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Hashtag Activism: mobilização popular e disputas narrativas na #BlackLivesMatter

Updated: Apr 2, 2021

Foto em destaque: Toni L. Sandys/The Washington Post via Getty Images


Por Larissa Pinz


18 de Maio de 2020. Complexo do Salgueiro, Rio de Janeiro, Brasil

João Pedro, adolescente negro de 14 anos, é morto com tiros de fuzil dentro de casa, enquanto brincava com os primos, por uma operação policial da polícia Federal e Civil.

25 de Maio de 2020. Minneapolis, Minnesota, EUA

George Floyd, homem negro de 46 anos, é morto asfixiado por um policial branco que ajoelhou-se sobre seu pescoço por quase 8 minutos, durante uma abordagem por George supostamente usar uma nota falsificada de vinte dólares em um supermercado.


(Arte: Rote)

Em maio e junho deste ano, vimos o movimento #BlackLivesMatter, que começou em Minneapolis, EUA, se tornar global por meio da internet, com protestos e mobilizações populares em dezenas de cidades ao redor do mundo após a morte de George Floyd pelo policial extremista branco, Derek Chauvin. No Brasil não foi diferente, a hashtag traduzida para o português #VidasNegrasImportam provocou um debate sobre o racismo e a necropolítica do Estado brasileiro, ao mesmo tempo em que solidarizava a morte de João Pedro – adolescente negro que recebeu em uma operação policial tiros de fuzil na barriga enquanto brincava com os primos em sua casa, no Complexo do Salgueiro, Rio de Janeiro.


Em um mundo globalizado, que por um lado traz o fortalecimento do capitalismo neoliberal, por outro também permite a maior circulação de informações em tempo real, possibilitando a mobilização popular em âmbito global. É neste contexto, que as relações entre a sociedade civil começaram a ser travadas nas redes virtuais e posteriormente extrapolaram a Internet para um impacto no mundo offline. Quando os sites de redes sociais tornaram nossas fontes principais de notícias e informações em tempos de crise, criou-se um espaço chave na internet para debates e discussões da sociedade civil. O engajamento cívico em questões políticas e sociais tomou uma nova forma com o surgimento deste local e a exemplo disso, o ativismo digital surgiu como um meio mobilizador de causas e movimentos sociais.


Para o movimento social Black Lives Matter, o ativismo de hashtag precedeu a organização formal e foi fundamental para estabelecer laços e mobilizar recursos externos offline, aumentando assim o alcance e a influência do movimento ao possibilitar maior participação da sociedade civil na questão. Ao mesmo tempo, provocou uma discussão em torno da eficácia e vitalidade do uso das mídias sociais e seus mecanismos, principalmente o uso da hashtag, como um meio para o engajamento social e político no mundo.


O novo campo de batalha

As mobilizações populares se constroem em torno de um objetivo comum ou de muitos objetivos difusos ao despertar na sociedade civil a necessidade de dar visibilidade à uma causa social, possibilitando que alguns países, pelo exemplo de outros, também busquem a mobilização popular como forma de expressar os desejos de um povo ou um grupo específico. Muitos países têm se mobilizado socialmente da mesma forma, por meio da internet com as redes sociais, que se utilizaram de uma mesma ferramenta, a hashtag. Com isso potencializaram não apenas a mobilização das pessoas em grande número, mas também movimentos articulados em várias cidades ao mesmo tempo, ou em tempos bastante próximos, e com temáticas parecidas. (Halbritter & Neto, 2015)


Hashtag Activism, ou aqui traduzido para o português como Ativismo de Hashtag, atravessa uma variedade maior de tópicos, abrangendo mais de uma só causa e reivindicação, formando um caráter comum e coletivo ao possibilitar a participação de pessoas de todo o mundo em movimentos que podem não ocorrer necessariamente perto deles. No meio online as participações da sociedade civil nos movimentos sociais são diferentes, as pessoas participam lendo, compartilhando e comentando em outros posts, é uma participação fluida, pois os usuários podem participar diretamente (ou seja, usar a hashtag), observar de longe (apenas seguir uma hashtag) ou interromper a direção da hashtag se essa desvia-se das reivindicações do indivíduo.


Uma das funções mais notáveis da tecnologia digital para o ativismo é sua capacidade de facilitar a atenção generalizada às questões sociais e políticas, isso porque o uso da tecnologia digital como ferramenta de ativismo ajuda a atrair a atenção externa e amplia a esfera de influência às ações offline com pouco ou nenhum custo. Essas mobilizações sociais iniciadas pelas redes virtuais por meio de hashtags, atravessam fronteiras, atingindo nível global com uma política transnacional de representação, como no Brasil com o #VidasNegrasImportam, indicando a constituição das redes virtuais como efetivas redes sociais de participação. Por outro lado também revelam um novo campo de batalha ao indicar a desnecessidade do engajamento individual e formal em movimentos sociais para que haja participação nas mobilizações, nem todos os indivíduos que postaram a hashtag #BlackLivesMatter são membros ou ativos da organização BLM.


