Entrevista com José Franciso SieberFormado em Relações Internacionais e Direito pela PUC-SP e funcionário do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).
José Francisco conversa com alunos da graduação na PUC-SP
– Qual a relação do ACNUR com os Estados e as legislações nacionais para a alocação dos refugiados?
– O ACNUR é uma agencia especializada das Nações Unidas, que foi criada através de uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. É uma agência intergovernamental, que tem como missão fundamental a proteção aos refugiados, dar proteção internacional aos refugiados. A proteção aos refugiados é, em primeiro lugar, uma responsabilidade dos Estados. Existe uma convenção internacional, que é a Convenção de Genebra de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, que é acompanhada de um Protocolo, o Protocolo de Nova York de 1967 e, esses dois instrumentos internacionais, constituem o regime de proteção internacional aos refugiados.
A atuação do ACNUR e, a sua pergunta se refere à atuação do ACNUR e a relação do ACNUR com os Estados, vai depender se o Estado é ou não parte desses dois instrumentos internacionais. Se o Estado é parte desses dois instrumentos, como é o caso do Brasil, por exemplo, o Estado é responsável pela recepção e pela proteção do refugiado. Existe uma responsabilidade internacional, referente ao refugiado e, o ACNUR se coloca, então, à disposição desse Estado para ajudar na efetivação dessa proteção. Seja através de cooperação técnica, seja através de operações de assistência humanitária, através de assistência material ou pela capacitação técnica de funcionários de organizações não governamentais naquele Estado.
Agora, existem ainda no mundo, Estados que não são parte desses dois instrumentos internacionais e, aí o ACNUR pode assumir um papel mais importante, porque a responsabilidade é maior. Ainda existe a responsabilidade do Estado, talvez não devido à instrumentos internacionais relacionados ao tema dos refugiados, mas devido aos instrumentos internacionais relativos aos Direitos Humanos, em função dos tratados de Direitos Humanos. Então ainda que a responsabilidade do Estado ainda exista, o ACNUR pode ser chamado para atuar no reconhecimento da condição jurídica desses refugiados, para trabalhos de assistência e integração e, principalmente, para trabalhos de apoio a esse Estado para que nós possamos encontrar uma solução para os problemas que aqueles refugiados enfrentam.
Essa solução pode ser promover junto com aquele Estado a integração local, ou seja, esses refugiados são absorvidos, são integrados, passam a fazer parte daquele novo país; ou os refugiados podem em algum momento retornar ao seu país de origem e, é importante notar que quando se fala em retorno, em repatriação de refugiados, esse retorno deve ter o caráter voluntário, sempre é voluntário, algo que parte do refugiado, que manifesta aquilo que quer e, assim, ele pode voltar para o país de origem. Ou uma terceira solução, que também existe dentro do mandato do ACNUR, é o que nós chamamos de reassentamento, que é basicamente a transferência do refugiado de um primeiro país, onde ele encontrou a primeira proteção, para outro país que irá permitir a esse refugiado algo mais durável, algo mais sustentável. Então o ACNUR também pode entrar em acordo com esses países e nós trataremos de reassentar esses refugiados em outro país.
Portanto, essa relação é determinada pela assinatura ou não, pela ratificação ou não desses instrumentos internacionais sobre refugiados e, muitas vezes por acordos-cede, que o ACNUR celebra com os países. São acordos bilaterais em que o ACNUR e aquele governo, qu vão delimitar, quais são as esferas de atuação do ACNUR no território daquele país.
– Quais os meios de inserção para o aluno que busca trabalhar com agências humanitárias? Existem outras atividades dentro do ACNUR que o aluno de RI pode exercer além do trabalho em campo?
– Eu acho que há distintas áreas, principalmente para relações internacionais, há a possibilidade do trabalho como voluntário das Nações Unidas. O trabalho voluntário só recebe uma ajuda de custo e é um trabalho super interessante, porque? Porque é um trabalho de campo, é um trabalho prático, um trabalho, no caso do ACNUR, com populações refugiadas. Os postos do ACNUR são sempre publicados, os postos para funcionários do ACNUR são sempre comunicados, existe um site, acnur.org.br. Também pode ser no acnur.org e, é só procurar o link ACNUR Brasil, eu sei que os escritórios sempre publicam os postos disponíveis.
