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O ouro negro do Estado Islâmico

“Isso vai além do que vimos antes”, argumentou o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel, referindo-se ao Estado Islâmico (EI ou ISIS em inglês). A organização, uma dissidência da Al-Qaeda, ganhou notoriedade na mídia internacional especialmente pela brutalidade de suas ações, expressa pela decapitação do jornalista americano James Foley, por exemplo. Uma questão ainda não bem explorada, porém, chama a atenção. De onde vem o dinheiro que financia esse grupo terrorista? Como se sabe, a referência de grupo terrorista mais perigoso do mundo era a Al-Qaeda, financiada basicamente por doações. Quando o secretario de defesa se refere ao “além do que vimos antes”, ele não se remete somente a práticas cruéis, como também a nova dinâmica de financiamento que repousa no ouro negro do Estado Islâmico: o petróleo.

O ISIS domina campos de petróleo tanto na Síria, quanto no Iraque. Os principais, no entanto, estão localizados na província de Deir Ezzor, na Síria, cuja produção estimada é de 34 a 40 mil barris por dia. O campo de al-Omar, um dos maiores do país, chegou a vender US$ 45 o barril em outubro do ano passado. Estima-se que o grupo terrorista lucre até US$ 1,5 milhão por dia.


Fonte: Institute for the Study of War, US Central Command, US Department of Defense, Financial Times research.

O grupo vende, em um sistema altamente organizado (vide imagem), a maior parte de seu petróleo para comerciantes sírios e iraquianos independentes, que vão aos campos com seus caminhões para comprar o petróleo bruto. A partir da compra, esses comerciantes têm a opção de leva-lo para as refinarias com que tem contrato, vende-lo para outros comerciantes que o repassará aos rebeldes sírios e curdos, ou ainda poderiam tentar a sorte de vender ou para refinarias, ou em mercados locais. O refinamento é ainda feito de maneira rudimentar por residentes locais. Vale lembrar que a maioria dessas refinarias está sob o domínio do ISIS. Uma vez que o petróleo é refinado, ele é comprado por outros comerciantes ou traficantes e vendido em território sírio e iraquiano ou contrabandeado para países vizinhos. Existem mercados de combustíveis em todas as áreas controladas pelo grupo e pelos rebeldes sírios e a maioria das cidades também tem um pequeno mercado onde os moradores compram e vendem petróleo.


Fonte: Financial Times.

O contrabando de combustível para além das fronteiras sírias e iraquianas dinamiza ainda mais esse comércio ilegal. O cerne do problema é saber quem o alimenta. Entretanto, assim como qualquer outro mercado negro, a resposta é obscura. Os russos, por exemplo, acusaram abertamente a Turquia de facilitar o comércio de petróleo do ISIS e, em retaliação, a Turquia afirmou que era o contrário: protegendo o regime de Assad, que é um dos clientes fiéis do grupo islâmico, a Rússia que seria a cúmplice. As acusações, mesmo em nível estatal, foram feitas sem evidência.

Um fato, porém, é a porosidade da fronteira da Síria com a Turquia. Em algumas cidades fronteiriças turcas, moradores usam tubulações de plástico enterradas no solo, para contrabandear o petróleo sírio. Caminhões-tanque vêm de toda a Turquia para comprar combustível. A polícia turca fazia vista grossa, mas, pressionada pelos EUA, começou a aumentar as restrições que tiveram efeito de apenas tornar os contrabandistas mais criativos. Agora, eles atravessam a fronteira a pé, montados em mulas ou cavalos, levando galões de petróleo sírio. Especula-se ainda que o petróleo contrabandeado para Turquia ocorre via curdos e ao cruzar a fronteira, segue também para Israel.

É importante notar, todavia, que nem todos os envolvidos no comércio de petróleo são corruptos.  Esses são os clientes não convencionais que dependem de petróleo do ISIS para sobreviverem. Há milhões de pessoas que vivem em áreas controladas pelo grupo que precisam de acesso a diesel para atender as suas necessidades básicas, como eletricidade, aquecimento e mobilidade. O mais irônico é que os rebeldes sírios, inimigos do ISIS, também caem nessa categoria, pois não têm outra escolha.

Ao final de 2015, os EUA lideraram novos ataques à infraestrutura petrolífera do ISIS que teve como alvo o processo de extração de óleo, em vez de refinarias ou mercados, como feito anteriormente. Em dezembro do ano passado, a produção de petróleo nos campos de al-Omar e al-Tanak caiu 30 por cento. Contudo, ainda que o objetivo dessas investidas norte-americanas seja o desestímulo ao processo produtivo, o efeito dos ataques é justamente o inverso: a produção continua a todo vapor e é a população que sofre com esse cenário, pagando com a própria vida. Os civis locais estão revoltados com a nova campanha liderada pelos EUA e temem, além da morte, por sua sobrevivência econômica na região, já que ela está atrelada as dinâmicas financeiras do ISIS.

O petróleo é, de fato, o ouro do Estado Islâmico. É ele que financia as armas, o salário dos “combatentes”, além de suprir as necessidades básicas dos civis sírios e iraquianos, enfim, o petróleo alimenta a economia de guerra desse grupo terrorista. Os ataques, mesmo que não tenham comprometido drasticamente a produção petrolífera, têm produzido novos meios para a obtenção de lucro do ISIS, como, por exemplo, a comercialização de órgãos no mercado negro e a venda de mulheres yazides raptadas. Enquanto um novo meio de combate efetivo não for instituído, as investidas continuarão prejudicando os civis e, na medida em que incita o ódio do grupo terrorista, os fortalecem cada vez mais.

Referências                                                                                                  

AGUIRRE, Mariano. De onde vem o dinheiro que financia o Estado Islâmico? BBC Brasil, 26 agosto 2014. Disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/08/140825_financiamento_estado_islamico_lgb> Acesso em 11 jun. 2016.

HAWRAMY, Fazel et al. Inside Islamic State’s oil empire: how captured oilfields fuel Isis insurgency. The Guardian, 19 nov. 2014. Disponível em < https://www.theguardian.com/world/2014/nov/19/-sp-islamic-state-oil-empire-iraq-isis> Acesso em 11 jun. 2016.

MELLO, Patrícia Campos. Estado Islâmico se mantém com petróleo, extorsões e sequestros. F. de São Paulo, 20 nov. 2015. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1708724-estado-islamico-sa.shtml> Acesso em 11 jun. 2016

NAKHLE, Carole.  ISIL sells its oil, but who is buying it? Aljazeera, 06 dez. 2015. Disponível em < http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2015/12/isil-sells-oil-buying-151206055403374.html> Acesso em 11 jun. 2016.

Raqqa’s Rockefellers: How Islamic State oil flows to Israel. The new Arab, 26 nov. 2015. Disponível em < https://www.alaraby.co.uk/english/features/2015/11/26/raqqas-rockefellers-how-islamic-state-oil-flows-to-israel> Acesso em 11 jun. 2016.

SOLOMON, Erika et al. How oil fuels the jihadi terrorists? Financial Times, 14 out. 2015. Disponível em <http://www.ft.com/cms/s/2/b8234932-719b-11e5-ad6d-f4ed76f0900a.html#axzz3rhwAkkfP> Acesso em 11 jun. 2016.

SOLOMON, Erika et al. The journey of a barrel of oil. Financial Times, 29 fev. 2016. Disponível em <http://ig.ft.com/sites/2015/isis-oil/> Acesso em 11 jun. 2016.

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