A importância das agências narrativas

Em 26 de fevereiro de 2012, o afro-americano Trayvon Martin, de 17 anos, foi morto a tiros por George Zimmerman, um autoproclamado “capitão de vigia de bairro”, em nome de legítima defesa. Após a absolvição de Zimmerman em 2013, ativistas do movimento negro como Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi reagiram postando #BlackLivesMatter em suas respectivas redes sociais. Ao refletir sobre suas motivações para começar o #BlackLivesMatter, Garza explica que a hashtag foi projetada para “conectar pessoas que já estão comentando sobre esse assunto” e “oferecer uma alternativa, uma mensagem inspiradora: vidas negras importam”. (Zulli, 2020)

Protesto por justiça pela morte de Trayvon Martin (Foto: Julie Fletcher)

Fundadoras do Movimento Social Black Lives Matter: Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi (Foto: Jemal Countess via Getty Images)

Movimento Social Black Lives Matter

Em uma discussão crítica da #BlackLivesMatter, Guobing Yang (2016) ao considerar agência narrativa[1] como “a capacidade de criar histórias nas mídias sociais usando hashtags de uma maneira que seja coletiva e reconhecida pelo público” (p. 14), mostrou como o ativismo de hashtag tem um caráter narrativo distinto que inclui contar histórias, maior personalização e a criação de um coletivo. Como esses comentários, posts e retweets consistem em inúmeras histórias pessoais e aparecem em ordem temporal, eles assumem uma forma narrativa ao sinalizar suas experiências como parte de uma conversa social e política mais ampla que vai além da participação offline. A agência narrativa é, portanto, central para o ativismo de Hashtag.


Parte da arte de uma narrativa hashtag coletiva deriva de sua versatilidade de formas expressivas. Além das práticas comuns de twettar e retweetar, a publicação em si assume diferentes formas. Existem fotografias, artes, slogans e cartoons. Existem links para perfis, notícias, vídeos, músicas e doações. No meio dessas histórias personalizadas, mas ainda sim engenhosas, uma narrativa de protesto é criada e levada adiante. Diferentemente de um protesto que usa o corpo como modo de argumento, o ativismo digital centraliza seus esforços no discurso. A narrativa se torna coletiva e ao mesmo tempo particular, se distinguindo estrutural e discursivamente das táticas offline, como participar de um protesto, deixando claro que as narrativas construídas à medida que as mobilizações ocorrem, resultam em muitas vozes que contribuem para movimentos sociais e políticos ao mesmo tempo.


O ativismo de Hashtag também se tornou uma maneira de controlar a narrativa de questões e movimentos sociais que foram negligenciados ou representados negativamente pela mídia tradicional, e precisam recorrer a meios digitais para terem suas vozes ouvidas, buscando divulgação de suas causas e obtenção de apoio internacional. Assim, é importante examinar como e por que o ativismo online se tornou relevante para populações específicas.

Certamente não é coincidência que os grupos com maior probabilidade de sofrer brutalidade policial, de ter seus protestos depreciados como atos de “tumultos” ou “saques” e serem deturpados na mídia são precisamente aqueles que recorrem ao ativismo digital nas taxas mais altas. Bonilla, Y., & Rosa, J. (2015) em “Ferguson: Digital protest, hashtag ethnography, and the racial politics of social media in the United States.”

Apropriação discursiva e disputas narrativas

Um dos desafios observados no ativismo de Hashtag é a apropriação lexical (as palavras usadas na hashtag) e simbólica (o significado ideológico dela). (Zulli, 2020) A apropriação se relaciona diretamente com o poder, seja ela feita de baixo para cima, onde grupos reservados de direitos em comparação a seus opressores sugerem retomada do poder; ou na apropriação de cima para baixo, onde as culturas dominantes cooptam de um grupo oprimido, representando uma apropriação feita a partir da posição de poder e privilégio.

Essa apropriação é particularmente proeminente no ativismo de Hashtag porque contar histórias e experiências personalizadas, em comparação com protestos incorporados ou assinatura de petições, são o modo dominante de argumentação. (Yang, 2016) A apropriação discursiva está em ação nas interações de #BlackLivesMatter, #BlueLivesMatter e #AllLivesMatter. As hashtag #BlueLivesMatter e #AllLivesMatter surgem em oposição à original e desafiam sua narrativa construída ao comparar assimetricamente a importância das vidas policiais e todas as vidas com as vidas negras, desviando o foco da mobilização social e a raiz de seus problemas.


