Por Marcela Gonçalves e Rafaela Prestes - graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e integrantes do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
Em meio a crise da pandemia, a proposta da reforma tributária apresentada, visando aumentar impostos, pelo presidente conservador da Colômbia, Iván Duque, foi a gota d’água para o início de uma série de protestos massivos que tomaram conta do país nas últimas semanas. Desde 28 de abril, manifestantes foram às ruas protestar contra a reforma, apresentada no meio do mês de abril pelo presidente ao Congresso Nacional.
Diante disso, as manifestações, que vêm sendo realizadas, receberam como respostas a repressão violenta policial, ganhando destaque nas mídias como, mais uma vez, um cenário de instabilidade na América Latina. A amplitude tanto das mobilizações, como da reforma apresentada, também tiveram um acúmulo de fatores de enorme descontentamento da população com os projetos político-econômicos neoliberais do governo, e que se intensificaram na pandemia, levando a consequências sociais devastadoras.
Sobre a reforma tributária
Em meio a pandemia da Covid-19, a pobreza aumentou para 42,5% da população colombiana, em decorrência da elevação da taxa de desemprego, agravando as desigualdades já existentes. Ainda no meio da crise sanitária, o governo de Iván Duque apresentou a reforma tributária sob a justificativa de que esta serviria para financiar os gastos com programas sociais e o combate à pandemia, por meio do aumento da arrecadação de impostos. Trata-se, na realidade, de uma reforma regressiva que cairá nos bolsos da população de classe média e dos trabalhadores colombianos.
A reforma profundamente impopular consiste no aumento da base de arrecadação de impostos, a chamada IVA (Imposto sobre Valor Agregado), sobre os serviços básicos essenciais (como água, gás, internet, eletricidade), passando de 16% para uma taxação de 19% sobre esses serviços, o que representa um aumento consideravelmente alto para maioria população. Ainda, propõe o aumento da cobrança da base de contribuintes do imposto de renda dos trabalhadores de setores público e privado que ganham mais de 2,5 milhões de pesos mensalmente (o equivalente a 3.890 reais), em um país onde o salário mínimo é de 908.526 pesos (1.263 reais).
Outro objetivo do projeto também gerou indignação: um aumento do imposto sobre produtos de consumo básico (como açúcar, sal, café). De acordo com dados oficiais sobre consumo, uma família média na Colômbia, utiliza em suas despesas com alimentação o valor de um salário mínimo, e, como o próprio nome diz, é o mínimo; além das despesas cobertas por ele somam-se gastos com outras necessidades básicas, que inevitavelmente extrapolam esse valor. Dentre as propostas, cabe destaque, também, a um aumento nos impostos para os que ganham mais, ou seja, aqueles que representam a minoria. Os que apresentarem patrimônio superior a US$ 1,35 milhão pagariam um imposto de 1% sobre o valor, enquanto os que apresentarem patrimônio superior a US$ 4 milhões o imposto seria de 2% em cima desse valor. Essa quantia não chega a fazer cócegas no bolso da minoria, enquanto a grande parte da população trabalhadora sofre com as consequências da reforma.
Após quatro dias do início das enormes manifestações nas ruas e com altos registros de mortos, desaparecidos e centenas de feridos, os manifestantes conseguiram a derrubada da reforma tributária, e Iván Duque anunciou a retirada do projeto do Congresso. Todavia, o presidente disse que ainda tem em vista uma futura nova reforma, embora com alterações, visando maior aceitação e retirada das medidas que geraram enorme descontentamento, mas ainda sem abrir mão de um projeto em moldes neoliberais. Porém, as forças agressivas policiais contra manifestantes geraram uma maior revolta, dando continuidade aos protestos.
Violência e resposta repressiva do governo
Desde o primeiro dia de protestos, 28 de abril, a população civil entrou em choque com a polícia. Ainda que tenham começado de maneira pacífica e com alguns poucos casos de depredação, o presidente mobilizou as forças policiais para conter a população, o que desencadeou um conflito violento entre as partes.
A escalada da violência foi destaque em grandes cidades do país, como Bogotá, Medellín e Cali - esta, por sua vez, tornou-se o epicentro da repressão. A polícia e os soldados têm feito uso brutal e excessivo de suas forças, utilizando-se de helicópteros e veículos blindados para dispersar a população com gás lacrimogêneo, realizando prisões arbitrárias e causando o desaparecimento de diversas pessoas. Há ainda, relatos de violência sexual e agressões diretas. Além disso, o Esquadrão Móvel Anti-Distúrbios é acusado de atirar diretamente contra os manifestantes, sendo assim visto como o responsável por grande parte das mortes ocorridas desde o início dos confrontos.
Tamanha violência na Colômbia despertou a atenção da comunidade internacional. Na terça-feira (4), a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Marta Hurtado, demonstrou a preocupação do órgão com a situação, além de pedir calma e ressaltar a necessidade de que as forças policiais exerçam suas funções dentro da legalidade. No mesmo dia, Peter Stano, porta-voz da União Europeia pediu que as forças colombianas evitassem reagir com violência.
No sábado (2), o presidente anunciou que convocaria o exército, o que gerou ainda mais revolta da população. No dia seguinte, com a pressão gerada pelos protestos, Duque anunciou a retirada da proposta da reforma tributária e na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, renunciou ao cargo. Todavia, tais acontecimentos não foram suficientes para que cessassem os protestos. Os manifestantes agora reivindicam questões que já incomodam a população há algum tempo, tais como: a grande desigualdade socioeconômica do país, que se agravou ainda mais com a pandemia; uma reforma das forças de segurança pública; uma melhoria na implementação do processo de paz com as FARC; e, mais recentemente, a demora com a vacinação.
O descontentamento com o governo Ivan Duque
Esta não é a primeira vez que as políticas de Iván Duque causam descontentamentos entre a população colombiana. Desde o início de seu mandato, em agosto de 2018, o governo já foi alvo de grandes manifestações em outros momentos. Em 2019, no mês de novembro, colombianos foram às ruas contra o “paquetazo” de Duque, que incluía reformas nos setores trabalhista, previdenciário e tributário. Acrescenta-se a isso a indignação com as mortes de indígenas, líderes sociais e a mal estabelecida paz com as FARC.
Mais recentemente, em meados de setembro de 2020, os manifestantes se mobilizaram em relação ao assassinato de um advogado durante uma abordagem policial truculenta, sendo este crime o estopim para que se iniciasse novamente uma onda de protestos pelo país, que dessa vez contaram com as mesmas motivações do ano anterior, somadas à indignação gerada pela crise sanitária, aumento da desigualdade social e, sobretudo, brutalidade policial.
Diante deste cenário de intensa mobilização nacional, motivado sobretudo pelas questões que já incomodam há anos o povo colombiano e tendo em vista a implementação cada vez mais relevante de projetos neoliberais pelo governo - gerando consequências socioeconômicas devastadoras no país - é uma tarefa complexa estimar como e quando os protestos cessarão. Frente a tamanha brutalidade e repressão policial, que somente instiga mais revolta, a tendência, que já começa a ser constatada, é de que a partir de agora, cada vez mais setores da sociedade se unem pela sustentação de uma voz coletiva do povo em oposição ao governo e, portanto, muito ainda está por vir.
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