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O processo de financeirização de terras no Brasil MATOPIBA como alvo do capital transnacional

por Raphaela Pires Carramillo

Introdução

Esse artigo aborda o processo de financeirização das terras do Brasil a partir da crise de 2008, demonstrando a perigosa associação entre agronegócio e capital transnacional que ameaça expandir a monocultura e o lucro de conglomerados empresariais na região de MATOPIBA, composta pelos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Pretende-se analisar a atuação da empresa Radar S/A em associação com o fundo de pensão TIAA CREF, e seus impactos na região considerada a última fronteira agrícola do Brasil. A associação do capital transnacional com o agronegócio brasileiro promove consequências que impactam diretamente as comunidades tradicionais de MATOPIBA, e demonstram a atuação local de grupos estrangeiros que buscam alcançar maiores lucros.

A apropriação de terras nacionais por estrangeiros, com o aval brasileiro, engrandece o processo de land grabbing  ou estrangeirização de terras, que consiste na exploração de terras nacionais pelo capital estrangeiro.

O impacto da crise de 2008 no agronegócio brasileiro

A crise mundial de 2008 foi responsável por gerar uma mudança no perfil do agronegócio brasileiro, contexto em que despontam atuações de empresas estrangeiras, não só agrícolas, como também financeiras, automotivas e petroleiras no Brasil. A queda dos preços das commodities no mercado internacional não acompanhou o preço das terras agrícolas no Brasil, em contínuo crescimento.

Esse processo provocou um descolamento entre o mercado de terras e o mercado de commodities agrícolas (2017, p. 157, apud BOECHAT; PITTA, TOLEDO, 2017). A partir daí o agronegócio brasileiro passou a promover suas terras como ativos financeiros lucrativos, criava-se uma nova forma de obtenção de lucro.

Com estímulo do agronegócio nacional, empresas estrangeiras passaram a adquirir terras agricultáveis no Brasil e por toda América Latina. No período de 2008 a 2014, cerca de 80% do total de capital investido na América Latina foi para a agricultura brasileira. Um montante de 1,5 bilhões de dólares chegou no Brasil através de fundos agrícolas (SPADOTTO, 2018, apud EMPEA, 2015).

Radar/SA, Cosan e TIAA CREF

Foi dentro deste contexto que um dos principais fundos de pensão atuantes no agronegócio brasileiro, o TIAA CREF, passou a lucrar com as terras agricultáveis do Brasil. Composto por administradores e professores dos Estados Unidos, este é o maior investidor em terras agrícolas do mundo, (SPADOTTO, 2018, apud PITTA; MENDONÇA, 2015; TIAA; 2017) ele lucra através da participação societária em empresas especializadas no mercado global de terras agrícolas.

Como parte de seus investimentos, o TIAA CREF criou uma empresa brasileira de capital estrangeiro chamada Mansilla S/A, que em sociedade com a Cosan, empresa brasileira especializada no ramo sucroenergético[1], formou a Radar Propriedades Agrícolas S/A. (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, 2015, p. 13)

A Radar foi criada para constituir o braço especulativo de terras agricultáveis da Cosan, através da compra de terras e sua revenda valorizada. Portanto, a Radar é proveniente de uma sociedade entre o TIAA CREF e a Cosan, ilustrando o processo de associação entre capital financeiro transnacional e o agronegócio que acomete as terras do Brasil.

A obtenção de lucros da Radar S/A se dá através da locação de terras aos principais produtores de commodities no Brasil, incluindo a Cosan, para a produção de cana de açúcar, e para outras empresas especializadas em outras commodities, visando a precificação das terras. (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, 2015, p. 8)

Por isso, a Radar[2] não procura áreas em que o cultivo da monocultura está estabelecido, e sim a expansão para além desse espaço, visando a obtenção de maiores lucros[3]. A empresa atua mediante subsidiárias que negociam a compra e venda de terras pertencentes a uma única fonte. Uma delas é a Tellus Brasil Participações Ltda, criada pela Cosan e a TIAA -CREF, com 51% das ações da Cosan e 49% da TIAA-CREF, o que estabelece a empresa como brasileira devido às porcentagens. A Tellus responde à TerraViva, subsidiária da Cosan. (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 2015)

organograma

Organograma – Veículos financeiros para a compra de terras (TIAA) (SPADOTTO, 2018, p. 13).

Como demonstrado na imagem, Spadotto (2018) aponta que essas grandes empresas atuam mediante às subsidiárias em parceria com agentes locais pela aquisição, compra e venda das terras posteriormente precificadas. Elas realizam uma intensa pesquisa sobre as áreas que visam adquirir, formando um banco de dados de terras que recebe o investimento inicial da Cosan ou da TIAA CREF.

