Por Hellen de Souza Almeida e Henrique Rezende - Graduados em Relações Internacionais pela PUC-SP e membros do programa tutorial (PET-RI).
O presidente da França, Emmanuel Macron, conseguiu a reeleição no segundo turno realizado no domingo, 24 de abril.| Foto: EFE/EPA/Yoan Valat
A reeleição de Emmanuel Macron.
Em torno de um cenário distinto de 2017, Emmanuel Macron (Em Marche) e Marine Len Pen (Rassemblement national) estavam novamente disputando o segundo turno das eleições francesas. Ambos com ideias e inclinações políticas bem diferentes, mas rumo a um mesmo fim, a Presidência da França. No entanto, em um dia com recorde em abstenções, próximo aos 28%, a mais alta desde 1969 e, a um maior avanço da extrema-direita no poder, no dia 13 de maio, quem tomou posse foi o centrista Emmanuel Macron.
Reeleito Presidente da República Francesa, Macron precisa estar ciente dos desafios que estão por vir nos próximos cinco anos de governo e, compreender as ramificações da sociedade francesa, face aos resultados do pleito eleitoral. Logo, em um discurso breve em frente a Torre Eiffel, pontuou que parte das pessoas que, a priori, não votaram nele, escolheram por indiretamente barrar o avanço da extrema-direita e, destacou que o silêncio proveniente das abstenções, significou uma rejeição, na qual o governo deve prestar mais atenção e trazer mais resultados para suas incertezas.
A princípio, as eleições na França foram disputadas entre 12 candidatos, nos quais haviam 8 homens e 4 mulheres. No entanto, os principais nomes que se destacaram nas suas campanhas eleitorais foram: Eric Zemmour e Marine Le Pen, ambos de extrema-direita, porém Zemmour tinha discursos mais extremos, em relação a Le Pen. E, na extrema esquerda, estavam Jean-Luc Mélenchon e Yannick Jabot. Nesse cenário, Macron, que é tido como centrista, tinha que atrair os votos desses extremos, orientando-se para uma reeleição.
Frente a Eric Zemmour, Marine Le Pen é branda em seus posicionamentos políticos, visto que Zemmour tem uma agenda radical, antissistema, de incitação ao ódio racial e religioso. Ele é um ator novo no contexto político, mas ainda no final de 2021, sua alavancada nas pesquisas, possibilitou novos fronts para a política e sociedade francesa. No outro extremo, estava Mélenchon, que já havia disputado as eleições presidenciais de 2017, e agora quase tirou o posto do segundo turno de Le Pen, com 22% dos votos. Esses dois extremos e o recorde de abstenções, além da margem pequena entre Le Pen e um resultado histórico para a extrema-direita, exemplifica algumas das determinantes divisões do eleitorado francês para o qual Macron precisará saber governar. Além disso, parte relevante dos votos do presidente reeleito se deram pelo voto anti Le Pen.
De acordo com as pesquisas de opinião do Institut nacional de la statistique et des études économiques, a priori, deixando a parte a questão da Ucrânia, os tópicos relacionados a economia, imigração e segurança, eram dominantes. Com a vitória de Macron, a França, por um lado, deu uma orientação às ambições migratórias, econômicas e de segurança do país, mas também elucidaram tópicos a serem trabalhados pelo atual governo, como as consequências da invasão russa na Ucrânia, a questão ambiental - e energética - e o futuro da União Europeia. Esses últimos três tópicos, estão em consonância, frente a Guerra na Ucrânia, pois estima-se que 40% do gás natural importado pela Europa é proveniente da Rússia. Isso leva em consideração, as pautas crescentes sobre a redução da dependência do gás-russo, com o plano REPowerEU, face a uma transição para uma Europa cada vez mais limpa e unida.
