top of page
Writer's picturePET-RI PUC-SP

Iniciativas não estatais para o combate à violência em El Salvador

Updated: Mar 30, 2021

Imagem em destaque: CEPREV


Por Melina Mayrink

Atualmente, El Salvador vivencia um cenário de violência social que o situa no topo da lista de países mais violentos do mundo. Tal fenômeno, no entanto, nada tem de atual. Ele data de décadas atrás e tem origem fundamental nas instituições do Estado, criadas para controlar a população, e na necessidade histórica de construção de um inimigo por parte das elites no poder. O que se observa em El Salvador é um projeto de paz violento, o qual é guiado pela manutenção da violência estrutural e baseado, sobretudo, na repressão aos agentes tidos pelo governo como “ameaças” à ordem nacional.


As políticas implementadas no final do conflito bélico no país (após 1992) não se preocuparam com a realização de uma transformação social que evoluísse para reformas sistêmicas em âmbito estatal. Pelo contrário, optaram por privilegiar uma disseminação de controle sobre a sociedade e, nesse processo, o Estado adotou um papel omisso quanto aos aspectos estruturais e de repressão. O sentimento de insegurança generalizada que predominou no pós-guerra provocou reações da sociedade civil em apoio às medidas repressivas do Estado, como movimentos e decretos a favor do endurecimento de leis penais e apoio à proliferação das agências de segurança e venda de armas (Cruz et. all, 1997).


No entanto, ao mesmo tempo, observa-se a insurgência de iniciativas não estatais voltadas para analisar o fenômeno da violência em El Salvador, e é justamente nessa questão que o presente artigo se deterá. Partindo de uma breve descrição das dinâmicas da atuação repressiva estatal na região, apresentaremos algumas das propostas da sociedade civil para abordar o fenômeno da violência no Triângulo Norte da América Central, especialmente em El Salvador, e teceremos algumas reflexões finais sobre sua importância para ajudar na superação dos desequilíbrios sociopolíticos que marcam o país.


Políticas de Tolerância Zero

Nos últimos anos, a repressão estatal tem se alimentado do medo generalizado dos salvadorenhos. Nessa sociedade, onde as classes dominantes temem perder seus privilégios e as menos favorecidas se sentem indefesas diante da criminalidade, emerge um sentimento de defesa de medidas autoritárias de contenção da delinquência, que marca, de forma predominante, a população jovem aliada a gangues. Partidos políticos se beneficiam dos temores compartilhados pela sociedade civil e definem estratégias de combate à juventude marginalizada, alegando que a repressão militar e o encarceramento em massa são formas eficientes para proteger a população contra os perigos que essas gangues constituem.


O sentimento de ameaça inspirado pelas gangues na região levou a uma coordenação de políticas de tolerância zero entre El Salvador, Guatemala, Honduras e Estados Unidos, configurando um processo de transnacionalização do combate ao crime. Em El Salvador, as respostas estatais ao fenômeno, longe de tratarem o problema em sua raiz, promovem um processo de “apartheid social” (PROCESO, 2003). O discurso governamental rejeita as soluções integrais e opta por medidas que, além de serem prejudiciais à sociedade como um todo, são vendidas como a única saída para garantir a tranquilidade da população.


Essas políticas estatais levaram à adoção de lógicas de guerra que se traduzem em estratégias de controle de jovens menos favorecidos. O “Plan Mano Dura”, reproduzido no Triângulo Norte, constitui uma política baseada em um projeto de paz violento que securitiza jovens pobres de países periféricos, despolitiza a violência e busca controlar ameaças. Algumas das políticas institucionalizadas para o encarceramento desses indivíduos escapam das diretrizes dos mais básicos direitos humanos.

Iniciativas não estatais para o combate à violência em El Salvador

Partindo da premissa de que as respostas estatais ao fenômeno das gangues são desenhadas especificamente para a perseguição a esses grupos e que, além de colaborarem com o aumento do poder da polícia, também colocam em xeque os direitos humanos dos jovens abordados, surgiu, da sociedade civil, uma série de iniciativas voltadas para uma abordagem social do problema das gangues. As ações envolvem diferentes tipos de programas em matéria de atenção, assistência humanitária, educação não formal, desenvolvimento econômico e social, promoção e difusão dos direitos humanos e atenção prioritária a setores marginalizados (CUBILLOS, 2017, p. 5). A seguir, serão expostas algumas dessas organizações.


1. Coalición Centroamericana para la Prevención de la Violencia Juvenil (CCPVJ)

A CCPVJ é integrada por um grupo de organizações provenientes de diversos setores de El Salvador, Honduras e Guatemala. Criada em 2005, tem como objetivo a promoção da prevenção como eixo fundamental das políticas públicas de atenção ao problema da violência juvenil (CRUZ, 2001, p. 18). Atualmente, conta com 22 organizações da sociedade civil de Honduras, Guatemala, El Salvador e Nicarágua. Sua atuação tem lhes permitido incidir diretamente nas políticas nacionais e regionais, além de receberem o apoio de diversas agências de cooperação internacional (CUBILLOS, 2017, p. 6).