A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos acredita que a TIAA CREF realiza muito mais do que uma grilagem tradicional, por isso, ainda existe divergências quanto a nomenclatura concedida à exploração das terras brasileiras por empresas estrangeiras. Somadas às aquisições ilegais de terras, essas empresas atuam como veículos financeiros com o intuito de confundir a origem do capital que recebem (PITTA, 2017, 160).

A discussão que se constrói dentro da área acadêmica está justamente na materialidade das provas existentes para comprovar o processo de land grabbing no Brasil, bem como da posse dessas terras, que muito embora estejam vinculadas à mesma origem, também possuem difícil comprovação. Spadotto (2018) aponta que é por conta desse contexto que o termo land grabbing torna-se dúbio, uma vez que as ações da Cosan e de suas subsidiárias permanecem sob controle nacional.

O capital transnacional em Matopiba

A característica do land grabbing no Brasil aparece de maneira clara na região do MATOPIBA, composta pelos estados do Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins. A área é considerada a última fronteira agrícola do país por ser o alvo primordial do agronegócio nacional associado ao capital estrangeiro. Estima-se que existam 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2016, p. 2).

A nomenclatura oficial[4] advém do decreto governamental 8.447[5] que travestido de um plano que promoveria o desenvolvimento sustentável na região, tinha o intuito de intensificar a agropecuária para exportação promovendo a expulsão das populações tradicionais.

A Radar é uma das principais atuantes no MATOPIBA, assim como em regiões onde se prevalece a monocultura da cana, soja, milho e algodão, conforme divulgado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2015). Existem 26 empresas de capital transnacional especializados nestes cultivos em MATOPIBA, e no que tange a nacionalidade delas, destacam-se os Estados Unidos, seguido por Japão, Reino Unido e Argentina (PEREIRA, 2016, 198).

O histórico de associação entre o agronegócio e o Estado brasileiro não é recente. Desde 1950, o Brasil promove a agroindústria no país através de incentivos governamentais, como isenções fiscais e a invasão de empresas às terras devolutas, ocupadas por comunidades tradicionais.

O Cerrado[6] permanece como área primordial para expansão da agroindústria, seja para aumentar a produção de soja, ou promover o crescimento das lavouras de cana para produção do etanol. O país promove a expropriação das comunidades tradicionais através de alegações questionáveis, como terras degradadas na região, estabelecendo o plantio de cana de açúcar como inofensivo para o meio ambiente e para as populações locais.

Com atuação estrangeira além dos limites estatais, a parceria do capital transnacional descentraliza as aquisições de terras, que não têm seus proprietários revelados, uma vez que a origem do capital é incerta.

Impactos nas comunidades tradicionais do Piauí e Maranhão

[Comunidade Melancias, em Santa Filomena, Piauí]: Muitos moradores relacionam o aumento de casos de câncer com a contaminação dos agrotóxicos na água, no ar, nos peixes e em suas hortas e roças. Também relatam problemas respiratórios e doenças na pele (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS 2015, p. 41).

Como destacado pela citação acima, o Piauí, principalmente a região do sul, e o Maranhão tem sido alvo primordial da Radar S/A. A empresa utiliza-se da área das  Chapadas[7] de maneira exacerbada para monocultura, e continua buscando a expansão de terras agricultáveis para o cultivo de soja. No Piauí, a gradativa valorização dos preços por hectare faz com que as empresas atuantes na região passem a assediar as comunidades tradicionais.

As contratações de empresas de segurança privada na Comunidade Sete Lagoas, por parte do agronegócio, impedem o acesso das populações em áreas fundamentais, expropriando os moradores e provocando a marginalização dos mesmos nas favelas da região (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, 2015, p. 37).

Conforme registrado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), uma técnica de expulsões utilizada pelo agronegócio do Maranhão consiste na poluição dos rios que nascem nas áreas das Chapadas. No ano de 2016, houveram 16 assassinatos no estado, sendo que 10 das vítimas eram indígenas e 4 quilombolas.

Seja através do assassinato ou assédio à essas populações, o grande capital se apropria dos recursos da região, forçando as comunidades tradicionais a abandonarem suas terras. Sem recursos naturais, elas ficam impossibilitadas de sobreviver e abrem mão daquilo que é delas por direito (REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, 2015, 40).

