como mencionado no início do artigo, os autores russos e os seus estudos não são muito difundidos na RIs mainstream, e existem poucas traduções para línguas mais familiares, como inglês ou português.

O departamento de “História Mundial e Nacional” oferece aos discentes do MGIMO a disciplina denominada “História Política da Rússia”, sendo o programa desta disciplina um dos poucos que delega à Revolução Russa certa relevância. A quinta etapa do curso diz respeito ao período soviético (1917-1991) da história russa. A atenção principal é dada às inovações políticas e mudanças nos tempos de Lênin, Stálin, Kchrushev, Breznev e Andropov. Um dos subtópicos dessa etapa tem como tema: “Revolução de 1917”.

Além disso, o mesmo departamento oferece outra disciplina, esta denominada “História Interna”. O décimo primeiro tópico do programa disciplinar se chama: “O Estado soviético de 1917 – fim dos anos 20”. Um dos autores mais lidos desse curso específico é George William Buchanan, que foi embaixador da Grã-Bretanha na Rússia de 1910 até 1918 e viveu presencialmente os acontecimentos da Revolução de 1917. Seu livro: “Minha missão na Rússia”, que aponta sua opinião totalmente contrária à subida dos bolcheviques ao poder e seu projeto para o país, é leitura obrigatória da matéria. Além de Buchanan, as leituras obrigatórias se pautam também em textos de Lênin, Trotsky e outros líderes russos da época.

Outro fator importante à ressaltar é a indicação para leitura complementar do livro: “Revolução Russa. De Lênin a Stálin. 1917-1929” escrito por Edward H. Carr, autor que é muito estudado na área de relações internacionais no mundo todo. Carr realizou inúmeros estudos sobre a Revolução bolchevique ressaltando os impactos e a importância da mesma em perspectiva internacional. Além de Carr, Stephen F. Coen, importante pesquisador americano sobre a as relações entre EUA e Rússia, aparece no programa com seu livro: “Bukharin[3]: Uma biografia política, 1888-1938”. O capítulo indicado para leitura é: “Bukharin e a Revolução bolchevique”, que ressalta o desenvolvimento da União Soviética após a Revolução de Outubro e os impactos que o movimento teve nas relações Rússia-EUA.

Uma outra obra que também faz parte do programa: “O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror e Repressão”, elaborado por professores e pesquisadores universitários europeus, é uma obra anticomunista que foi editada por Stéphane Courtois, um intelectual francês. Seu lançamento ocorreu por ocasião dos 80 anos da Revolução Russa, em 1997, na França. “O Livro Negro do Comunismo” faz um inventário da repressão política por parte regimes ditos marxistas-leninistas — incluindo as execuções extrajudiciais, as deportações e as crises de fome.

A Revolução Russa de 1917 aparece, desta forma, nos quatorze programas[4] analisados, que são oriundos de uma das mais respeitadas faculdades de relações internacionais do país. Foram ressaltadas ao longo do artigo as obras que mais chamaram atenção nos currículos disciplinares, haja visto que existem tantas outras escritas por autores russos e que não são tão conhecidas fora do país.

PUTIN, MGIMO E REVOLUÇÃO RUSSA. HÁ CONEXÃO?

A primeira observação a ser feita sobre os programas do MGIMO é que a Revolução Russa é abordada como um fato histórico importante, nada mais do que isso. Ela é estudada, seus impactos nas relações internacionais são brevemente analisados, no entanto, não existe uma disciplina que estude somente a Revolução de 1917 ou as revoluções no sistema internacional. Não há um foco de análise voltado para à Revolução, nem a sinalização de eventos que possam debater sobre o tema, ou mesmo alguma comemoração relacionada ao centenário.

Além do mais, o ano de 2017 é um ano marcante para a Revolução Russa, é o centenário deste acontecimento que mudou a política doméstica e internacional do país e que promulgou diversos impactos no sistema internacional nos anos posteriores à ela. A questão principal é o porquê de a mesma ser analisada apenas como um acontecimento histórico importante.

Para o atual presidente russo, Vladimir Putin, 1917 se destaca como um momento de desordem política e social muito grande. O Estado estava enfraquecido e incapaz de exercer controle. Por isso, para Putin, 1917 é um ano inapropriado para ser festejado. Para alguns existe uma razão mais profunda por que 1917 não é um dos anos favoritos de Putin. Foi uma época em que as massas russas tomaram a iniciativa, o que jamais foi visto no país após esse acontecimento.

No ano passado, no dia 7 de novembro, Putin organizou uma parada que reproduziu a de 7 de novembro de 1941. Naquela ocasião, tropas soviéticas marcharam pela praça Vermelha e de lá foram combater os nazistas. Com essa cerimônia, privilegiou a vitória na segunda guerra em detrimento da Revolução, dando pouca importância aqueles acontecimentos ocorridos no mesmo dia e mês de 1917, trocando-os pelo nacionalismo da Grande Guerra Patriótica, modo como ficou conhecida a Segunda Guerra Mundial no país.

Por ser uma universidade que possui relações fortes com o Ministério de Relações Exteriores da Rússia, a principal escola formadora dos diplomatas russos também é conivente com aquilo que pensa e pratica o presidente. Putin é muito criticado por ser autoritário no que diz respeito a algumas questões internas, será que essa característica do chefe de Estado russo atinge também as universidades? Além disso, nos programas onde a Revolução de 1917 aparece, há sempre algum texto com fortes críticas à mesma, o principal deles: “O Livro Negro do Comunismo” com análises contrárias ao regime comunista durante a Revolução e após a mesma.

Para fortalecer essa hipótese, Anatoly Torkunov um importante diplomata russo e homem de confiança do presidente Putin, é o atual reitor do MGIMO. No ano de 2000 foi condecorado pelo chefe de Estado com a maior decoração que um civil pode receber na Rússia: a “Ordem do Mérito para a Pátria”.

Putin e Anatoly Torkunov (Atual Reitor do MGIMO).


Os questionamentos e informações levantados ao longo deste artigo permitem que um contexto político do país seja abordado de maneira generalizada, além do mais, a análise dos programas e a grande aproximação de Putin com o reitor da universidade salientam o tamanho da influência e autoridade que o atual chefe de Estado russo detém dentro do país.

Fato é que a Revolução de Outubro não recebe atenção especial dentro daquele que é considerado o mais importante curso de relações internacionais do país, por formar a maioria dos representantes internacionais russos. Vários motivos podem estar envolvidos nessa prática, os mais prováveis são aqueles que dialogam com a pouca atenção e importância que o atual presidente da Rússia e instituições muito fortes dentro da nação dão àquela que é considerada por muitos como a maior e mais importante revolução de todos os tempos.

[1] Isso porque o PET-RI teve o centenário da Revolução Russa como tema do Ciclo temático desse início de ano; logo, houve um interesse do grupo em saber o que era estudado nas faculdades de Relações Internacionais do país, se um foco maior seria dado a Revolução bolchevique pela data comemorativa e como esse fato histórico aparecia nos programas dessas faculdades.

[2] O MGIMO foi escolhido por ser a escola de internacionalistas mais respeitada em toda a Rússia e a única universidade que disponibilizou seus programas disciplinares para análise.

[3] Revolucionário e intelectual bolchevique. Anos depois da revolução se tornou um político soviético.

[4] Não são liberados para o público em geral o programa de todas as disciplinas. Dos mais de 70 programas estudados ao longo dos 4 anos de curso, cerca de 20 são liberados para análise pelo site da faculdade. Todos são extensos e bem completos; escolhi analisar aqueles que mais dialogam com os temas de: política, economia, história e relações internacionais propriamente ditas.

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