Por Gabriela Laborda Garcia e Maria Eduarda Bezerra Alonso - graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
Disponível em: DW Brasil. Acesso em: 24 abr. 2022.
A invasão russa à Ucrânia já se estende por quase dois meses. Iniciada em 24 de fevereiro deste ano, as tensões na região precedem essa data e remontam ao marco da anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e à contínua munição de grupos separatistas pró-Rússia na região de Donbass. As movimentações mais recentes que premeditaram o atual conflito se iniciaram em novembro de 2021, com a transferência de 100 mil soldados russos à fronteira ucraniana, sob a afirmativa de que treinamentos militares lá seriam realizados.
Após reconhecer a declaração de independência das regiões de Donetsk e Luhansk, sob a afirmação de que a população russa que vivia nessa região sofria violações de direitos humanos pelo governo ucraniano, Putin iniciou sua investida militar no território vizinho. Os ataques não foram restringidos às fronteiras, mas se avançaram por quase toda a Ucrânia.
Disponível em: Observador. Acesso em: 24 abr. 2022.
As respostas das potências ocidentais a essa guerra não demoraram a aparecer. A União Europeia e os Estados Unidos declararam forte apoio à Ucrânia, anunciando um “isolamento sem precedentes” à Rússia pela invasão e contribuindo militarmente com envio de armas e financiamento bélico a Kiev, incluindo pacotes americanos cuja soma beira aos US$ 3 bilhões, de modo a conter o avanço russo.
Ainda, são impostas pesados pacotes de sanções contra a Rússia. A União Europeia está a caminho de impor sua sexta rodada de sanções ao país, visando agora atingir o setor energético e o fornecimento de combustíveis fósseis por Moscou, que já havia sofrido com as restrições estadunidenses. No entanto, essa medida encontra obstáculos para sua execução plena devido à grande dependência europeia do abastecimento russo, que compõe 40% de todo o gás usado na UE.
No caso alemão, essa porcentagem é ainda maior. Mais da metade do consumo de gás natural do país vem da Rússia, assim como metade do fornecimento de carvão para Alemanha e ainda ⅓ de seu petróleo importado. O ministro de finanças alemão afirma ter sido um erro “tornar-se tão profundamente dependente das importações de energia da Rússia” e que pretende intensificar as sanções contra Moscou, mas que o corte imediato de todas as importações do setor energético causariam enormes danos à economia e população alemãs.
Estudos indicam ainda a possibilidade de recessão na Alemanha caso o fornecimento de gás russo fosse cortado, prevendo uma queda de 2% no crescimento do PIB alemão.
Parte dos industriais alemães se opõem à aplicação de sanções. O medo dessa classe é o impacto imediato sobre a produção industrial do país, uma vez que tal medida levaria à perda e paralisação da produção, mas também das consequências a longo prazo, pensando num contexto de desindustrialização. Os setores industriais mais preocupados são o químico e o siderúrgico, essenciais para o funcionamento de outras indústrias. Existe uma dificuldade do uso de outras fontes energéticas que não o gás para funcionamento de altos-fornos e outros processos industriais, o que impossibilita uma mudança energética que é cogitada para outras áreas.
Esse contexto ainda gera uma incerteza sobre a questão dos empregos, manifestada por líderes sindicais do país, que afirmam que a aplicação das sanções levaria milhares de trabalhadores ao desemprego. Pesquisas de institutos como o Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, o Instituto Ifo, o Instituto Kiel para a Economia Mundial, o Instituto Halle para Pesquisa Econômica e o RWI Essen oferecem apoio a esse receio e estimam em pesquisas recentes que esse número estaria perto dos 400 mil postos.
Isso não quer dizer que toda a classe industrial está desfavorável às sanções. A presidente da fabricante de máquinas Trumpf, Nicola Leibinger-Kammüller, declarou preferir “renunciar os negócios a renunciar à decência”, embora concorde que um embargo total traria grave recessão ao país. Segundo o German Business Panel da Universidade de Mannheim, 40% das empresas do país concordariam com essa posição favorável a sanções localizadas.
Simultaneamente ao debate interno, avançam as discussões da União Europeia a respeito do boicote às fontes energéticas russas. Embora o discurso de alguns países seja mais favorável a sanções mais pesadas que outros, o que foi prometido pela organização até o momento é o banimento total da importação de carvão russo – combustível cuja importação é modesta, em comparação ao gás e ao petróleo – até o mês de agosto, sendo que outras sanções à importação de energias fósseis foram aplicadas internamente em cada país.
A partir dessas pressões externas e internas, a Alemanha já conseguiu reduzir sua dependência à Rússia de gás de 55% para 40% e de carvão de 50% para 25%, após um acordo com o governo estadunidense para substituição de importações, e declara que eliminará até o fim de 2022 a compra de petróleo e até 2024 a de gás natural. Ainda, o país suspendeu a autorização para o gasoduto Nord Stream 2, que atravessa o continente para o fornecimento de gás russo para a Alemanha (duplicando sua a capacidade total para 110 biliões de metros cúbicos) e que teve sua construção de 1230 quilômetros de extensão concluída no final de 2021. Agora, a empresa responsável pelo projeto, subsidiária da estatal russa Gazprom, está prestes a declarar falência devido à sanção alemã em prol do governo ucraniano.
Neste momento, a Alemanha tenta apaziguar críticas internas e externas de cunho humanitário ao mesmo tempo que protege sua economia e, consequentemente, os empregos de milhares de trabalhadores alemães. Embora o governo tenha planos para que sejam gradativamente reduzidas as importações vindas da Rússia, essas medidas ainda são de longo prazo e, portanto, não satisfatórias numa lógica onde ações imediatas são requeridas para que funcione um boicote que de fato impeça a guerra.
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