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Entrevista: professor José Manuel Pureza

Entrevista com o professor José Manuel Pureza sobre o atual contexto europeu.

José Manuel Pureza é professor de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra e participa de atividades de ensino e pesquisa no Departamento de RI da PUC/SP pelo programa professor visitante/Fapesp

Como fazer com que a União Européia seja uma união verdadeira, densa e estruturada?

Resposta:

A União Européia (U.E.) é uma união de Estados, e que, portanto, na política internacional, as boas intenções ocupam um espaço muito limitado. É imprescindível que se regresse àquilo que foi a grande aquisição, processo este em que foi colocado no centro o modelo de relacionamento entre o poder político e a economia, e um contrato social amplo— feito de reconhecimento de direitos econômicos, sociais e políticos— e, portanto, uma relação entre capital e trabalho que marcou a identidade do processo de formação U.E.

Esta identidade está sendo destruída, e substituída por um entendimento liberal que tem conseqüências sociais para a Europa, sendo que este fator está na base de um processo de retrocesso de integração causada pela distensão entre os países europeus.

Deste modo, esta deve ser a primeira idéia a ser levada em conta para se conseguir U.E. forte e verdadeira.

Existe a possibilidade de desintegração da U.E.? Ou esta situação é apenas o começo de uma nova fase?

Resposta:

Acho que é isso que está a acontecer. É o começo de uma nova fase, mas ela transporta em si o germe da desconstrução da União Européia. Porque nesta altura, não há tanto uma dinâmica de harmonização entre os vários Estados, há muito mais uma dinâmica de disciplina imposta por uns sobre os outros. E, portanto, a idéia de união perde sentido, perde intensidade. Ou seja, acho que a desintegração é um risco possível.

Vejamos o caso da Grécia, que é neste momento o caso limite. O que está a acontecer é uma crescente chantagem sobre a Grécia no sentido que se o povo da mesma, por decisão democrática, entenderem que não se deve seguir o caminho de uma recessão econômica, de uma austeridade sem fim, do crescimento de sua dívida, só restaria sair da zona do euro, e em última análise, portanto, da U.E.

Quando esta questão é colocada pelos principais responsáveis pelo eclipse da U.E. é que a idéia de desintegração passou a fazer parte do cenário. E estes responsáveis sabem que hoje é a Grécia, mas que se está em efeito de contágio, que amanhã, muito provavelmente será outro qualquer dos países que já estejam fragilizados. Portugal, que vem imediatamente a seguir, a Espanha que está em uma acentuada depressão, e depois veremos. Assim, a desintegração não é uma construção dramática, é uma realidade que está presente no cenário europeu.

Quais são os atores que estão a favor e quais estão contra em relação à questão da desintegração da U.E.?

Resposta:

Eu creio que há várias divisões dentro da U.E. a esse respeito. A primeira divisão muito importante é aquela que opõe hoje os Estados, os governos do norte da Europa— em destaque a Alemanha, mas também a Finlândia e outros países— que tem uma mentalidade de grande suspeita com relação aos países do sul, e, portanto, há uma idéia de que os povos do norte são muito virtuosos, trabalhadores, honestos, responsáveis; e os povos do sul são o oposto disso, ou seja, irresponsáveis, preguiçosos, desgovernados. Esta idéia entrou muito no senso comum, um discurso da rua em toda a Europa, que divide profundamente os povos da mesma. Esta divisão é uma armadilha, pois há portugueses de todos os tipos, assim como há alemães de todos os tipos também.

