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Vulnerabilidades que afetam mulheres envolvidas no tráfico internacional de pessoas e na prostitução

Updated: Apr 2, 2021

Por Samara Raulfman

O tráfico internacional de mulheres e também suas migrações voluntárias, a fim de se inserirem no mercado sexual, é marcado por diversas complexidades e subjetividades, este texto irá trazer alguns exemplos de acontecimentos em fronteiras e migrações entre Brasil-Venezuela e Brasil-Espanha. O fator que torna o estudo relevante é a aplicabilidade do que acontece nessas regiões, para diversas outras no mundo. Para entender melhor essas problemáticas, será apresentado três vulnerabilidades presentes nas vidas dessas mulheres, uma material, uma institucional e outra estrutural.

Essas vulnerabilidades foram observadas e sintetizadas através da leitura de artigos que mostram comportamentos e situações comuns na vida dessas mulheres, as vulnerabilidades foram agrupadas de uma maneira específica nesse texto. Essas posições subalternas marcam a vida de muitas mulheres, mas não de maneira exclusiva e única. As mulheres passam por processos individuais, assim como os diversos grupos em que elas estão inseridas, cada qual com suas particularidades. Logo o objetivo aqui é traçar um panorama estrutural, de algumas vulnerabilidades, que tangem a vida de muitas mulheres; vulnerabilidades que ultrapassam fronteiras, Estados, nacionalidades e culturas.

Vulnerabilidade Material

Geralmente as mulheres que migram, independente de terem sido bancadas por alguma agência, ou através seus próprios recursos, ou de fato, sem o seu consentimento de que trabalho irão realizar, migram principalmente em busca de melhores condições econômicas. A primeira vulnerabilidade está nesta própria condição, a material, principalmente econômica.

Há diferentes razões que levam uma mulher a decidir migrar de seu país, Claudia Mayorga, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e do Programa de Pós-graduação em Psicologia, mostra em seu artigo “Cruzando fronteira. Prostituição e imigração”, no qual ela entrevistou diversas mulheres brasileiras que migraram para Espanha, com o objetivo de exercer a prostituição, e dentre esses motivos encontra-se: “dificuldades econômicas e exclusão social, problemas familiares e afetivos e desigualdade de gênero” (MAYORGA, 2011, p. 334). Há um propósito em busca de uma “vida melhor”, e uma tentativa de fulga das condições vulneráveis que elas se encontram no Brasil. Segundo a autora, muitas dessas mulheres acreditam que ir trabalhar na Europa é “um sonho cheio de glamour”, já que acompanha ideias de identidade como progresso, desenvolvimento e evolução cultural.

Ainda buscando entender razões pelas quais as mulheres buscam deixar seu país, pode-se destacar o caso da BR-174, que cruza a fronteira Brasil-Venezuela. No lado brasileiro, essa fronteira fica em Roraima, um estado que teve sua formação marcada pelo encontro de “populações procedentes de diversas regiões do Brasil”(OLIVEIRA, 2007, p.59), um dos fatores que contribui para o surgimento de inúmeros conflitos que envolvem interesses culturais, econômicos e étnicos, ocasionando intensos fluxos de migração. Uma pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil mostra que essas mulheres geralmente migram inicialmente para Venezuela, e o objetivo final é a Europa, em busca dessas melhores condições de vida. Sheila Jeffreys, lésbica, feminista, ativista e referência em suas análises de política das sexualidades, também destaca em em seu livro “Industrial Vagina”, a maneira como essas mulheres migram por contra própria em busca de melhores condições financeiras.

Observando agora a questão que tange a voluntariedade ou não dessas mulheres, nota-se que há sim uma fuga voluntária em busca de melhores condições. E há sim grupos de mulheres que vão diretamente encaminhadas para a prostituição, outras que acabam sendo levadas, por um agente específico ou pelas circunstâncias à esse caminho e até mesmo aquelas que são literalmente forçadas desde o início. Mas um fato é que: as mulheres Brasileiras, e também Latino Americanas em geral, não são seres completamente incapazes de optar por suas decisões, e sempre facilmente de serem enganadas por terceiros; é um tanto quando eurocêntrico acreditar em tal situação. Muitas dessas mulheres não necessariamente são consideradas traficadas, já que acabam se auto financiando em suas viagens, mas isso não significa que elas não estejam inseridas dentro de uma lógica estrutural de dominação que as colocam em uma posição vulnerável.

Isto pode ser observado através do Protocolo da ONU de 2000, que analisa o “Tráfico de pessoas na Convenção Transnacional da ONU do Crime Organizado Transnacional”, mostra uma definição capturada por métodos variáveis que podem ser usados para exercer alguma forma de controle sobre uma mulher. Diz que o tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça, uso da força, ou outras formas de coerção, fraude, decepção, e abuso de poder ou de alguma posição de vulnerabilidade; ou o fornecimento ou recebimento de pagamentos ou benefícios para uma pessoa atingir, obtendo controle sobre a outra. Portanto é evidente que muitos desses fatores não deixam de existir, mesmo que uma mulher vá por vontade própria.

