top of page

O cenário migratório na América Central: a vulnerabilidade dos migrantes e a atuação de movimentos s

Writer: PET-RI PUC-SPPET-RI PUC-SP

Updated: Mar 30, 2021

Por Giovanna Barreto

Caravana de Migrantes passando por Honduras. (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)


A situação dos migrantes provindos do Triângulo Norte de América Central já se configura como uma das principais crises migratórias do século. Os migrantes saem, principalmente, de Honduras, El Salvador e Guatemala, em direção aos Estados Unidos. São contabilizados que cerca de 500 mil pessoas cruzam a fronteira do México todos os anos. Esse número massivo de pessoas foge da violência generalizada em seus países de origem e andam milhares de quilômetros a pé, com a esperança de cruzar as fronteiras norte-americanas ainda com vida.

A atuação de grupos violentos na região coloca em risco a vida de milhares de centro-americanos e não os deixa com nenhuma outra alternativa, a não ser sair do país. No entanto, o processo de migração se mostra tão perigoso quanto as condições de vida

na América Central. Durante seu percurso, os migrantes passam fome, sede e são violentados em diversas maneiras. Soma-se a isso o descaso dos órgãos internacionais e dos Estados vizinhos em relação à situação dos migrantes, os quais são expostos a níveis de violência análogos a de guerras. Não obstante, as narrativas dos migrantes ainda são ignoradas e não são lidadas com a seriedade que merecem.

A conjuntura de vida nos países centro-americanos é alarmante. A ineficiência do Estado em combater a atuação de gangues e maras forma uma conjuntura de violência generalizada. Pobreza, tráfico de drogas, falta de educação e desemprego são fatores que impedem uma boa qualidade de vida, e, mais que isso, põem em risco a vida de milhares de pessoas.


A situação dos migrantes durante o percurso de migração

O contexto da trajetória dos migrantes é permeado de fatores de risco nos países de trânsito, situação a qual é agravada pela limitação de recursos que podem recorrer e a falta de informação acerca de seus direitos. O fator da clandestinidade e da migração irregular contribuem para invisibilidade dos migrantes e para se tornarem objetos de violência dos coiotes. Os coiotes, também conhecidos como polleros, são grupos organizados que guiam migrantes sem documento até o outro lado da fronteira. A atividade desses grupos é altamente lucrativa e funciona em redes internacionais.

No decorrer de suas trajetórias, os migrantes enfrentam todo tipo de violência. São vítimas de assaltos, extorsões, abuso sexual, sequestro e até morte. A atividade do narcotráfico na região ainda aumenta os riscos de tráfico humano e muitos são submetidos a condições de trabalho forçado análogas à escravidão. A situação é ainda pior para os grupos mais vulneráveis da sociedade: mulheres, crianças e população LGBT+. Estima-se que cerca de 68 mil menores desacompanhados atravessaram a fronteira da Guatemala em 2014, a maioria deles foge do recrutamento das maras e do abuso doméstico.

Foto: John Moore/Getty Images


Nos últimos anos, tem se observado o fenômeno da feminilização da migração na América Central, ou seja, o número de migrantes mulheres hoje ultrapassa o de homens. Nas estradas em que caminham os migrantes, mulheres são vítimas de prostituição forçada e outros tipos de exploração sexual. O sentimento de inferioridade provocado pela opressão de uma sociedade patriarcal faz com que a mulher seja vista como uma mercadoria. Isso não é diferente com as mulheres migrantes: seus corpos são submetidos a situações de violação sexual em troca de proteção e abrigo ao longo do período de migração. Segundo dados da Anistia Internacional (2010), 70% das mulheres migrantes sofrem algum tipo de violência sexual. Outrossim, muitas dessas mulheres são mães solo, e tem que lidar com a pressão social de criar filho em situações extremamente precárias.

Além da violência social sofrida pelos migrantes, eles ainda têm que enfrentar os obstáculos naturais do trajeto. Andam quilômetros por dia, sem acesso a água limpa e saneamento, sob temperaturas muito altas. Isso faz com que os migrantes sejam muito mais vulneráveis a diversos tipos de doenças. Para fugir do policiamento das estradas, eles tomam rotas alternativas mais perigosas, onde viram alvo do narcotráfico e de redes criminosas. Por esse percurso, eles ainda são obrigados a atravessar barreiras naturais como rios, florestas e áreas desérticas.


A Atuação de movimentos sociais nas rotas migratórias

Diante da omissão dos governos de países em rotas migratórias e a pouca eficiência dos órgãos internacionais em proteger os migrantes, eles são submetidos a violações sistemáticas de direitos humanos. Além de omissos, muitas vezes, os governos são cúmplices da criminalização de corpos em deslocamento. Nos últimos anos, por meio de leis, acordos e planos de contenção, o governo mexicano tem promovido a externalização das fronteiras e adotado uma política de deportação em massa, antes mesmo de os migrantes chegarem ao seu destino final, os EUA. Como resultado da falta de mecanismos jurídicos internacionais e regionais, os migrantes se veem invisíveis diante da sociedade.

