Em agosto deste ano, foi noticiado o envolvimento de empresas da marca Zara com a utilização de trabalhos em regime de (semi-) escravidão, fato este que ganhou destaque, rapidamente, na mídia nacional, embora a utilização de mão-de-obra escrava (ou semi-escrava), no Brasil, não seja inusual.
Em um primeiro momento, talvez, a idéia a ser tirada da situação seria a de que os trabalhadores escravos estariam, de certa forma, totalmente excluídos da sociedade, hors de la société, ou ao menos, excluídos do que vem a ser a sociedade em que vivemos: não estavam de acordo com as leis trabalhistas e não possuíam proteção efetiva de seus direitos fundamentais, como aqueles garantidos pela Declaração Universal de Direitos Humanos; direitos individuais, políticos e sociais. De modo relativamente semelhante, são apresentadas as populações pobres, usualmente habitantes das favelas e das comunidades de baixa renda: como marginais e excluídas socialmente, carentes das ações efetivas do Estado e vulneráveis à criminalidade (tanto como vítimas quanto como futuros criminosos).
Trabalhadores da Zara em condições de escravidão
É evidente que as condições de trabalho às quais os trabalhadores estavam submetidos eram totalmente degradantes e subumanas e que a população pobre é explicitamente a que tem menos garantias reais dos direitos os quais o Estado visa proteger. Porém, a utilização do próprio conceito de “exclusão social” favorece a idéia de que estas pessoas não fazem parte do mesmo mundo social que outras (as incluídas).
Entretanto, é necessário investigar o assunto mais a fundo, e mais amplamente, ou seja, de um ponto de vista macro, onde as diversas inter-relações são expostas.
No capitalismo globalizado contemporâneo, a figura do “excluído” (no caso, os bolivianos ou os pobres) não está estritamente relacionada a uma idéia de anormalidade, de patologia, de algo incomum e exclusivo do sistema (no sentido de algo que exclui). A exclusão faz parte de um sistema maior, onde a sua própria condição de exclusão é, não apenas, parte integrante desse modo de organização social, como também, o constitui. Ou seja, se algo é excluído do sistema, o “lugar” deste excluído, no sistema, é fora dele, sendo ele (o excluído), assim, parte de uma totalidade. Ao mesmo tempo em que são excluídos socialmente, os bolivianos e a população pobre estão sendo inclusos em um sistema maior, que os determina na própria condição de excluídos.
Analogamente às condições expostas acima, o crime também figura como algo incluso pela exclusão, ou seja: o Estado, por intermédio do aparelho jurídico, constrói e regula as denominações do que é crime e, consequentemente, de quem é criminoso e, num momento ulterior, os aponta como algo excluso, patológico e fora do próprio Estado, esquecendo-se de que a própria dicotomia Estado/crime é constitutiva em si e representa duas faces da mesma moeda. Como resultado, o crime aparece como o oposto do Estado, como o anti-Estado.
Tráfico aéreo em um dia comum
Ao mesmo tempo, o Estado (e seu território) delimita suas fronteiras de modo dicotômico: nacional/não-nacional, caracterizando tudo aquilo que não está no seu território como fora do próprio Estado. Todavia, as dicotomias Estado/crime e nacional/não-nacional acabam por simplificar o mundo empírico, principalmente em tempos em que a intensa troca de informações e mercadorias se dá de maneira não só trans-espacial, mas também trans-real (virtualmente). Tal situação implica em uma interpretação dos fatos reais condicionada pela própria idéia, pelo próprio conceito.
Casos como os do crime organizado internacional (tráfico de armas, pessoas, órgãos, drogas, animais), das máfias, das facções criminosas e das milícias não só dificultam as abordagens que têm como base o ponto de vista nacional/não-nacional, como também as que os olham pelo prisma Estado/crime. Fato esse que ocorre da própria falha da ótica dicotômica. Ou seja: mais do que duas faces da mesma moeda, esses casos são manifestações de outros tipos de relações, onde Estado e o crime não se caracterizam pela sua oposição complementar, mas por uma simbiose, por uma zona turva onde se misturam lícito, ilícito, nacional e internacional.
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