Em relatório datado de 16 de novembro de 2007, a CCPVJ constata o fracasso da implementação de medidas violentas por parte dos países do Triângulo Norte da América Central. O “Plan Escoba” na Guatemala, “Cero Tolerancia” e “Libertad Azul” em Honduras e o “Plan Mano Dura” e “Súper Mano Dura” em El Salvador, além de não incluírem uma mudança concreta nas políticas e programas públicos estatais, não fizeram mais do que aumentar os níveis de violência nos países.


Diante dessa situação de conflito social, a CCPVJ se apresenta como uma “iniciativa regional e interdisciplinar que quer expressar sua preocupação pela situação atual da violência que afeta nossos jovens” (CCPVJ, 2007, p. 4; tradução nossa). Denunciam infrações aos direitos humanos fundamentais nos exercícios de políticas de repressão aos jovens e a carência de uma política integral estatal para combater o fenômeno. Além disso, ressaltam a existência de uma cultura de impunidade que é omissa ao não investigar e sancionar os responsáveis por muitos dos crimes cometidos nas operações policiais e das Forças Armadas.


O impacto da CCPVJ não tem se limitado ao âmbito local, mas se expande em nível regional. Através da conformação de um espaço de discussão e de compartilhamento de propostas, ideias e experiências, a coalizão propiciou uma série de intervenções por parte dos governos locais, ONGs e organizações comunitárias (CUBILLOS, 2017). Assim, nos últimos anos, a organização conquistou um grande número de esforços de promoção de cooperação internacional para a prevenção da violência. O relatório de 2007 termina com a seguinte declaração:


“Portanto, fazemos um chamado aos Estados da região para que assumam o compromisso de proteger o direito à vida de nossas crianças e jovens, e gerar as condições necessárias para prevenir e reduzir a violência que afeta a juventude. Isto também implica implementar políticas integrais de atenção com foco nos direitos humanos, e com uma forte ênfase na prevenção, reabilitação e (re)inserção social. Consideramos também importante que os e as jovens sejam considerados na elaboração de políticas públicas tendentes a seu bem-estar e seu desenvolvimento” (CCPVJ, 2007, p. 4; tradução nossa). 


2. Movimiento de Jóvenes Encuentristas (MOJE)

Esta organização não governamental de El Salvador é voltada para a implementação de projetos geradores de oportunidades para os jovens. Em seu site oficial, apresentam-se como “uma Associação sem fins lucrativos de desenvolvimento humano e econômico que contribui para a prevenção da violência juvenil, implementando programas e projetos produtivos, de inserção laboral, com participação da juventude em risco e exclusão social” (MOJE, 2020; tradução nossa). Partindo de uma visão holística, o movimento compreende que o problema da delinquência não é um fenômeno isolado, e sim fruto da marginalização histórica direcionada a determinados grupos sociais.


O MOJE começou suas atividades com jovens ex-membros de gangues e com jovens em risco de exclusão social localizados na zona rural de Ilobasco, nos arredores da capital San Salvador. Atualmente, continua seu trabalho com esses perfis e definiram três programas de atuação: compra e venda de artesanato, programas de capacitação técnico-empresariais com colocação laboral e programas de treinamento e educação (DESTINY’S CHILDREN, 2020). Nesse sentido, as iniciativas do MOJE buscam promover o desenvolvimento humano para jovens que se encontram nessas situações.


3. Centro de Prevención de la Violencia (CEPREV)

Fundado em 1997 na Nicarágua, o CEPREV consiste em uma organização sem fins lucrativos que visa a aplicação de um modelo de prevenção da violência. Sua estratégia envolve a integração de esforços com outros países da América Central e da América do Sul, e, até o momento, estima-se que tenha conseguido impactar cerca de 50 mil pessoas da região no que se refere à melhora da qualidade da educação, dos serviços de atenção às vítimas da violência, à diminuição da violência familiar e à prevenção em si do fenômeno nos Estados. Além disso, contribui com a conscientização sobre as causas e consequências da violência.


Orientado pela construção de uma cultura de paz, aspira promover transformações individuais, familiares e sociais para conquistar esse objetivo. Partindo de uma iniciativa integral, “impulsa uma intervenção psicossocial em diversas comunidades afetadas pela violência e forma multiplicadores de seu modelo entre docentes, policiais, líderes comunitários e/ou religiosos, jornalistas, funcionários do Estado e da sociedade civil, tanto na Nicarágua como na região centro americana” (CEPREV, 2020; tradução nossa).