Mas eu acho que as pessoas não devem tentar, quando querem fazer trabalho voluntário, só a ONU. Existe uma multiplicidade de organizações não governamentais, que também oferecem uma experiência muito interessante no trabalho voluntário. Existe uma página muito boa, que é administrada pelo escritório de coordenação humanitária das Nações Unidas, é conhecido pela sigla OCHA e eles administram uma página na internet, que tem como endereço reliefweb.int. Essa página publica a cada duas semanas uma lista de vagas com todas as agências humanitárias do mundo. É uma lista imensa, é uma lista que não só abrange aqui a América Latina, mas abrange outros continentes também e eu acho que é uma fonte útil para quem está procurando trabalho, para quem está procurando não somente um trabalho profissional, mas como a gente conversou antes, um estágio de dois ou três meses em alguma agência humanitária em alguma parte do mundo. Sempre é publicado, ali também, trabalhos e oportunidades de estágio em agências humanitárias, eu acho que essas são as principais fontes para quem está se formando, ou para quem está no meio do curso de relações internacionais.
– O que engloba o sentido de refugiado? Ele se estende aos imigrantes ilegais? Se não, a proposta de ação humanitária não estaria diante de uma lacuna?
– O conceito de refugiado é um conceito jurídico e, é um conceito jurídico que existe no Direito Internacional público, seguro na convenção de 1951 sobre o estatuto dos refugiados e, é um conceito que define como refugiado toda pessoa que é obrigada a sair do seu país de origem, seu país de residência habitual, em razão de um fundado temor de perseguição, por razões de ordem política, questões religiosas, etnia, ou raça, como está escrito na convenção, pertencimento a um determinado grupo social ou nacionalidade. Então, existe esse conceito jurídico da Convenção de 51 e, principalmente na África e na América Latina, há instrumentos internacionais que alargam, ou que expandem essa definição do que seja um refugiado, para que também sejam reconhecidas como refugiadas as pessoas que foram vítimas de situações de: violência generalizada, conflito armado, ou onde existam violações sistemáticas aos Direitos Humanos e que, por tais razões, as pessoas também tenham que abandonar seu país e buscar proteção em um país que não é o seu. Então essas definições convivem no Direito Internacional público e são critérios jurídicos para se definir quem é um refugiado.
Quando nós nos referimos aos imigrantes sem documentos, as pessoas que carecem de visto, que carecem de uma documentação legal para residir em outro país e, não são consideradas refugiadas, para elas existe no Direito Internacional dos Direitos Humanos, uma série de medidas e mecanismos que buscam dar proteção a essa pessoa. É um critério diferenciado, é outro conceito jurídico, diferente do refugiado, porque quando nós falamos em refugiados, nós nos referimos àquelas pessoas que foram forçadas ou obrigadas a sair, a abandonar suas casas, a abandonar suas famílias, em razão, no caso da Convenção de 51, de uma perseguição ou, não só de uma perseguição, mas de um temor, de um medo de que exista essa perseguição ou, em razão de um conflito armado, em razão de uma situação de violência generalizada.
Os imigrantes são levados a buscar melhores condições econômicas, levados a procurar trabalhos, de maneira diferente daquela do refugiado, por isso existe um tratamento jurídico diferenciado. Não acho que exista uma lacuna entre as duas condições, mas é um tratamento jurídico diferenciado e, tratamentos jurídicos que muitas vezes podem coexistir. Ou seja, hoje em dia nós vemos muitas situações em fronteiras, onde há fluxos migratórios e, no meio desses fluxos, sempre pode haver refugiados, pessoas que recorreram e que estão se utilizando de meios de migração, mas que estão na verdade procurando proteção. Eles estão, na verdade, fugindo, escapando de uma situação de conflito armado, uma situação de violência. Logo, são mecanismos distintos, conceitos jurídicos distintos e, eu acho que o desafio está em conjugar os dois para que exista uma proteção integral da pessoa humana. No Direito Internacional hoje se fala muito na complementaridade dos distintos ramos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, isso é um claro exemplo de complementaridade entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos que visa a proteção do imigrante e, o Direito Internacional dos Refugiados, que visa especificamente a proteção do refugiado em situações extremas.
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