“Nosso movimento é tudo o que temos. Nós não vamos permitir que alguém distorça nossa mensagem ou mude nosso foco. Isto é sobre VIDAS NEGRAS” (Via Twitter)

“Se você é anti-policial: eu sou ‘família azul’, me remova dos seus amigos. #BlueLivesMatter” (Via Facebook)

“É ‘toda a vida importa’. Porque há pessoas sendo mortas por religião também.” (Via Twitter)

A hashtag #BlueLivesMatter construiu uma narrativa de que o movimento Vidas Negras Importam estava denegrindo e colocando em risco os policiais com sua retórica, faltando com respeito pelos agentes responsáveis pela segurança dos cidadãos americanos, deteriorando ainda mais o respeito do público pela polícia. O #AllLivesMatter tentou desafiar o #BlackLivesMatter, sugerindo que “priorizar” uma vida em específico não é uma forma de igualdade e que a hashtag apenas promoveu uma superioridade das vidas negras sobre as outras. Em resposta a isso, a hashtag “todas as vidas importam” argumenta que toda vida, independente de raça, etnia, religião, gênero ou orientação deve ser valorizada. Ao fazer isso, Carney (2016) argumenta que #AllLivesMatter despolitizou e desracializou a especificidade de #BlackLivesMatter. Os críticos do #AllLivesMatter disseram que essa hashtag era desdenhosa, racista e ignorava uma longa história de discriminação racial.

Primeiro, as hashtags #BlueLivesMatter e #AllLivesMatter utilizaram uma estrutura lexical semelhante, todas as três usando “Vidas Importam” e, assim, se aproveitaram do espaço já estabelecido por #BlackLivesMatter, com algumas pequenas alterações para atender a seus objetivos e argumentos. As hashtags são semelhantes, pois implicam a cor como representativa de um determinado grupo (ou seja, azul ou preto), expressam profundas frustrações pelas atuais relações policiais e sociais e procuram conscientizar o desrespeito e a difamação de certas vidas, ainda que em comparação desigual entre elas. A contestação dessas hashtags nas mídias sociais estimulou as tensões raciais online e offline, desviando ainda mais a atenção das raízes sistêmicas do racismo denunciadas pela hashtag #BlackLivesMatter. Ao invés da discussão se centrar no racismo e na necropolítica do Estado por meio das opressões policiais nos Estados Unidos, a comunidade negra precisou gastar tempo explicando nas redes sociais o porquê de não podermos comparar igualmente as vidas negras com outras e o racismo que as outras duas hashtags carregam em seu discurso.

Depois da hashtag

Além do desafio da apropriação discursiva, também é observado no ativismo por Hashtag a tendência à participação esporádica e episódica, seu uso aumenta periodicamente em torno dos eventos do mundo real e somem rapidamente da mesma maneira que aparecem. Esse tipo de movimento nasce nas redes, ganha as ruas, nas ruas continua conectado e então, volta às redes de novo toda vez que a mesma demanda reaparece e se faz necessária a mobilização popular, isso nos faz refletir o porquê de ainda usarmos em 2020 a mesma hashtag criada em 2013.


Muitos autores argumentam que o uso digital para ativismo é considerado como complementar do ativismo tradicional e offline do que um ato totalmente revolucionário. Ou seja, muitas formas de protesto na Internet, como hackers em sites, bombardeios por e-mail ou protestos virtuais frequentemente ativados por hashtags, apenas replicam formas de protestos offline, como demonstrações físicas, protestos, bloqueios e etc. Em outras palavras, a internet não criou essas estratégias, mas simplesmente aumentou a visibilidade desses esforços.


No contexto da mobilização entorno do Black Lives Matter, sugere-se que as mídias sociais, por si só, não podem construir ou sustentar movimentos de mudança social. Uma coisa é que os usuários em meio online tweetem sua indignação inúmeras vezes após assassinatos policiais de pessoas negras, e outra é que políticas públicas e reformas significativas sejam desenvolvidas e aplicadas em resposta. Porque, embora uma força das hashtags seja a conscientização de questões que de outra forma poderiam passar despercebidas, essa conscientização geralmente resulta de envolvimento esporádico em torno de incidentes específicos, como a morte de George Floyd nos EUA e de João Pedro no Brasil.