Nesse contexto, desde o início da Guerra, Macron assumiu uma posição de diálogo mais aberto e diplomático que as outras potências, como os Estados Unidos, em relação às tensões na fronteira entre Rússia e Ucrânia com Vladimir Putin. Dessa maneira, a mobilização que Macron teve desde seu encontro e durante ele, destacou não apenas a tentativa de mediar e assumir o posto, para alguns, de líder da Europa, mas, para tanto, a guerra permitiu debates sobre o futuro da Europa. Emmanuel Macron, desde seu primeiro mandato, deu um certo protagonismo à UE, por isso, a guerra pode revitalizar o sentido da formação da União Europeia.
Com o segundo turno revestido dessa perspectiva, autoridades como o jornal alemão BILD, destaca na sua edição como “a eleição mais importante da Europa”, já antecipando o que estava em jogo para o mundo e para a União Europeia. Com Macron, o presidente do Conselho Europeu apontou a posição da França na UE como “totalmente comprometida” com os princípios da união. Le Pen, por outro lado, tinha uma posição mais favorável ao desmantelamento da Instituição. O deputado Anton Hofreiter, presidente do comitê de Assuntos Europeus do Bundestag expôs que Le Pen “colocaria em risco enormemente a segurança de todas as pessoas na Europa e, claro, seria um grande problema para a cooperação económica na UE, para questões como tecnologias futuras, proteção climática ou política externa da UE”.
Logo após a vitória de Emmanuel Macron, líderes políticos do mundo todo se manifestaram. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, parabenizou Macron via twitter “Je me réjouis de pouvoir continuer notre excellente coopération. Ensemble, nous ferons avancer la France et l’Europe.” Para Pedro Sanchez, de España “Los ciudadanos han elegido una Francia comprometida con una UE libre, fuerte y justa. Gana la democracia. Gana Europa”. O Chanceler Alemão, Olaf Scholz enviou “felicitações, parabéns, caro Presidente Emmanuel Macron. Os vossos eleitores também enviaram hoje um forte empenho à Europa. Estou satisfeito por continuarmos a nossa boa cooperação”. O presidente da Ucrânia, Zelenski,, Vladimir Putin, da Rússia, via telegrama. Além de outros inúmeros políticos, como Joe Biden, presidente dos EUA e o Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson também mandaram suas felicitações.
O presidente francês, Emmanuel Macron, participa de uma coletiva de imprensa após a cúpula da UE em Bruxelas, Bélgica, no dia 16 de outubro de 2020. (União Europeia/Divulgação via Xinhua)
Quais as propostas de Macron?
No plano ambiental, Macron pretende transformar a França na “primeira nação a abandonar o gás, o petróleo e o carvão”, discursou no comício realizado em Marselha no dia 16 de abril de 2022. Para atingir esse objetivo, planeja construir mais seis novos reatores nucleares, com a possibilidade de aumentar esse número para 14. Isso reafirma a posição da França como o país europeu que mais utiliza a energia nuclear, que hoje soma mais de 75% da matriz energética. Porém, também pretende aumentar o quadro de energias renováveis, construindo mais parques de captação de energia eólica e solar, além de fabricar mais carros elétricos e híbridos. No âmbito das empresas procura promover incentivos econômicos para atingir as metas ambientais e sociais. Dessa forma, o presidente aposta mais em soluções tecnológicas do que políticas para ajustar o país às demandas ambientais.
O presidente ainda conta com a vantagem de que o país tem se recuperado bem da pandemia, tendo bom crescimento e baixa taxa de desemprego, portanto, no campo econômico, pretende continuar a revisão de algumas políticas econômicas, algo que já vinha acontecendo desde o mandato anterior. Dentre elas, diminuir o imposto sobre herança, triplicar o “Bônus Macron” (um bônus de mil euros, que todos trabalhadores que recebem menos de 3 salários mínimos podem receber), aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos e, com isso, aumentar a pensão mínima. Em relação às empresas, pretende continuar dando incentivos, como a eliminar a cotação do valor agregado delas, para que continuem a prosperar, como visto no período anterior. Além disso, também pretende continuar um projeto de uma França mais independente da produção de outros países, a partir de uma “estratégia industrial”, onde prevê investimentos maciços na agricultura e na indústria. Apesar disso, a vitória de Macron também traz alívio para investidores estrangeiros, uma vez que a candidata de oposição tem uma plataforma econômica mais protecionista e isolacionista, inclusive em relação à própria União Europeia.
