top of page
Writer's picturePET-RI PUC-SP

Desigualdade de gênero na política brasileira: movimentos da S. Civil por mais mulheres na política

Updated: Mar 30, 2021

Imagem em destaque: BBC


Por Marcela C. Gonçalves

A persistência das desigualdades na política

Ainda que a obtenção do direito ao voto tenha sido um grande passo para a emancipação das mulheres, este avanço representou apenas uma das primeiras conquistas de uma contínua batalha feminina na vida política. Embora as mulheres do mundo todo venham aumentando sua participação nesta esfera, a caminhada ainda se mostra muito lenta e repleta de obstáculos.

O campo político continua sendo um ambiente desfavorável ao grupo, pois apesar do direito ao voto e as possibilidades de candidatar-se para cargos públicos, os homens ainda representam uma maioria esmagadora nesses locais. Estereótipos de gênero, cultura, tradição política e a perpetuação de estruturas patriarcais na esfera pública são ainda alguns dos motivos que impedem que mais delas se envolvam em espaços de decisão. A baixa participação de mulheres nestes locais dificulta a implementação de políticas feministas, que dão a devida importância à questões de gênero. Em alguns países, como é o caso do Brasil¹, existem leis e cotas para que se incentive a maior participação das mulheres na política. Porém, essas medidas são constantemente burladas e mostraram-se insatisfatórias para o progresso desse objetivo.

Diante da percepção de que as desigualdades persistem e da insuficiência das medidas institucionais, é possível perceber que nos últimos anos vem surgindo no Brasil um expressivo aumento de organizações e projetos – sobretudo oriundos de movimentos feministas – que visam preencher essa lacuna e alterar esse cenário por meio do fomento da presença de mulheres nestes espaços, assim como proporcionando formação política para as candidatas, meios de divulgação efetivos, dentre outros. Com isso, serão apresentados dados sobre a situação das mulheres na política brasileira e quais as principais organizações que estão lutando para que isso mude.


As mulheres no contexto político brasileiro

Ao redor do mundo, as mulheres ainda são minoria nos parlamentos. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, as mulheres ainda constituem cerca de 24% das cadeiras parlamentares ao redor do mundo, representando um aumento de apenas 19% desde 2010².

Se internacionalmente a diferença é no mínimo chocante, no Brasil se torna ainda mais surpreendente. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de 2018, a população brasileira era composta 48,3% por homens, enquanto elas representavam a maioria, com 51,7%. Ademais, a maioria do eleitorado também é feminina, sendo mais da metade dele (vide figura 1). Entretanto, a Câmara dos Deputados possui apenas 15% das cadeiras ocupadas por mulheres³.

Figura 1 – Eleitores por gênero

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Durante as últimas eleições, em 2018, o número de deputadas aumentou, passando de 51 para 77, na legislatura de 2019 a 2022 (vide figura 2). Contudo, apesar do significativo aumento, o Brasil tem uma das menores taxas de representatividades de gênero no poder público: conforme dados mensais divulgados pela Inter-Parliamentary Union, em maio de 2020, o Brasil se encontrava na 140ª posição dentre mais de 180 países avaliados em um ranking sobre a porcentagem de mulheres ocupando cadeiras nos parlamentos.⁴

Figura 2

Os movimentos da sociedade civil em prol da igualdade de gênero na política

Ao longo dos últimos anos, cientes dessa situação e da lentidão na busca pela paridade de representação, mulheres uniram-se para mudar essa situação “de baixo para cima”, por meio da criação de organizações e projetos, realizando parcerias com observatórios de gênero, instituições governamentais e intergovernamentais. Alguns deles não direcionam-se apenas aos problemas da baixa representatividade feminina no Congresso, mas à desigualdade de gênero em todos os âmbitos da sociedade.

Tratando-se das organizações que oferecem formação política, destaca-se a atuação de algumas ONGS. Uma das mais recentes é o #ElasNoPoder. Criado em 2018 pela socióloga Karin Vervuurt e pela cientista política Letícia Medeiros, ambas da Universidade de Brasília, elas têm como objetivo formar candidatas mais competitivas e profissionais. O diferencial do #ElasNoPoder é que, além dos cursos de formação política para aquelas que desejam candidatar-se, são oferecidos também cursos de planejamento estratégico para a realização de campanhas eleitorais mais eficientes. Com as eleições de 2020, a ONG está trabalhando para aumentar o conteúdo disponível, sobretudo online, com aulas, palestras e orientações gravadas e ministradas por especialistas. Para que isso seja possível, elas contam com financiamento coletivo por meio de seu website.