Opal Tometi, uma das fundadoras do Movimento Social Black Lives Matter, levanta outro ponto para a discussão. Em uma entrevista concedida ao jornal The New York Times sobres os protestos e mobilizações nos Estados Unidos pela morte de George Floyd, ao ser perguntada sobre a participação em massa da população americana branca, afirma ter um receio de que essa mobilização “possa acabar sendo uma tendência“.

“Quando as publicações nas mídias sociais desaparecerem, as ações e a convicção das pessoas por mudanças também desaparecerão?” Opal Tometi, 35 anos, para o New York Times

Anthony Beckford, presidente do Black Lives Matter Brooklyn, foi outro entrevistado para a matéria do The New York Times. Anthony nos traz a questão de que no meio online grupos específicos, dotados de privilégios, podem ter vantagens ao espalhar uma mensagem ou compartilhar uma causa, por terem suas vozes sempre ouvidas. Mas deixa claro que a luta continua sendo dos movimentos negros, e brancos não podem simplesmente aparecer e assumir o comando das narrativas construídas dentro do Black Lives Matter.

“Nossa luta é nossa luta. O privilégio deles pode ampliar a mensagem, mas eles nunca podem falar por nós ” Anthony Beckford, 38 anos, para o New York Times

A partir da mídia a sociedade civil pode desafiar poderes e regimes. Com as mobilizações populares em âmbito global construídas por meio da internet torna-se muito mais difícil para os governantes manterem a legitimidade controlando a esfera pública, mas a questão é sobre como de fato provocar uma mudança. Os ativistas que fizeram uso tão eficaz da tecnologia para reunir apoiadores ainda precisam descobrir como converter suas ações de forma a ampliar e perdurar o impacto das suas mobilizações, para que uma causa levantada na internet não seja apenas uma tendência ou uma hashtag bonita que enfeitará nossos perfis nas redes sociais.

 

Notas

[1] Narrative Agency: termo definido pela teórica Karlyn Campbell como “A capacidade de agir, ou seja, de ter a competência de falar ou escrever de uma maneira que seja reconhecida ou atendida por outras pessoas na comunidade.” E aplicado no ativismo de Hashtag pelo autor Guobing Yang como “a capacidade de criar histórias nas mídias sociais usando hashtags de uma maneira que seja coletiva e reconhecida pelo público.”


Referências

Earl, J. (2015). The Future of Social Movement Organizations: The Waning Dominance of SMOs Online. American Behavioral Scientist , 35-52. Halbritter, L. d., & Neto, M. I. (2015). Mobilização para além das fronteiras: semelhanças transnacionais dos movimentos sociais de origem virtual pelo mundo. Ciências Sociais Unisinos, 353-360. Katemari, R. (2019). Race, Gender, and Sexual Minorities in Physics: Hashtag Activism in Brazil. Em M. Pietrocola, Upgrading Physics Education to Meet the Needs of Society (pp. 221-238). Springer Cham. Lijiam, S. (4 de Setembro de 2019). Through Hong Kong protests, social media has become a battleground. Fonte: The Queen’s University Journal: https://www.queensjournal.ca/story/2019-09-04/pop-culture/through-hongkong-protests-social-media-has-become-a-battleground/ Sayuri, J. (7 de Março de 2019). Os 20 anos da ‘Batalha de Seattle’. E por que o protesto foi um marco. Fonte: Jornal Nexo: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/07/Os-20-anos-da%E2%80%98Batalha-de-Seattle%E2%80%99.-E-por-que-o-protesto-foi-ummarco Schradie, J. (3 de Novembro de 2014). Bringing the Organization Back In: Social Media and Social Movements. Fonte: Berkeley Journal of Sociology: http://berkeleyjournal.org/2014/11/bringing-the-organization-back-in-socialmedia-and-social-movements/ Stewart, N. (27 de junho de 2020). Black Activists Wonder: Is Protesting Just Trendy for White People? Fonte: The New York Times: https://www.nytimes.com/2020/06/26/nyregion/black-lives-matter-white-people-protesters.html?searchResultPosition=1 Thomas, C. (11 de Março de 2019). Hashtag Activism: Good or Bad for Civic Engagement? Fonte: Hastac: https://www.hastac.org/blogs/cbthomas/2019/03/11/hashtag-activism-good-orbad-civic-engagement Tufekci, Z. (19 de Março de 2014). After the Protests. Fonte: The New York Times: https://www.nytimes.com/2014/03/20/opinion/after-the-protests.html Yang, G. (2016). Narrative Agency in Hashtag Activism: The Case of #BlackLivesMatter. Media and Communication, 13-17. Zulli, D. (2020). Evaluating hashtag activism: Examining the theoretical challenges and opportunities of #BlackLivesMatter. Participations: Journal of Audience & Reception Studies, 197-216.

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