Depois, há fatos que são de resistência, e essa resistência vem de dois campos, que, aliás, se complementam muito freqüentemente. Por um lado, há grupos e partidos políticos em que a esquerda vem se contrapondo em relação à política de austeridade e à recessão. Logo, há uma esquerda que descola completamente da política atuante na U.E. critica e oferta uma alternativa, sendo sua prioridade  absoluta o investimento público, o emprego e o crescimento. É certo que há também uma extrema direita que está tendo um discurso crítico, mostrando descontentamento, mas que não oferece qualquer tipo de alternativa, a não ser uma alternativa tipo nacionalista, de fechamento e xenofobia. Portanto, este é o primeiro campo que inclui as organizações políticas, mas sobre tudo, uma esquerda que em todos os países da Europa— o caso da Grécia é muito claro isso— assume um pólo de resistência e alternativa.

Já no outro lado, há movimentos sociais que detém todas as características de mobilização social— muito informais, de estrutura variável, que aparecem e desaparecem, e com facilidade de fazer contato entre os vários países da Europa—, e que tem como grupo mais famoso o “indignados”, assim como o “occupy wall street” nos EUA. Estes movimentos estão a trazer para o debate público o questionamento destas orientações, que a meu ver, estão trazendo um perigoso beco sem saída da U.E.

Assim, pode-se dizer que há pessoas, correntes da opinião que fazem esta crítica em nome de uma U.E. mais forte, mais justa, mais mobilizadora, e etc. E há também dentro deste campo crítico, que é muito heterogêneo, correntes, grupos, forças política que fazem  isso em nome de uma saída da U.E. Esta divergência existe no campo crítico, gente que é europeísta— no sentido de achar que é por dentro da U.E. que se faz— e gente que diz que a U.E. já não é nosso terreno e crêem que só tem uma alternativa que é sair da mesma ou uma outra coisa qualquer. O que é esta outra coisa qualquer eu não imagino. Este último esta mais presente, certamente, na extrema direita.

Contudo, no campo da esquerda, não há consenso. Mas isto não impediu até agora a criação de propostas alternativas à política de austeridade ao programa de ajustamento estrutural. Uma esquerda mais nacionalista e uma esquerda mais europeísta tem toda a facilidade de se juntar em propostas alternativas.

Com o ressurgimento de forças políticas radicais, tanto de esquerda com de direita, como você vê isso e qual é o apoio respaldo que a população está dando?

Resposta:

Eu acho que devemos ver a mudança do mapa político na Europa, em alguns casos é muito clara e em outros não é tão claro assim, como resultado da situação social e econômica que está a ser criado na Europa. Ou seja, o que é extremista é a situação econômica e social. Como quando Portugal atingiu os valores de taxa de desemprego na casa dos 20%, isso é uma situação extremista.

O está acontecendo na Europa é uma pluralização, cada vez maior, das sociedades. Em que há uma pequena elite que está a ter todo o proveito por causa dos movimentos especulativos em bolsas e atividades financeiras, compra de empresas que estão sendo privatizadas e etc., distanciando-se da média social; e há uma esmagadora maioria que está cada vez mais a ficarem mais pobres. Há um empobrecimento, muito claro, da classe média na Europa. E há também a juventude na Europa— altamente modificada do ponto de vista da formação universitária, formação científica e etc.— é um conjunto de gerações que estão a ser bloqueada ao acesso às profissões que são correspondentes a sua preparação acadêmica e científica. Isto cria uma situação exclusiva, uma situação insustentável.

Porque que crescem as forças radicais? Elas crescem porque as sociedades européias vão percebendo, com mais clareza, que a responsabilidade política por terem chegado a essa situação é daqueles que ocupam o centro político. Quem governou a Europa até agora? Foram sempre os partidos de centro político. Portanto, os democratas cristãos, os conservadores, os social-democratas. Foi uma alternância entre as variações opções do centro político, centro esquerda e centro direita.

O que não queria deixar de dizer é que em Portugal, por experiência própria, como na Espanha e na Grécia, os partidos políticos do chamado “arco central”, no caso de Portugal é a direita que está hoje no governo, e o partido socialista que é a versão de Portugal da social-democracia, assinaram todos eles um pacto com a Comissão Européia, com o FMI e com o Banco central europeu, que trouxe para Portugal a política de ajustamento estrutural. Portanto, há uma convergência clara entre estas forças políticas, pois ao olharem para esta situação percebem que não há muita diferença em votar no centro esquerda e em votar no centro direita, porque os programas políticos são o mesmo, o estilo que é diferente ( o radicalizar da linguagem , uma medida ou outra ).

