Por Fernanda Samea
Durante o período de revoltas que pode ser chamado de Primavera Árabe, as redes sociais foram usadas para denunciar as violências cometidas pelo Estado nas manifestações, organizar os grupos opositores e compartilhar informação política, além de servirem como uma forma de conectar o mundo exterior frente ao bloqueio informativo que censurava as mídias tradicionais dos regimes ditatoriais de certos países árabes.
O que começou na Tunísia em janeiro de 2011, se espalhou para outros países como Egito, Líbia, Síria e Irã, principalmente pela conexão possibilitada por plataformas como Twitter e Facebook.
A importância da Internet foi tanta que, como forma de reação aos protestos e sua capacidade de organização pela rede, os governos optaram por tomar medidas extremas para impedir os canais de comunicação dos manifestantes, como bloquear acesso aos sites diretos das redes sociais, feito na Tunísia, ou mesmo cortar completamente o fornecimento de Internet e também de celulares como foi feito no Egito, ações que resultaram em maior indignação popular contra os governantes. Isso mostra o desespero e a falta de métodos eficazes de censura para a nova Era Digital.
No caso egípcio, o governo ditador possuía uma posição estratégica para restringir o acesso à Internet, por não haver muitos fornecedores de acesso à web no país, o que permitiu que Mubarak forçasse os provedores a bloquear esse acesso em todo território estatal, causando uma queda de 90% do tráfego de Internet no Egito, visto que somente o servidor usado para transações do mercado financeiro permaneceu funcionando. Além de impedir a comunicação interna entre os manifestantes, o Internet blackout, que teve duração de cinco dias, também impediu com que o mundo soubesse o que acontecia dentro do país, impossibilitando o apoio externo aos rebeldes, que se tornaram isolados e sem saber a magnitude dos planos e das forças governamentais.
Gráfico produzido pela empresa de segurança Arbor Networks ilustrando o tráfego de Internet entre o Egito e o resto do mundo nos dias 27 e 28 de janeiro de 2011.
Na Síria e Tunísia, a reação foi de liberar grupos de hackers pró-governo pelas redes do país, as quais foram inundadas de campanhas governamentais ao mesmo tempo que permitiam a censura e a descoberta de informações dos manifestantes principalmente por meio do Facebook, já que essa rede permite o upload de vídeos que por outros sites eram bloqueados pelo governo. O próprio Facebook tentou impossibilitar que as informações de seus usuários pudessem ser obtidas implementando novas formas de reconhecimento para ter acesso aos perfis pessoais.
No Irã, o que os protestos em 2011 resultaram foi a promessa da criação de uma rede de Internet nacional alternativa à World Wide Web (www) por parte do governo ditatorial somente com o conteúdo pró-governamental e islâmico, anunciado por Ali Aghamohammadi, chefe de assuntos econômicos iranianos. Em 2016, a iniciativa foi iniciada prometendo serviços de alta qualidade e velocidade a preços baixos, facilitando o combate a cyber ameaças que os filtros atuais não conseguem pegar. Por outro lado, há um grande risco de que iranianos fiquem isolados do resto do mundo online, limitando acesso a informações e impedindo tentativas de ações coletivas e protestos públicos.
As medidas reativas aos protestos dos governos ditatoriais fizeram com que os manifestantes e rebeldes procurassem alternativas de comunicação e organização. Mesmo com uma capacidade muito limitada do uso da Internet, serviços como TOR Project de esconder a identidade e localização na rede foi um meio para que não descobrissem suas informações, o grupo de ativistas hackers Anonymous ajudou pessoas durante os protestos a terem acesso à informações de fora do egito e também a se reconectarem à Internet, ou até mesmo boletins que eram passados por fax para burlar o bloqueio das redes de comunicação e informes por estações de rádios amadoras.
Em dois períodos muito distintos da História, na Revolução Russa e na Primavera Árabe, os meios de comunicação foram essenciais para a organização popular que levasse a uma modificação das práticas e até mesmo dos governos vigentes. Por isso mesmo a censura foi em ambos os casos um instrumento essencial numa tentativa desesperada de impedir a circulação de informação e evitar organizações políticas e sociais contra aqueles que estavam no poder.
Do período czarista até a Revolução de outubro de 1917, a censura midiática da época foi um esforço de desmascarar aqueles por trás dos jornais e notícias, principalmente – porém não só – comunistas, e impedir que palavras de levante chegassem aos trabalhadores explorados e soldados, para que não pudessem se mobilizar contra as forças czaristas e depois do Governo Provisório.
A questão temporal já muda muito em 2011 quando a Primavera Árabe tem seu início. Por causa de um ato que durou alguns minutos do jovem vendedor tunisiano Mohammad Bouazizi de atear fogo em seu próprio corpo como forma de protesto às autoridades governamentais corruptas que tiravam constantemente sua única fonte de sustento, uma identificação nacional com o que Bouazizi passava levou a uma série de protestos que tirou do poder o ditador Ben Ali e inspirou a revolta de populações com reivindicações similares em países próximos, como já relatado.
Na Rússia, a organização e disseminação de informação foi feita anteriormente à 1905 e a revolução foi conquistada em diferentes etapas – fevereiro e outubro – somente em 1917 em que as condições já eram inconcebíveis e as pautas já estavam mais enraizadas. Já em 2011, a revolução foi feita dentro de dez dias entre a morte de Bouazizi e a retirada do ditador tunisiano.
Além disso, a rapidez com que as informações e formas de organização foram espalhadas fez com que esse movimento não fosse isolado na Tunísia, mas pudesse quebrar fronteiras, unindo populações distintas em um nível nunca visto antes.
Também por causa dessa facilidade comunicacional, a reação dos governos ditatoriais tiveram que ser também rápidas e de longo alcance, gerando as diferentes formas de resposta vistas anteriormente, na tentativa de quebrar com as comunicações entre os manifestantes e desses com com o mundo externo ao país em que viviam.
A agilidade com que a Internet proporciona a comunicação mundial, proporcionou a conquista dos propósitos das manifestações no mundo árabe em 2011, porém, novas formas de censura continuam sendo criadas para que uma movimentação tão grande e intensa não possa acontecer outra vez. Portanto, apesar de novas tecnologias permitirem uma maior organização popular, elas também permitem que governos autoritários tenham um nível maior de vigilância sobre sua população, fazendo com que sejam disputas e evoluções constantes de ambos os lados para burlar e capturar diferentes meios de comunicação.
Fontes:
La Primavera Arabe y el Rol del Internet. Disponível em: <https://rcjrosillojunior.wordpress.com/2016/05/10/la-primavera-arabe-y-el-rol-del-internet/> Acesso em: 15/09/2017
Government Censorship of the Internet during the Arab Spring. Disponível em: <http://globalconnections.champlain.edu/2015/11/23/government-censorship-of-the-internet-during-the-arab-spring/> Acesso em: 15/09/2017
E-censorship and the Arab Spring. Disponível em: <http://www.maarav.org.il/english/2011/11/e-censorship-and-the-arab-spring/> Acesso em: 15/09/2017
Iran rolls out domestic Internet. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/technology-37212456> Acesso em: 20/09/2017
Comments