Alguns de seus projetos são: Projeto Prevenção da Violência na Guatemala, El Salvador e Nicarágua (2012-2015); Prevenção da Violência Juvenil e formação de multiplicadores no modelo de prevenção da violência do CEPREV (2013-2015); e Construindo masculinidades livres de violência (2013). O primeiro busca a prevenção da violência na Guatemala, El Salvador e Nicarágua, nos âmbitos comunitário, escolar, institucional e penitenciário, através da complementação de políticas públicas mais eficazes e o desenvolvimento de capacidades institucionais no Estado e na sociedade civil (CEPREV, 2020). O segundo tem como objetivo o fortalecimento da intervenção na prevenção da violência intrafamiliar, juvenil e escolar no bairro René Cisneros, em Manágua, onde se observou uma efetiva queda dos delitos. Por fim, o terceiro é voltado especificamente para a prevenção da violência contra a mulher e a criança. Todas elas têm em comum a execução de ações psicossociais e organizações comunitárias.


Olhando para o futuro

Embora a articulação propiciada por iniciativas não estatais para um combate estrutural à violência possua impactos significativos em âmbito regional, ainda há um longo caminho pela frente no que se refere à conquista de protagonismo em nível governamental. O ativismo político deve seguir promovendo campanhas e abordagens humanísticas para o problema da violência do país para que, cada vez mais, adquira espaços de comunicação com os tomadores de decisão para colaborar na formulação e efetivação de políticas públicas. A implementação de políticas integrais, sistemáticas e permanentes por parte do Estado, com uma coordenação interinstitucional estruturada, é fundamental para a superação dos violentos embates entre as elites no poder e os marginalizados. É necessário oferecer a esses jovens oportunidades de inserção social, econômica e cultural.


O problema da violência em El Salvador adquiriu tamanha proporção que exige a formulação de políticas de Estado integrais, sistemáticas e permanentes. As respostas fragmentadas e repressivas colocadas em prática através das políticas de tolerância zero, como foi discutido, nada mais fizeram do que violar direitos humanos, superdimensionar o poder policial e aumentar os índices de criminalidade no país. A insurgência de atores não governamentais que lutam pela contenção dos níveis de violência na região e contra a criminalização das maras constitui um importante passo para a conscientização da sociedade civil acerca do fenômeno da violência como reflexo de uma estrutura falha dos Estados nacionais.


A consolidação das gangues que dividem o domínio da força no país com o Estado permite refletir acerca da coexistência de dois tipos de soberania: uma estatal e outra social. Observa-se uma contraposição à concepção weberiana de Estado, já que as forças sociais se utilizam dos meios violentos para criar novos modelos de ordenamento. Nesse sentido, em localidades onde há ausência de um Estado social, é comum que surjam forças extraoficiais minimamente organizadas e capazes de exercer os encargos de mando e obediência. As citadas organizações da sociedade civil, dessa forma, propõem uma abordagem diferente para o problema da violência na região e pretendem superar, no futuro, os desequilíbrios sociopolíticos que historicamente têm transformado o Triângulo Norte em um vértice de violência.


Referências bibliográficas

CCPVJ. Disponível em:

CUBILLOS, M. A. La Coalición Centroamericana para la Prevención de la Violencia Juvenil (CCPVJ): una articulación de los esfuerzos no estatales para atender el problema de las pandillas juveniles en El Salvador 2005 – 2016. 2017. Disponível em: <https://repository.urosario.edu.co/bitstream/handle/10336/18814/TRABAJO%20DE%20GRADO%20MARIA%20ALEJANDRA%20AHUMADA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.

CEPREV. Disponível em: <http://www.ceprev.org/&gt;.

CRUZ, J. M. El origen de la violencia. El Faro. 11/06/2011. Disponível em: <https://elfaro.net/es/201101/opinion/3439/&gt;.

____________. Maras y pandillas en Centroamérica: Las respuestas de la sociedad civil organizada. 2001. Vol. 4: UCA Publicaciones.

CRUZ, J. M., GONZÁLEZ, A., ROMANO, E. y SISTÍ, E. De la Guerra al Delito: evolución de la violencia en El Salvador. En: J. L. Londoño, A. Gaviria y R. Guerrero (Eds.). Asalto al desarrollo: violencia en América Latina. Washington: Banco Interamericano del Desarrollo, 2000, p. 173-203.

DESTINY’S CHILDREN. El Salvador: Movimiento de Jóvenes Encuentristas. Disponível em: <http://www.destinyschildren.org/es/how-to-help/local-initiatives/el-salvador-moje/>.

PROCESO (2003), ‘Plan “Mano Dura”: Violencia Estatal Contra las Maras’, Revista Envio, 258.

1 view0 comments

Commentaires


bottom of page