Em parceria com o #ENP, há o projeto suprapartidário Goianas na Urna, também muito recente, formado por voluntárias e mantido por doações espontâneas. Como exposto pelo próprio nome, o projeto tem como foco as mulheres das mais diversas áreas de Goiás. É oferecida uma trilha preparatória para as possíveis candidatas; entretanto, ao contrário do #ElasNoPoder, que tem um alcance a nível nacional, o objetivo primeiro do Goianas na Urna mantém-se regionalmente, visando aumentar o número de mulheres presentes no poder legislativo municipal.

Fonte: ElasNoPoder

Fonte: Goianas na Urna

Com atuação também voltada para um nível regional, surgiu na Baixada Santista, litoral paulista, o Elas Na Política. Formado por mulheres residentes na região e cidades litorâneas próximas, também oferecem educação política e querem ampliar sua presença nas decisões políticas da cidade de Santos, proporcionando maior visibilidade para as candidatas.

Por sua vez, a Rede Umunna nasceu no dia em que a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) foi assassinada no Rio de Janeiro, em março de 2018. O nome significa “irmandade” em Igbo, idioma falado na Nigéria. Criado por cinco mulheres negras que queriam ampliar o debate político para além da questão de gênero, incluindo também a ótica da raça, pois se há baixa presença de mulheres nos espaços de decisão, ela se torna menor ainda quando se trata de mulheres negras – elas são menos de 1% nas Câmaras de Vereadores. O coletivo lançou a campanha #MulheresNegrasDecidem, para acompanhar a candidatura de mulheres negras, assim como para estimular o eleitorado a votar nas mesmas.

Fonte: mulheresnegrasdecidem.org

Há ainda os projetos que não se dedicam exclusivamente à formação política das candidatas, como é o caso da Iniciativa Brasilianas. Criada em 2018, a iniciativa visa, por meio de pesquisas e estudos, sustentados por doações de voluntários, implementar políticas públicas que possam reduzir as diferenças socioeconômicas e políticas que, por muitas vezes, impedem que as mesmas conheçam seus direitos e iniciem uma carreira na vida pública.

Apesar de a maior parte desses movimentos concentrarem-se na sociedade civil, também existem medidas sendo tomadas a nível institucional, de modo a complementar as leis vigentes, contando com a parceira dessas organizações. O Tribunal Superior Eleitoral, em parceira com a ONU Mulheres Brasil, com o Instituto Patrícia Galvão e o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasília, criou a plataforma Cidade 50-50, que visa comprometer candidatos e candidatas com a igualdade de gênero, além de disseminar informações que ajudem os eleitores a decidirem seu voto. Na plataforma, os candidatos cadastrados são levados a assumir compromissos em diversas áreas de atuação onde a disparidade de gênero ainda é muito acentuada, tais como: saúde, participação política, educação inclusiva, empoderamento econômico, entre outras.

Todavia, apesar do otimismo que tais organizações inicialmente trazem, é necessário observar como e quais candidatas são selecionadas por estas iniciativas, pois um maior número de mulheres no poder não necessariamente resulta em adoção de políticas feministas e progressistas, e que realmente valorizem as questões de gênero. Cada um dos projetos direcionados à uma maior inserção de mulheres na política lida de maneira diferente com essa problemática, levando-a em consideração em maior ou menor nível. O #ElasNoPoder, por exemplo, surgiu como contraposição à onda conservadora que ganhou força no país com as eleições de 2018, apresentando assim ideais de maior oposição ao conservadorismo, enquanto que o Goianas na Urna e o Elas Na Política parecem se encontrar mais abertos à mulheres dos mais diversos posicionamentos: há a possibilidade de entrada de mulheres que não necessariamente desejam implementar ideias feministas e progressistas.

A Iniciativa Brasilianas, por exemplo, mostra que é necessário que se atue não só diretamente no problema, mas também em suas origens. Logo, trabalham em prol da redução da desigualdade socioeconômica, implementando políticas públicas em áreas como saúde e renda, para que então estas mulheres adquiram as condições para um maior envolvimento na vida política.

