Por Ana Beatriz Mori e Ana Luísa Calvo Tibério - graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e membras do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
A vitória do político e banqueiro conservador, Guillermo Lasso, no segundo turno das eleições equatorianas, realizadas no dia 11 de abril, marca a ascensão da agenda da direita liberal no país. Esse resultado revela a reação da direita neoliberal em relação ao “correísmo”, ao mesmo tempo em que demonstra, de certa forma, a força do voto nulo impulsionado pelo líder indígena Yaku Pérez, após uma eleição extremamente fragmentada e imprevisível.
O primeiro turno das eleições no Equador, realizado no dia 7 de fevereiro, caracterizou-se por incertezas e queixas a respeito de possíveis manipulações do resultado. Em um pleito eleitoral no qual 11 milhões de equatorianos compareceram às urnas, 16 candidatos diluíram os votos da população, já desencantada e descrente com as crises políticas e econômicas vividas no país.
Com uma liderança marcante, durante o período de campanha, Andrés Arauz (UNES), apoiado pelo ex-presidente Rafael Correa, venceu o primeiro turno com uma margem de mais de 10 pontos à frente do segundo colocado, obtendo 32,72% dos votos válidos. O segundo lugar, em contrapartida, foi marcado pela acirrada disputa entre Guillermo Lasso (Movimiento CREO), que conquistou 1.830.172 votos, e Yaku Pérez (Pachakutik), com 1.798.057, demonstrando uma diferença menor que 0,4% entre os respectivos segundo e terceiro colocados. Não muito distante da corrida eleitoral, o quarto lugar foi ocupado pelo empresário Xavier Hervas (ID), cuja popularidade aumentou graças ao trabalho desenvolvido nas redes sociais, especialmente o Tik Tok, atraindo um significativo fluxo de jovens com sua estratégia e saltando rapidamente para 15,68%.
Mais de dois meses após a primeira ida às urnas, o que se encontrou no segundo turno foi um Equador dividido em dois blocos antagônicos: de um lado, a possibilidade de retorno ao correísmo, enquanto de outro, a opção de avanço a um modelo de governo liberal-conservador. Com um valor recorde de votos nulos e brancos (17%) e a ausência de 2 milhões de eleitores (representando 17,38%), a vitória de Guillermo Lasso, em sua terceira tentativa de conquistar a liderança do Palácio de Carondelet, surpreendeu a todos.
Seu clássico plano de governo neoliberal, pautado por privatizações, livre mercado e mínima intervenção do Estado na economia, encontrou forte apoio nas classes dominantes e no setor financeiro e empresarial, representando uma continuidade do projeto neoliberal iniciado pelo ex-presidente, Lenín Moreno (2017-2021). Além disso, Lasso expandiu sua base eleitoral através da clivagem correísmo-anticorreísmo, atraindo votos da população que não votaria a favor da nova “Revolução Cidadã”, e conquistando a maioria nos três cantões com mais eleitores do país: Quito (65,59%), Guayaquil (52,39%) e Cuenca (61,15%).
Andrés Arauz e a herança correísta
A projeção política do economista Andrés Arauz iniciou-se ainda durante o governo de Rafael Correa, quando foi presidente do Banco Central do Equador, ministro do Conhecimento e Talento Humano e ministro da Cultura. Ao longo de sua campanha eleitoral, tornou-se, para seus aliados internacionais, uma figura de esperança da consolidação do eixo da esquerda na região latino-americana. Entre as propostas de sua frente, estavam a recuperação do ensino gratuito e de alta qualidade, a retomada da justiça social em matéria de política sanitária, o fortalecimento da soberania econômica e a promoção da pesquisa e tecnologia, declarando a chegada da “Revolução Cidadã 2.0” e mantendo-se fiel aos postulados do ex-presidente.
Rafael Correa, que governou entre 2007 e 2017, chegou ao poder através do movimento Alianza PAIS, e foi responsável por um amplo conjunto de reformas políticas e sociais no país, objetivando a melhoria das condições de vida da população e uma maior soberania do Equador. Durante seus dois mandatos, as desigualdades, medidas pelo índice Gini, diminuíram de 0,55 para 0,47, o PIB per capita anual cresceu 0,9% em comparação às duas décadas anteriores, e a pobreza sofreu uma redução de 36,7% para 22,5%.
