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Entre desafios e conquistas: o início do Governo Boric em um Chile divido

Por Larissa Pinz e Laura Rhein - graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)





O novo presidente do Chile, Gabriel Boric, foi o candidato a receber mais votos na história do país, e representava aos seus eleitores uma grande esperança para realizar mudanças profundas e estruturais no país. Entretanto, na prática, o cenário não é de pura e simples estabilidade no contexto político chileno: na realidade, Gabriel Boric enfrenta uma crescente oposição e apresentam-se muitos desafios na sua missão de governar um Chile divido.


Entre os anos de 2019 e 2021, o país viveu uma onda de protestos e manifestações de rua que se opunham ao projeto neoliberal em curso no Chile e, principalmente à manutenção da Constituição de Pinochet, que, apesar da redemocratização, ainda vigorava no país desde os tenebrosos anos 1970. Após muita persistência, esses movimentos resultaram numa vitória popular, que possibilitou o estabelecimento de uma nova Constituinte e a possibilidade de enterrar a Constituição de herança do regime militar chileno (1973-1990). Nesse contexto, Boric surfa na onda dos protestos populares para construir uma candidatura à esquerda e comprometida com mudanças estruturais no sistema político.


A corrida eleitoral se deu, então, entre Gabriel Boric, candidato mais à esquerda, e José Karst, candidato da extrema direita que representava uma referência ao passado pinochetista. Após uma disputa acirrada, a esquerda triunfou novamente e derrotou o candidato extremista. Esse cenário fomentou um sentimento popular de esperança e perseverança para os tempos futuros, com otimismo em relação ao novo governo de Boric e também a nova Constituição que vem sendo redigida concomitantemente.


Entretanto, o governo Boric, apesar de receber amplo apoio popular, enfrenta uma série de desafios no início de seu mandato. O desafio imediato será acompanhar e supervisionar o processo de redação e implementação da nova Constituição, que vem acompanhada de uma drástica mudança nas estruturas do país. Além disso, o principal dos desafios diz respeito a sua governabilidade: o parlamento chileno se encontra dividido entre a esquerda mais radical e a extrema direita.


É importante ressaltar que a direita ainda persiste com força no Chile e que, de acordo com o resultado eleitoral, 44% da população ainda apoiava a manutenção da Constituição de Pinochet e apoiou a ascensão de um líder de extrema direita. Enquanto isso, a esquerda radical chilena mantém uma postura crítica em relação a Boric: 50% da população não votou no primeiro turno, e a esquerda radical se juntou ao eleitorado de Boric apenas no segundo para impedir a ascensão de Kast. Dessa forma, o novo presidente precisará usar movimentos conciliatórios com maestria para não sacrificar sua governabilidade e sua chance de fazer a diferença nesse novo Chile que está emergindo, mas, ao mesmo tempo, sem decepcionar as alas mais à esquerda e os movimentos sociais que protagonizaram os protestos de rua em 2019.


Um ponto crucial a esse respeito, que configura também o próximo desafio ao governo trata da questão da Reforma Previdenciária chilena, que esteve no centro dos debates de 2019 e na boca do povo que foi às ruas lutar contra o neoliberalismo e a retirada de direitos da população. No Chile, a previdência é de caráter marcadamente neoliberal,no qual não existe um fundo público coletivo que garante a aposentadoria dos trabalhadores do país. Por tanto, a previdência é um dos pontos centrais na agenda da esquerda chilena e Boric terá o desafio de estruturar uma maneira de conseguir concessões da direita, às custas de perder seu apoio popular e em frente a uma onda de opositores e manchar a imagem revolucionária de seu governo.


Empossado em março, Boric completava dois meses de mandato no Chile, ao mesmo tempo em que saía o resultado da pesquisa do Pulso Ciudadano, divulgada no 1° domingo do mês, revelando um aumento na reprovação à gestão do presidente. Sua reprovação atingiu o percentual de 57,8%, tendo 6,8 pontos percentuais a mais que na pesquisa anterior. Consequentemente, sua aprovação agora cai para 24,2%, 3,6 pontos percentuais a menos. O resultado da pesquisa é reflexo da insatisfação do povo chileno com o governo de Boric. Atualmente o Chile enfrenta uma inflação anual de 9,4%, porcentagem recorde dos últimos 13 anos do país, colocando o tema como a principal preocupação da população, de acordo com a pesquisa do Pulso Ciudadano, representando 42,9%. Em seguida vieram a criminalidade com 36,8% e os salários, com 21,2%.


O presidente também tem sido pressionado por protestos populares. Em Abril, Boric precisou lidar com uma paralisação nacional de caminhoneiros que durou dias. Impulsionada pela morte de um caminhoneiro baleado no sul do país, os caminhoneiros levantaram reivindicações antigas, sendo as principais o maior policiamento nas estradas e a redução do preço dos combustíveis. Para lidar com a paralisação de um dos setores mais fortes do país, Boric aplicou a Lei de Segurança Nacional, muito usada como instrumento de repressão da ditadura militar, aplicando 7 processos contra líderes do movimento. Boric argumenta que o ato constitui delito contra a ordem pública, ao impedir o trânsito livre e o abastecimento da população.


Esse contexto tem alimentado potenciais tensões em algumas parcelas da sociedade chilena, que ansiava por uma reforma profunda e geral ao eleger Boric como presidente. A instalação de Boric na presidência se deu em um contexto de forte tensão política por conta das disputas quanto a Constituinte, além de ocorrer em um quadro de radicalização de posições e táticas de confronto da extrema direita e da esquerda, que estão sendo construídas a partir do descontamento da população com a situação econômica e social do Chile. Os problemas, de diferentes tamanhos e profundidades, se sobrepõem e o mandato de Boric deverá ser turbulento, com muitas disputas políticas, enquanto tenta administrar as reivindicações do povo chileno.



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