Além disso, é necessário que haja uma ampla diversidade dentre essas mulheres, não limitando-se apenas à mulheres brancas e cisgênero, pois sem isso, o espaço de representação continuaria mantendo-se submetido à lógica de um sistema estruturalmente racista. É possível perceber que a campanha #MulheresNegrasDecidem, lançada pela Rede Umunna, foi justamente o movimento que mais deu atenção à esse problema, fazendo a intersecção clara entre gênero e raça, cientes de que uma verdadeira democracia deve ser construída por todos, independentemente de raça, gênero e classe.

Considerações Finais

Perante o exposto, percebe-se então a importância que estes movimentos da sociedade civil vêm ganhando na sociedade, estimulando a participação das mulheres não só em cargos políticos, mas na vida política como um todo. Além disso, tornam plausível a aplicação efetiva do ideal democrático de representação igualitária. Contudo, é necessário sempre atentar-se ao modo como atuam e onde atuam, e principalmente, por quem lutam.

Notas:

  1. Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997); Lei n° 12.034, de 29 de setembro de 2009; Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015.

  2. Dados da Organização das Nações Unidas. Disponível em: <https://www.un.org/sustainabledevelopment/gender-equality/&gt;

  3. Dados de 2018 retirados do Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/545897-bancada-feminina-na-camara-sobe-de-51-para-77-deputadas/&gt;

  4. Dados do Monthly ranking of women in national parliaments, de 2020, da Inter Parliamentary Union. Disponível em: < https://data.ipu.org/women-ranking?month=5&year=2020&gt;

Bibliografia

#ELASNOPODER. Sobre Nós. Disponível em: <http://elasnopoder.org/&gt;. Acesso em: 23 jun. 2020.

AGÊNCIA BRASIL. ONU Mulheres defende ampliação da participação feminina na política. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-06/onu-mulheres-defende-ampliacao-da-participacao-feminina-na-politica&gt;. Acesso em: 22 jun. 2020.

ELAS NA POLÍTICA. Quem somos. Disponível em: <http://elasnapolitica.com.br/quem-somos/&gt;. Acesso em: 27 jun. 2020.

GÊNERO E NÚMERO. Rede Umunna se organiza para incentivar participação de mulheres negras na política . Disponível em: <http://www.generonumero.media/rede-umunna-se-organiza-para-incentivar-participacao-de-mulheres-negras-na-politica/&gt;. Acesso em: 27 jun. 2020.

HUFFPOST BRASIL. ONG #ElasNoPoder busca financiamento para criar ‘Netflix para pré-candidatas’. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/netflix-candidatas-mulheres_br_5e3c6a74c5b6b70886fc5e33?utm_hp_ref=br-noticias&gt;. Acesso em: 23 jun. 2020.

INICIATIVA BRASILIANAS. Quem somos. Disponível em: <https://iniciativabrasilia.wixsite.com/brasilianas/quem-somos&gt;. Acesso em: 27 jun. 2020.

INTER PARLIAMENTARY UNION. Monthly ranking of women in national parliaments. Disponível em: <https://data.ipu.org/women-ranking?month=5&year=2020&gt;. Acesso em: 23 jun. 2020.

MULHERES NEGRAS DECIDEM. Mulheres negras decidem um novo projeto de democracia. Disponível em: <https://mulheresnegrasdecidem.org/&gt;. Acesso em: 27 jun. 2020.

ONU MULHERES BRASIL. Plataforma Cidade 50-50 é ferramenta para incentivar paridade de gênero nas esferas de poder. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/noticias/plataforma-cidade-50-50-e-ferramenta-para-incentivar-paridade-de-genero-nas-esferas-de-poder/&gt;. Acesso em: 26 jun. 2020.

PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Bancada feminina na Câmara sobe de 51 para 77 deputadas . Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/545897-bancada-feminina-na-camara-sobe-de-51-para-77-deputadas/&gt;. Acesso em: 22 jun. 2020.

QUINTELA, Débora Françolin; DIAS, Joelson Costa. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO BRASIL: DAS COTAS DE CANDIDATURA À EFETIVA PARIDADE NA REPRESENTAÇÃO. Revista de Teorias da Democracia e Direitos Políticos, Brasília, v. 2, n. 1, p. 52-56, mai./2016. Disponível em: <https://indexlaw.org/index.php/revistateoriasdemocracia/article/view/1105&gt;. Acesso em: 25 jun. 2020.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatísticas Eleitorais. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais&gt;. Acesso em: 23 jun. 2020.

UNITED NATIONS SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS. Goal 5: Achieve gender equality and empower all women and girls. Disponível em: <https://www.un.org/sustainabledevelopment/gender-equalit&gt;

16 views0 comments

Comments


bottom of page