Foto: Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images
Por: Giovanna Barreto, Henrique Rezende e Rafaela Ferreira - graduandos em Relações Internacionais pela PUC-SP e membros do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
O partido Novas Ideias, criado pelo presidente Nayib Bukele de El Salvador, possui maioria parlamentar e, nesse sentido, votou pela destituição de cinco magistrados da Câmara Constitucional da Corte Suprema de Justiça e do procurador-geral da República no dia primeiro de maio. Acusados de sentenças arbitrárias e conexões com o partido de oposição, os destituídos representavam uma barreira institucional às ações autoritárias do Executivo.
A comunidade internacional manifestou muitas preocupações com o acontecimento, enquanto no Brasil, Bukele recebeu elogios.
Antecedentes
Desde o fim da Guerra Civil, a qual causou mais de 65.000 mortes (JINKINGS, 2006) e deixou índices de criminalidade e violência assustadores, o cenário político do país foi dominado por dois partidos principais: o de direita conservador, Aliança Republicana Nacionalista (ARENA) e o de esquerda derivado da oposição durante a ditadura, Frente Farabundo Martí de Libertaccao Nacional (FMLN). Durante as últimas décadas esses dois atores se revezaram no poder, mas deixaram o país em uma situação delicada e a população descontente. Isso se deve, principalmente, aos altos níveis de violência e homicídio, assim como as denúncias de corrupção que levaram políticos de ambos partidos à cadeia.
Nesse contexto, a figura do político Nayib Bukele, do partido Nuevas Ideas (NI) surge como uma alternativa ao bipartidarismo tradicional. Sua campanha eleitoral de 2019 foi pautada na retórica de que ele é diferente dos “mesmos (políticos) de sempre”, ou seja, ele não é corrupto. Por sua juventude e alta presença nas redes sociais ele conseguiu apoio da população jovem do país. É importante destacar que a população salvadorenha não é politicamente ativa, sendo que apenas 51% das pessoas aptas a votar participam das eleições (Pacheco, Flores y Campos, 2021). Dessa forma, a figura de Bukele se mostrou como uma possibilidade de voto àqueles que não se interessavam por política, mas repudiavam a situação deixada pelos partidos tradicionais.
Em 2021, após dois anos do mandato de Bukele, são realizadas eleições para assembleia legislativa e prefeituras. O partido do presidente (NI), conseguiu maioria com 56 deputados eleitos, garantindo praticamente pleno poder para Bukele, já que a oposição se mostra fragilizada. Soma-se a esse número mais 5 deputados do partido Gran Alianza por la Unidad Nacional (GANA), o qual mantém uma coalizão com o NI, totalizando 61 parlamentares a favor de Bukele.
Além de que, agora, ele tem influência suficiente para decidir em outras instituições, como na Corte Suprema de Justiça. Entretanto, algumas irregularidades foram apontadas durante as eleições de 2021, pois Bukele é acusado de ferir o Código Eleitoral, ao não respeitar o silêncio eleitoral. Também é suspeito de "personificar” as votações, ao utilizar sua figura política para conseguir votos para seu partido. Isso pois, os candidatos de seu partido pouco fizeram durante a campanha: não tinham propostas concretas, nem participavam de debates, mas conseguiram maioria de votos simplesmente por estarem ligados ao presidente.
O governo de Bukele tem grande aprovação da população, devido ao sucesso ao conter a pandemia do Covid-19 e diminuir substancialmente os índices de homicídio, mas os meios pelos quais alcançou tais feitos são duvidosos. Em relação à pandemia, o presidente tomou medidas rigorosas, como fechar as fronteiras do país até mesmo para os cidadãos salvadorenhos que se encontravam em território estrangeiro. Ele também foi acusado de violar direitos humanos ao manter pessoas em centros de quarentena com condições insalubres e reprimir violentamente aqueles que não respeitaram as medidas de contenção da pandemia.
Quanto ao número de homicídios, de fato está contido, porém há indícios de que Bukele conseguiu tal proeza a fazer acordos e troca de favores com as gangues, visto que não há aumento significativo no número de prisões e de enfrentamentos entre a polícia e os criminosos. Além de que, apesar de menos mortes, as maras continuam atuando no país, controlando terras e extorquindo a população.
Fonte: BBC Brasil
O presidente tem chamado a atenção da mídia internacional por apresentar tendências autoritárias durante sua gestão. Ele critica abertamente e instiga os salvadorenhos a duvidar da eficácia e transparência das instituições do legislativo e do judiciário, mesmo não havendo provas concretas para tal. Também ataca os meios de comunicação independentes que criticam seu governo, acusando-os de fazerem parte da velha política. Sua gestão é pouco transparente em relação à prestação de contas, não obstante, investigações sobre corrupção em seu governo não são levadas à frente. É notório o crescimento da violência política no país, a exemplo do assassinato de dois militantes de esquerda do partido FLMN em janeiro durante um ato de campanha. Diante desses fatores, o mais preocupante é que Bukele conta com pleno apoio das Forças Armadas, o que foi evidenciado em fevereiro de 2020, quando militarizou a Assembleia Legislativa, tendo militares armados invadido o local, a fim de pressionar a aprovação de um empréstimo para seu plano de segurança.
Acontecimentos Recentes
Foto: Stanley Estrada/AFP
No mesmo dia, em sua primeira sessão, aprovaram a destituição dos cinco magistrados da Câmara Constitucional da Corte Suprema de Justiça (CSJ), por 64 votos contra 19 e um voto ausente. Alega-se que o motivo seja uma violação da Constituição por parte dos magistrados, os quais foram contra as medidas de combate à pandemia da COVID-19 do presidente Nayib Bukele, como o lockdown. Essas foram consideradas pelo CSJ violações de direitos individuais, por entenderem as medidas como uma forma de frear manifestações contrárias ao governo.