Conclusão

O fenômeno da estrangeirização de terra adquire uma característica dissimulada  no Brasil, uma vez que o land grabbing é realizado de maneira mascarada, confundindo as autoridades de fiscalização a respeito da origem do capital, bem como da fonte de posse dessas terras. A empresa Radar S/A é um dos atores desse processo, uma vez que surge em parceria com a Cosan e TIAA CREFF (através da Mansila S/A).

As subsidiárias estrangeiras e nacionais procuram confundir as autoridades quanto a origem do capital das terras, visando adquiri-las em maior quantidade e vendê-las por um preço mais alto, obtendo maior lucro.

MATOPIBA sofre os impactos desse contexto através das comunidades locais, forçadas a abandonar suas terras por meio da poluição planejada dos recursos naturais e da morte de seus membros.

Referências

ALVES, L. E. Vicente, et al. O avanço da violência contra as comunidades agroextrativistas camponesas no espaço regional do MATOPIBA e pré amazônia – 2018- http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/okara/article/view/41330.  Acesso em: 25 nov. 2018.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Matopiba destrói a natureza e seus povos – 2016 – https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Matopiba_folder-2016.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

COMITÊ BRASILEIRO DE DEFENSORAS E DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS.  Vidas em luta: Criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos – 2016 – https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/WEB_Terra-de-Direitos_Vidas-em-Luta_100817_web.pdf. Acesso em: 11 mar. 2019

PEREIRA, I. Lorena; PAULI, Lucas. O processo de extrangerização da terra e a expansão do agronegócio na região do MATOPIBA – 2016 – http://www.seer.ufu.br/index.php/campoterritorio/article/view/30684/18932. Acesso em: 25 nov. 2018.

PITTA, T, Fábio; MENDONÇA, L. Maria.MENDONÇA, L. Maria. Especulação com terras agrícolas na região do Matopiba – 2017 – https://grupodevoluntariadoempresarial.files.wordpress.com/2017/12/relatorio_direitos-humanos-brasil_2017.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS. A empresa Radar e a especulação de terras no Brasil – 2015 –  https://www.social.org.br/files/pdf/RevistaREDE2015paranet%202.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

SPADOTTO, R. B, et al. Capital financeiro, land grabbing e as estratégias multiescalares de empresas especializadas no mercado de terras na região do MATOPIBA (Brasil) – 2018 –https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4294478/mod_resource/content/2/Spadotto%2C%20Saweljew%2C%20Frederico%2C%20Pitta.%20Capital%20financeiro%2C%20land%20grabbing%20e%20estrat%C3%A9gias%20mult.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

PITTA, T, Fábio; BOECHAT, A. Cássio; MENDONÇA, L. Maria. A produção do espaço na região do MATOPIBA: violência, transnacionais imobiliárias agrícolas e capital fictício -2017-http://periodicos.pucminas.br/index.php/estudosinternacionais/article/view/P.2317-773X.2017v5n2p155/12976. Acesso em: 25 nov. 2018.

VALENTE, S. L. Flávio. A resistência dos povos do cerrado contra a financeirização predatória da terra e da natureza pelo capitalismo “moderno” e seu impacto sobre a realização dos direitos humanos – 2017 – https://grupodevoluntariadoempresarial.files.wordpress.com/2017/12/relatorio_direitos-humanos-brasil_2017.pdf. Acesso em: 25 nov. 2018.

[1] Açúcar e etanol.

[2] Em 2012 a Radar se subdividiu em Radar I e II. No mesmo ano, o TIAA CREF criou outros dois fundos: TGCA I e TGCA II. Acredita-se que a Radar I foi criada com os primeiros investimentos do TIAA nas terras do Brasil enquanto Radar II originou-se do TGCA I e II (SPADOTTO, 2018, p. 5).

[3] Outras empresas foram criadas com o mesmo intuito da Radar, tais quais BrasilAgro, TibaAgro, Sollus Capital, Agrifirma, Calix Agro, El Tejar e Vanguarda.

[4] Anteriormente ao decreto, a região era conhecida como BAMAPITO, por conta da cronologia referente a chegada da soja no Cerrado, primeiramente na Bahia e Maranhão em 1990, e depois no Piauí e Tocantins de 1990 a 2000 (PITA, 2017, p. 156).

[5] Plano de Desenvolvimento Agropecuário – Matopiba (PDA).

[6] Cerca de 91% do bioma do Cerrado encontra-se no MATOPIBA.

[7] MATOPIBA é composta por Chapada e Baixões. As Chapadas são áreas utilizadas para a produção agroexportadora, enquanto os Baixões são ocupados pelas comunidades tradicionais.

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