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Dupla-Face Migratória: o Caso Australiano

Updated: Apr 2, 2021

O tema das migrações sempre esteve presente na agenda internacional, mas vem ganhando destaque em decorrência do grande fluxo migratório causado pelas novas rotas de refúgio. Países desenvolvidos em todo o mundo têm sido os principais destinos eleitos pelos migrantes e pelos refugiados, trazendo consequências e responsabilidades para esses países em questão.

Um desses destinos é a Austrália, que, embora não se apresente como um global player determinante nas decisões internacionais, é tradicionalmente eleito como destino por parte dos migrantes devido à sua reputação internacional de bom receptor.

Além disso, sempre manteve uma postura em prol dos Direitos Humanos e da migração, sendo signatária tanto da Convenção quanto do Protocolo sobre o status dos refugiados. Faz parte também do Conselho de Direitos Humanos e da Revisão Periódica Universal, ambos órgãos da Nações Unidas.

Assim, vale então ressaltar a reputação que a Austrália tem de “país de oportunidades” a estrangeiros, sendo um dos destinos preferidos de intercâmbios em todo o mundo. Em sites de turismo, pode-se observar diversas imagens que valorizam o país, através de fotos paradisíacas, como as dispostas abaixo.

Fonte: Australia To You

Fonte: EF Intercâmbio

Contudo, a Austrália concilia esse discurso de bom receptor com o discurso de fortalecimento de fronteiras e endurecimento das leis com relação a um grupo específico de migrantes. Desde a década de 90, o país tem encontrado problemas com refugiados que chegam de barco à costa da ilha em busca de asilo, elaborando políticas específicas para a contenção desse grupo.

A partir de 1992 – de acordo com o documento de J. Phillips e de H. Spinks “Immigration detention in Australia”-, o governo australiano tem aprovado uma série de leis federais que tentam de alguma forma conter a chegada de barcos ilegais à costa, considerando ilegais todos aqueles que chegassem sem visto.

Fonte: Daily Mail

Inicialmente, os imigrantes eram detidos no próprio país e permaneciam em detenções australianas lá à espera de recursos para a admissão de vistos; caso esgotassem todas as possibilidades de adquirir a documentação, eles eram retirados do país e por vezes devolvidos ao seu país de origem – a lei estabelecia que o tempo de permanência máxima era de 273 dias nas detenções.

Havia uma necessidade de categorizar aqueles que chegavam de barco para certificar que eles se encaixassem nos padrões australianos, como é possível observar na seguinte citação, em que o governo tem a responsabilidade de garantir que

‘’1) as pessoas que chegam sem autoridade legal não entrem na comunidade australiana até que tenham completado satisfatoriamente as qualificações de saúde, caráter e segurança e que tenham recebido um visto, e 2) aqueles que não têm autorização para estar na Austrália estejam disponíveis para serem removidos do país.’’ (PHILLIPS, SPINKS; 2013, p. 3)

Durante os anos 2000, devido a ineficácia das medidas anteriores de contenção e o aumento da chegada de embarcações ilegais, foi aprovada a Solução do Pacífico (Pacific Solution), em que os imigrantes que chegassem em embarcações ilegais às Ilhas de Natal, de Ashmore e Cartier e de Cocos (Keeling), que foram excluídas da zona migração australiana – entende-se zona de migração como qualquer lugar na Austrália onde uma pessoa que chega sem um visto válido (o que é tecnicamente chamado de “sem autoridade legal”) ainda pode fazer um pedido de visto válido -, seriam impedidos de solicitar um visto australiano, incluindo os vistos de proteção. No processamento chamado offshore (detenções), a única forma possível de adquirir um visto seria se uma discrição ministerial partisse da Austrália autorizando o indivíduo a aplicar para tal.

Mapa das ilhas utilizadas no Processamento Offshore


Fonte: Google Maps

Com isso, os imigrantes redirecionados à centros de processamento offshore estabelecidos nas ilhas de Nauru e Manus (sendo a última pertencente à Papua Nova Guiné) lá permaneciam enquanto seus processos de pedido de asilo eram efetuados. Caso conseguissem o visto, ou ficavam em território australiano, ou eram encaminhados para outros países. Já se resposta ao pedido fosse negativa, os requerentes de asilo tratados sob a Solução do Pacífico não teriam acesso à assistência jurídica ou revisão judicial; ou seja, se fosse negado o asilo ao imigrante, ele não teria ajuda jurídica e muito menos a chance de revisar a decisão negativa. Desta forma, o imigrante era obrigado a retornar ao seu país de origem, sem ter a oportunidade de requisitar novamente o status de asilo.

Mesmo que a Solução do Pacífico tenha sido terminada em 2008 devido a denúncias de violação dos Direitos Humanos nas detenções – principalmente por parte da Anistia Internacional -, o governo retomou o processamento offshore de detenções em 2013 e, em setembro do mesmo ano, uma política de devolução de embarcações também foi implementada como parte de uma estratégia conhecida como “Operação Soberana de Fronteiras” (Operation Sovereign Borders). Essa operação permanece ativa até os dias de hoje, com uma postura mais ofensiva, apresentando slogans prontos que enfatizam seu comprometimento em barrar a chegada de barcos ilegais, tendo seu site oficial e campanhas em diversas línguas, como árabe, hindi, somali, entre outras.

Fonte: The Guardian

Fonte: The Guardian

Aqui então se observa a dualidade dos discursos conforme o interesse da Austrália, tendo o primeiro, “paraíso de intercâmbio”, altamente disseminado e usado pelo país como um grande exemplo de práticas de fronteiras abertas, e o segundo – principalmente com relação aos refugiados – de fortalecimento das fronteiras do país.

Portanto, nota-se que há uma coexistência pacífica entre discursos como estratégia de reputação em âmbito internacional por parte da Austrália, de forma a se colocar como um exemplo de boas práticas no âmbito de discussão da governança da migração. Assim, os discursos se articulam e complementam a medida que criam o caráter internacional do país.

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