Cinco novos magistrados foram eleitos pelo Congresso para integrar a CSJ, ato que, segundo o presidente, satisfez povo. O mesmo pediu à comunidade internacional que não se envolvessem na “limpeza da casa”.
Outro cargo destituído foi o de procurador-geral da República, ocupado por Raúl Melara. Acusado de ser parcil por possuir ligações com a ARENA (Aliança Nacionalista Republicana), sigla adversária ao governo, foi destituído com 64 votos a favor, 7 contra, 11 abstenções e 2 ausentes. O ex-procurador-geral investigava desde setembro do ano passado a relação do presidente com a gangue Mara Salvatrucha. Agora o advogado Rodolfo Antonio Delgado é quem ocupa o cargo.
Seja como for, o partido Novas Ideias agora possui a maioria no senado, com 64 cadeiras das 84, e ações como essa podem voltar a acontecer e alarmam a comunidade internacional.
Os acontecimentos são vistos com preocupação e considerados um “golpe de Estado” pela oposição e pela imprensa. Os membros destituídos alegam em nota inconstitucionalidade na decisão e apontam um movimento de supressão da independência dos poderes estatais de peso e contrapeso necessários à democracia. Anabel Bollose, do partido de oposição FMLN, caracterizou as ações como um “golpe”.
Integrantes do governo estadunidense responderam rapidamente aos acontecimentos em El Salvador. A vice-presidente Kamala Harris expressou a preocupação da Casa Branca com o país pelo Twitter, afirmando que um judiciário independente é fundamental para uma democracia saudável. O secretário de Estado Antony Blinken declarou ter expressado preocupação com os acontecimentos em conversa particular com o presidente Bukele. Por sua vez, o assessor para a América Latina de Joe Biden, Juan González, expressou seu descontentamento com as demissões na Câmara em sua conta no Twitter.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu respeito às estruturas constitucionais, da repartição de poderes e do Estado de Direito, de maneira a “preservar o progresso democrático alcançado pelo povo salvadorenho”. Josep Borrell, alto representante da União Europeia para Relações Exteriores, disse que as ações do Congresso de El Salvador colocam em risco o Estado Democratico de Direito. Human Rights Watch e a Organização dos Estados Americanos estão entre os críticos dos acontecimentos no país.
Reações contrárias foram ironizadas pelo presidente, que afirmou: “Se eu fosse autoritário como dizem, os teria fuzilado e não destituído. O povo não nos enviou para negociar. Estão saindo, todos.”
Por outro lado, no Brasil, as ações de Bukele são aplaudidas. Em comentario à publicação do presidente salvadorenho no Twitter, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, após informar constitucionalidade das ações do Congresso, tuitou que juízes devem “julgar casos, se quiserem ditar políticas que saíam às ruas para se elegerem”.
Em reação, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, comentou que é “muito grave o comentário” feito por Eduardo. Dessa forma, é possível perceber, mais uma vez, a proximidade ideológica que a família Bolsonaro tem com regimes autoritários, flertando com tendências perigosas ao funcionamento pleno da democracia.
Controversamente, vale destacar, que o Brasil é um dos países mais negacionistas em relação à pandemia, tendo adotado poucas medidas de contenção, enquanto a destituição da Corte Suprema de Justiça salvadorenha tinha como princípio o controle e redução dos números de casos da COVID-19 e o país apresentou baixos índices de mortalidade pela doença. Isso mostra que Bolsonaro e Bukele são opostos ao tratar de questões da pandemia, apesar de comportamentos parecidos ao desafiar as instituições governamentais estabelecidas. Em anos anteriores, já houve ameaças sobre fechar o Supremo Tribunal Federal brasileiro, e até mesmo o Congresso Nacional, mas por motivos diferentes. Também acontecem atos contra ambas as instituições, promovidos pelo próprio presidente, caracterizando uma clara tendência a se livrar dos opositores, assim como aconteceu em El Salvador. O apoio popular também se mostra essencial, pois se legitima tais medidas e a população sente que seus demandas estão, de fato, sendo atendidas. Outra característica que aproxima Bukele a Bolsonaro é o de se mostrar como um “outsider”, alguém que luta contra as velhas estruturas da política do país, se opondo aos partidos tradicionais que são ligados a diversos escândalos. Tanto que ambos os presidentes acabaram saindo de seus partidos e fundando novos. Inclusive a própria argumentação usada por eles é parecida, onde os argumentos dos opositores são invalidados por serem considerados como membros da “velha política”.
Isso se soma ao fato de que a extrema direita tem se fortalecido ao redor do mundo, durante os últimos anos, conseguindo ascender ao governo de diversos países. Na América Latina o movimento não é diferente. Presidentes como Iván Duque (Colômbia), Sebastiàn Piñera (Chile) e o avanço de Keiko Fujimori nas eleições peruanas exemplificam esse cenário. Tais países enfrentam diversas ondas de revolta popular e, em resposta, repressão. Isso demonstra o frágil estado no qual se encontram as instituições democráticas destes países, incluindo Brasil e El Salvador, resultado de anos de descaso com a população e corrupção. Dessa forma, políticos da direita chegam ao poder de forma democrática, mas flertam com um cenário propício para permanecerem em suas posições, através de meios antidemocráticos, realizando o chamado “autogolpe”.
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