Em relação à segurança, é preciso dividir entre a segurança interna e externa. Na primeira, como demanda da população para promover maior segurança e aumentar a eficiência do sistema jurídico, o Presidente prevê aumentar contingentes policiais, projeto já em andamento do mandato anterior, assim como contratar mais magistrados e pessoal jurídico. No âmbito da segurança externa, pretende dobrar o número de reservistas das forças armadas e aumentar a cyber-segurança do país, uma resposta à Guerra da Ucrânia, pois, como explicitou na coletiva do dia 17 de março, serviria “para poder enfrentar uma guerra de alta intensidade, que pode voltar ao nosso continente”. Nesse caso, vale ressaltar o papel que Macron tentou desempenhar antes do início do conflito, como um mediador entre a Rússia e a Ucrânia, para amenizar as tensões entre ambos os países. Com isso, entra também a questão de fortalecer a UE militarmente, para além da OTAN, apesar dela ainda ser parte importante para a defesa do continente.
E como fica a relação Brasil-França?
Com a vitória de Macron, a relação entre França e Brasil continuará a mesma do que nos últimos 5 anos, sem ter avanços significativos ou maior aproximação. Durante o primeiro mandato de Macron, houve diversas divergências entre o governo de ambos países, uma vez que o presidente Bolsonaro entrou em atrito tanto com a França quanto com o próprio presidente francês, principalmente em se tratando da pauta ambiental e, até mesmo, por questões pessoais. Dessa forma, qualquer avanço em acordos, como o caso do acordo entre Mercosul-EU, foram desacelerados. Além disso, também é possível observar a pouca aproximação de Macron com a América Latina como um todo, pois não realizou nenhuma visita oficial aos países da região e nem mesmo concretizou novos projetos e acordos com outros países latinos.
Atualmente, o presidente brasileiro vai de encontro com diversos valores que são pregados na França. O Brasil deixou de lado a sua tradição de política externa, que é próxima da agenda francesa, e internamente o desrespeito às instituições democráticas, aos direitos humanos e até na questão ambiental.
O presidente Emmanuel Macron junto ao presidente brasileiro Jair Bolsonaro, respectivamente, durante as reuniões da Cúpula do G20 em Osaka, Japão em 2019 - Foto: BRENDAN SMIALOWSKI
Além disso, Macron representa continuidade do projeto francês dos últimos cinco anos, então não haverá ruptura e instabilidade, o que seria um ponto negativo para as trocas comerciais brasileiras. Logo, Emmanuel Macron tem inúmeros desafios pela frente. Cabe ao francês, propor reformas impopulares, governar para um país ramificado e abalado ainda pela covid-19, estabilizar a UE e garantir um caminho que não acabe nos extremos; talvez o mundo precise disso.
Bibliografia
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Com Macron ou Le Pen presidente, relações entre França e Brasil devem continuar frias, apontam especialistas. G1. 23 de abr de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/google/amp/mundo/noticia/2022/04/23/com-macron-ou-le-pen-presidente-relacoes-entre-franca-e-brasil-devem-continuar-frias-apontam-especialistas.ghtml> Acesso em: 24 de abr de 2022.
Confira as principais propostas de Macron na campanha de reeleição. G1. 24 de abr de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/24/confira-as-principais-propostas-de-macron-na-campanha-de-reeleicao.ghtml> Acesso em: 24 de abr de 2022.
França: Macron x Le Pen de novo no 2° turno. Locução de: Renata Lo Prete. G1. 14 de abr de 2022. O Assunto. Disponível em: <https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/04/12/o-assunto-684-franca-macron-x-le-pen-de-novo-no-2-turno.ghtml> Aceso em: 24 de abr de 2022.
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Plano para 2° mandado de Macron aumenta gasto militar e prevê UE forte. Folha. 17 de mar de 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/plano-para-2o-mandato-de-macron-aumenta-gasto-militar-e-preve-ue-forte.shtml> Acesso em: 24 de abr de 2022.
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