Dessa forma, os transmigrantes dependem da atuação de organizações sem fins lucrativos e movimentos sociais para obter o mínimo de proteção. Tais organizações trabalham para fornecer assistência humanitária, acompanhamento, asilo e organização de caravanas migratórias. Um exemplo é o Pueblo Sin Fronteras, uma organização sem fins lucrativos, que desenvolve diversos projetos como o “Know your Rights” ou “Conheça seus Direitos”, o qual tem intuito de, através da comunicação simples e direta, alertar os migrantes sobre seus direitos básicos e ajudá-los a denunciar casos de violência. Há também diversos coletivos e casas de refúgio presentes nas principais rotas migratórias que garantem comida, água e proteção durante a noite. Dentre essas, destaca-se o Coletivo Las Patronas, formado por mulheres que arrecadam alimento, medicação, roupas e produtos de higiene para os migrantes.

Criado em 2006, o Movimiento Mesoamericano de Migrantes é uma rede de ativistas atuantes na região que vai desde os países do Triângulo Norte da América Central até os Estados Unidos. O movimento atua em três frentes distintas, lutando para o reconhecimento dos direitos dos migrantes. Alguns dos participantes são encarregados da administração das casas de refúgio nas estradas, onde prestam assistência e tem contato direto com os migrantes. Já outros ativistas são atuantes nas fronteiras com os Estados Unidos, onde desenvolvem o papel de organizar protestos e auxiliar migrantes deportados ou presos em centros de detenção de imigrantes. No México, militantes entram em contato com organizações civis e políticas e reivindicam reformas na legislação migratória do país nas Câmaras Legislativas.

Uma das formas que o Movimiento Mesoamericano encontrou de conseguir apoio da sociedade civil e atrair atenção da mídia internacional foi se associar ao movimento da caravana das mães migrantes, conhecido como Caravana de Madres de Migrantes. Há mais de 15 anos, mães de migrantes marcham anualmente com o objetivo de reivindicar o destino de seus filhos desaparecidos. Essa forma de mobilização teve como uma das pioneiras a hondurenha Emeteria Martínez, que andou milhares de quilômetros em busca de sua filha desaparecida durante o processo migratório e deu origem ao movimento que reúne pessoas de diversas nacionalidades em busca de familiares desaparecidos.

Dessa forma, a articulação das mães serviu de inspiração para a formação da Caravana de Migrantes, que constitui em uma forma organização de centenas, ou até milhares, de migrantes que se deslocam juntos durante a rota migratória. Esse tipo de migração coletiva se mostra vantajoso e garante uma maior proteção aos centro-americanos enquanto se deslocam. Quando juntos, os migrantes são menos suscetíveis a violência do crime organizado e dos coiotes, além de poderem desafiar os dispositivos de controle migratório mais facilmente. Ademais, a constituição de caravanas chama atenção da mídia internacional à situação migratória na América Central.

Integrantes da Caravana protestando (Foto: Reuters)


Muito além de uma forma de proteção, as Caravanas de migrantes são uma forma de resistência política. Enquanto as vidas desses migrantes são consideradas descartáveis, os migrantes encontram estratégias de autoproteção em meio a política de morte, a qual são submetidos durante o deslocamento. Esse novo tipo de mobilização promove significados que vão além do que é verbalizado. Através da resistência de corpos em aliança, a caravana detém poder político que se manifesta sem uma ideologia específica e abrange aspectos plurinacionais e transnacionais.

Referências Bibliográficas

ACEVEDO, Nicole. (2018). Who is Pueblo Sin Fronteras, the group behind the migrant caravan that drew Trump’s ire? NBC News, 04 de abril de 2018. Disponível em:

Acesso em: 23/07/2020

PALLISTER-WILKINS, Polly. Walking, Not Flowing: The Migrant Caravan And The Geoinfrastructuring Of Unequal Mobility. Society and Space. Montreal, 2019. Disponível em:

PINTO, Joseana M. Schuck. O desolador cenário migratório do Triângulo da América Central: limites e perspectivas no âmbito humanitário. Revista Sociologias Plurais. Curitiba, 2019. Disponível em:

JUBILUT, Liliana Lyra; APOLINÁRIO, Silvia Menicucci O. S. A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração. Revista Direito GV. São Paulo, 2010. Disponível em:

FORÇADOS a fugir do Triângulo Norte da América Central. Médicos sem fronteiras. 2017. Disponível em:

FERRI, Pablo. Migrantes, refugiados: o relato de um êxodo. El País Brasil. 2018. Disponível em:

VARELA, Amarela. Luchas migrantes en contextos de tránsito migratorio, el caso del movimiento migrante centroamericano. REMHU: Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana. Ciudade del México, 2018. Disponível em:

DORNELAS, Paula. VILLALBA, Yulieth. CARAVANAS MIGRANTES E O ENDURECIMENTO DE FRONTEIRAS: corpos em movimento, democracia e resistência. SPG18-Migrações e a produção de fronteiras, 2019. Disponível em:<https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/spg-6/spg18-6/11955-caravanas-migrantes-e-o-endurecimento-de-fronteiras-corpos-em-movimento-democracia-e-resistencia/file>

BETWEEN Borders: American Migrant Crisis. Produção de Brent Renaud Craig Renaud. The New York Times, 2015. Disponível em:

FACTORES de riesgo y necesidades de atención para las mujeres migrantes en Centroamérica, Estudio de actualización sobre la situación de la violencia contra las mujeres migrantes em la ruta migratoria em Centroamérica. Secretaría General del SICA, 2016. Disponível em:

NOSOTROS. Movimiento Mesoamericano Migratorio, 2019. Disponível em:

INFORME 2010 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo. Anistia Internacional, 2010. Disponível em:

KNOW your rights. Pueblos Sin Fronteras. Disponível em: <https://www.pueblosinfronteras.org/know_your_rights.html>

Comments


bottom of page