As pessoas percebem que estes governos conduziram a esta situação, e o descontentamento levam naturalmente as pessoas a procurarem alternativas, e a tendência é procurara escolhas políticas contrastantes. São alternativas radicais no sentido em que vão à raiz do problema, pois extremista é a realidade do dia-a-dia, dos salários, das aposentadorias, dos empregos. E sobre tudo, nos países do sul da Europa isto tem mais campo para acontecer.

E como se dá a relação entre estes governos extremistas, e também a população, com os imigrantes, tanto de dentro como de fora da Europa?

Resposta:

Podemos achar dois tipos de linguagem em relação a esta questão. A primeira, usada pela própria chanceler Merkel: “o multiculturalismo morreu”. Isto significa que todo um trajeto feito nos países mais desenvolvido da Europa, durante décadas, no sentido de integrar culturas muito diversas no seu território hoje acabou. A expressão da chanceler Merkel quer dizer que as lideranças européias dizem “acabou, vamos ‘purificar’ nossas sociedades”. Este termo (purificar) não existe, mas está implícita no contexto.  O discurso da Merkel é feito para um eleitorado local, e é usado para conquistar a simpatia deles ao olhar para a questão do emprego, social, da segurança. Isto é, o projeto de integração de comunidades que marcou a identidade européia, durantes estas décadas, vai deixar de ser apoiado.

Há outra linguagem, a radical, que não é muito expressiva nos governos até agora, salve casos muito pontuais. Mas do ponto de vista social, mais difusos, esta expressão existe. Isto é, são expressões que tem muito apoio da extrema direita que culpam os imigrados por todos os males que acontecem dentro do seu território, seja a questão do desemprego, seja a questão da segurança social. Este discurso é extremamente comum nos países europeus.

Precisamos entender que as comunidades estrangeiras que vem para os países europeus são uma riqueza e não uma ameaça. Até mesmo pessoas não qualificadas do ponto de vista profissional vêm acrescentar mão-de-obra para nossas economias, que é extremamente imprescindível. A Europa está em um grande retrocesso demográfico, temos uma população cada vez mais envelhecida, e isto causa problemas no sistema de segurança social. Por isso, a Europa precisa de imigrantes. Se não houver imigração para a Europa, vai ficar impossível de sustentar esta sociedade envelhecida.

É verdade que há imigração da África para o sul da Europa. Podemos destacar Marrocos, Tunísia, Egito, Líbia e Argélia.  Mas também há imigração dos países do leste europeu ( ex-URSS)para o oeste. Todos vêm à procura do sonho: melhorar a qualidade de vida.

Pode-se perceber que o fluxo de imigrantes não documentados, ao chegar à Europa, são objetos de uma política de rejeição e bloqueamento, sendo que esta passa por várias técnicas. Como, por exemplo, a criação de campos de ‘acolhimento’, onde imigrantes ilegais ficam até serem repatriados para seus respectivos países. Esta prática está realmente acontecendo na Europa, situação vivenciada na Itália, na França, na Espanha e agora na Grécia. Além disso, há políticas da própria comissão européia para a criação de mecanismos de contenção e dissuasão lá (norte da África) para evitar que eles cheguem à Europa.

Sobre os chamados campos de ‘acolhimento’ ou de ‘transição’, pode-se dizer que esta prática não é tão ostensiva assim. A idéia de que existe hoje na Europa de algo análogo a campos de concentração é falsa. Contudo, estes campos não deixam de serem mecanismos de afastamento de imigrantes da sociedade.

(Por Ana Carolina de Godoy e Leda Vasconcellos)

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