Desde que terminou seu mandato, Correa vive na Bélgica e encontra-se impossibilitado de retornar ao Equador devido a uma sentença de 8 anos de prisão pelo caso conhecido como os “Subornos 2012-2016” - anos durante os quais uma “rede de aportes financeiros irregulares de campanha no valor de mais de sete milhões de dólares” atuou, segundo o Ministério Fiscal. Rafael Correa, no entanto, acusa a Justiça equatoriana de “politização” e de atuar sob influência do governo de Lenín Moreno, seu antigo aliado. Nas eleições de 2021, visava candidatar-se à vice-presidência de Andrés Arauz, porém foi vedado politicamente e proibido, pelo Conselho Nacional Eleitoral do Equador (CNE), de conceder sua imagem e voz às propagandas eleitorais da UNES.
Yaku Pérez e o chamado ao voto nulo
Liderança dos povos indígenas, do Movimento Plurinacional Pachakutik, Yaku Pérez teve um papel de destaque no processo eleitoral equatoriano. Ainda no primeiro turno, Pérez alegou ter sido vítima de fraude eleitoral e demandou a recontagem de votos ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e, posteriormente, ao Tribunal Contencioso Eleitoral (TCE), que classificou seu pedido como desprovido de argumentos e provas.
Após sua derrota ter sido confirmada, Yaku Pérez e a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), ligada a seu partido, fizeram campanha em prol do voto nulo. Em um país em que as comunidades indígenas representam entre 7% e 10% do eleitorado, essa movimentação não só poderia ser, como efetivamente foi, decisiva para o processo eleitoral.
As críticas de parte do movimento indígena à Arauz decorrem de tensionamentos herdados do Governo de Rafael Correa. Durante seu mandato, bases indígenas se ergueram nas áreas rurais para reivindicar obras, como estradas, e também frear a exploração de minérios em seus territórios e os conflitos levaram, inclusive, à prisão de Yaku Pérez. De modo geral, o setor ligado ao partido Pachakutik rejeita a lógica desenvolvimentista correísta, baseada no uso de recursos naturais, e defende um crescimento pautado pelo ambientalismo.
Mesmo se colocando à esquerda no espectro político, o ex-candidato optou por defender a abstenção em um cenário de polarização entre um candidato de direita e um candidato progressista, cujas pautas inegavelmente eram mais alinhadas aos interesses indígenas. O resultado: a abstenção em massa da população indígena - um em cada seis - incentivada pelo representante da “terceira via” foi decisiva para a vitória de Lasso e, consequentemente, para o fortalecimento neoliberal na América Latina.
O que esperar do Governo de Guillermo Lasso?
Ex-presidente-executivo do Banco Guayaquil e ministro da Economia em 1999, quando o Presidente era Jamil Mahuad, responsável pela dolarização do país em detrimento da moeda nacional, Lasso é um representante da direita tradicional. Reúne apoio entre empresários, meios de comunicação e eleitores desencantados com o Governo de Rafael Correa.
Do ponto de vista econômico, o futuro Presidente, que tomará posse em 24 de maio, promete reforçar as medidas de ajuste estrutural impostas pelas Instituições Financeiras Internacionais: redução de salários, privatizações, exploração mineira, enxugamento estatal e abertura ao capital estrangeiro. Suas pretensões, contudo, podem ser afetadas pela grave crise econômica e social em curso no Equador e pelo fato de ser minoria na Assembleia Nacional, o que diminui expressivamente sua margem de manobra política.
Ao mesmo tempo, Lasso apresenta uma agenda social conservadora. Próximo de ideias da Opus Dei, uma das mais conservadoras e controversas instituições da Igreja Católica, já se colocou contra a descriminalização do aborto, inclusive em casos de estupro. Também defende uma política de segurança pública mais rígida, com fortalecimento da Polícia Nacional, mais equipamentos e “mão de ferro para assassinos e violadores”.
Diante disso, embora ainda seja cedo para avaliações mais profundas sobre como serão os próximos quatro anos, o conturbado processo eleitoral, entre direita, esquerdas e abstenções, demonstra o risco da fragmentação dos setores progressistas na disputa. A divisão no segundo turno, em um contexto socioeconômico de crise e incertezas, levou à vitória de Guillermo Lasso, e isso pode significar o avanço do neoliberalismo e do conservadorismo na América Latina, cujos efeitos poderão ser sentidos para além das fronteiras equatorianas.
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