Por Lorena Bulhões e Hasan Boscariol - graduandos em Relações Internacionais pela PUC-SP e membros do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
A Organização das Nações Unidas alerta para um possível deslocamento de 1 milhão de pessoas em Moçambique até o meio de 2021. A situação deve-se principalmente a crises que ocorrem atualmente na região norte do país, na província de Cabo Delgado, que sofre com atentados à população cívil e violações de direitos humanos associadas à um cenário de pandemia mundial.
Desde 2017 a população da região de Cabo Delgado e proximidades (ver mapa abaixo) tem enfrentado um crescimento de ações violentas por parte de um grupo insurgente, que se coloca contra as atuais medidas do governo de Maputo. Este grupo, localmente chamado de Al-Shabaab, que afirma fidelidade ao Estado Islâmico, tem sido responsável por ataques às instituições vinculadas ao Estado, a população local, em especial as mulheres moçambicanas, e a instituições de entes privados internacionais que se encontram na região, como empresas voltadas ao mercado de commodities e de energia.
Figura 1- Mapa de Moçambique
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602366-o-povo-de-cabo-delgado-quer-paz. Acesso em: 7 abr. 2021.
Apesar da atual vinculação ao grupo Estado Islâmico, o financiamento do Al-Shabaab ainda continua uma dúvida perante as autoridades locais. Circula entre as autoridades moçambicanas a ideia de que o Al-Shabaab pode estar sendo financiado por parte da burguesia regional, que detinha o controle sobre o mercado de extrações minerais na região e que foram marginalizados com os atuais acordos de Maputo com empresas estrangeiras, ou por grupos internacionais que visariam a desestabilização da região.
A organização Human Rights Watch (HRW) tem apontado violações aos direitos humanos tanto pelo grupo insurgente quanto pelas forças armadas estatais, acusadas de cometer execuções extrajudiciais e atos de tortura. Além disso, existe a presença de empresas militares privadas, contratadas pelo governo federal, para combater o conflito na região, que, segundo a organização Anistia Internacional, atacaram multidões de pessoas, hospitais, escolas e residências.
Essa insegurança na região tem causado grandes deslocamentos populacionais. A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) afirmou que mais de 670.000 pessoas estão deslocadas nas províncias de Cabo Delgado, Nampula, Zambézia e Niassa, e mais de 2.000 pessoas foram mortas desde o início do conflito. Os deslocados estão vivendo com familiares e amigos em áreas urbanas ou em condições de insegurança em abrigos escassos de recursos.
Apesar da situação preocupante, os Estados próximos ao país respondem às necessidades moçambicanas de forma lenta. O ACNUR informou por meio de suas equipes localizadas em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, que mais de mil pessoas deslocadas de Moçambique foram impedidas de entrar na Tanzânia. A agência recomenda que os países vizinhos abram suas fronteiras àqueles que estão buscando asilo para escapar da violência.
Para apoiar a população deslocada internamente, abrigos estão sendo montados em Pemba, como na imagem abaixo. A organização Médicos Sem Fronteiras avalia que esse grupo carece de água potável e proteção, enquanto permanece em condições insalubres e de superlotação, considerando que o aumento da violência em Cabo Delgado teve um impacto severo nas instalações de saúde, água, abrigo e no acesso a alimentos na região.
Figura 2: Abrigos temporários para pessoas deslocadas em Cabo Delgado, Moçambique
Disponível em: https://foreignpolicy.com/2021/03/10/mozambiques-forgotten-insurgency/. Acesso em: 7 abr. 2021.
A situação da pandemia da COVID-19, associada ao conflito violento da região, dificulta a chegada de ajuda humanitária, devido a voos suspensos e as equipes que agora operam com sua capacidade mínima. Esses desafios forçam as populações vulneráveis a recorrerem a mecanismos como o racionamento de alimentos, que colocam essas pessoas em uma situação de insegurança alimentar. A fraca infraestrutura de saúde em Cabo Delgado, juntamente com uma incapacidade de praticar o distanciamento social ou a higiene adequada, expõe as pessoas deslocadas a um alto risco.
Em suma, fica claro o atual estado de fragilidade que Moçambique se encontra e os fatores principais na atual escalada da crise. Infelizmente, não há previsões para o fim do conflito nas províncias ao norte, sendo que a cada dia que as forças moçambicanas avançam na região de controle do grupo insurgente, mais casos de violência aparecem, impossibilitando o acesso às famílias afetadas e aumentando o número de refugiados.
Estima-se que, caso não haja alterações no cenário atual, os números batam a previsão das Nações Unidas de um milhão de deslocados até o meio deste ano, ultrapassando, assim, o número de refugiados de crises como a da Somália e do Sudão.
Ótimo texto, didático e maravilhoso. Oportunidade de aprendizado a todo momento, devo acompanhar o autor por mais vezes.
Ótima análise, parabéns aos criadores!
Ótimo texto, muito didático e bom
Muito top!!! Gostei demais!!! Estão de parabéns!!!
Muito bom!! Parabéns