Vulnerabilidade Institucional

A segunda vulnerabilidade entra quando algumas delas precisam passar da legalidade para a ilegalidade. Devido à principalmente a vulnerabilidade econômica, muitas vezes elas acabam se tornando migrantes ilegais, além da própria ilegalidade da prostituição em alguns países. Vale destacar também outros mercados ilegais que andam lado a lado da prostituição, principalmente nas regiões fronteiriças.

Ao sair na fuga de uma vulnerabilidade econômica, muitas mulheres acabam se deparando com diversas outras situações deploráveis. Não só aquelas que chegam na Europa, como as que ainda estão no meio desse caminho, que logo veem que não necessariamente há todo o glamour idealizado. Sem contar quando se deparam com a impossibilidade de alcançar o outro lado do continente, ficando estagnada em diversas outras regiões.

Na transmutação de uma posição de legalidade, para ilegalidade, a ilegalidade desses corpos pode ser vista de maneira mais evidente através das próprias migrações ilegais. No âmbito da fronteira Brasil-Venezuela, a região é “marcada pela inexistência e/ou fragilidade de fiscalização por parte da Polícia e Rodoviária Federal” (OLIVEIRA, 2007, p.60), e se torna um ambiente extremamente propício para atividades ilícitas no geral. Além do tráfico de mulheres, há também o tráfico de crianças, drogas, armas e combustível.

Dessa forma, o grande atrativo na fronteira Brasil-Venezuela que contribui para aumentar a dinâmica das interações sociais é o conjunto de atividades ilícitas em seu núcleo urbano. Tais práticas contribuem para potencializar o grau de vulnerabilidade sócio-espacial da localidade, tornando, assim, a área mais propícia para a atividade do tráfico de pessoas associadas à exploração sexual. (OLIVEIRA, 2007, p.69)

Quando essas mulheres chegam a Espanha, muita vezes de maneira ilegal, acabam se submetendo em condições ainda mais extremas. Além das próprias leis da Espanha que não reconhecem essa profissão, se tornando uma ilegalidade dupla, muitas mulheres acabam vivenciando prostituição de rua, há clubes que oferecem serviços sexuais na rua, e nesses lugares passam a concentrar migrantes irregulares tanto a trabalho, quanto por questões de moradia, já que eles proporcionam uma relativa segurança à quem está “sem papéis”, como afirma Piscitelli, especialista em gênero, em “as fronteiras da transgressão: a demanda por brasileiras na indústria do sexo na Espanha”. A autora também destaca o fato de que esses espaços de maiores vulnerabilidades são encontrados principalmente em Galícia, fronteira com Portugal, lugar pouco vigiado pelas forças estatais desses dois países.

Essas mulheres em situações ilegais perdem também a possibilidade de recorrer a certos recursos tradicionais de defesa do Estado, como quando mesmo em situações de risco não vão à polícia, e até mesmo outros diversos locais que exigem algum tipo de documento, como hospitais. É possível que elas passem por grandes barreiras por conta do idioma também, e tudo isso cria espaços de locomoção e buscas de proteção de uma maneira particular e de maiores riscos, diferente daquela oferecida tradicionalmente pelos Estados.

Vulnerabilidade Estrutural

A terceira vulnerabilidade é: muitas delas encontram uma ascensão econômica sim, mas acabam se mantendo presas dentro de uma estrutura colonial, patriarcal e machista, que as colocam diante de diversos outros tipos de violência, resultando desde uma óbvia violência sexual de seus próprios corpos, até uma certa impossibilidade de retornar às suas vidas, mesmo depois de atingir essa ascensão, já que há um estigma de retornar às seus lares por agora serem vistas negativamente como prostitutas.

Essa estrutura as impedem de sair dos espaços de vulnerabilidades. Os próprios meios de proteção à mulheres no geral se tornam difíceis, primeiro por existir a possibilidade da ilegalidade; e até para aquelas que não possuem esse status, o Estado como estrutura tende a criar uma noção de que essas pessoas vulneráveis possuem uma característica perfeita e única, como se todas fossem iguais e tivessem as mesmas necessidades, ignorando complexidades e individualidades dos diferentes corpos que passam por essas situações.

No caso específico das mulheres brasileiras e também latino americanas, a vulnerabilidade engloba o âmbito de suas nacionalidades, inseridas dentro de uma lógica colonialista, onde há reproduções de um novo imperialismo, subjugado não apenas em seus países, mas também diretamente em seus corpos; e a maneira como eles podem ser dominados.

Anos atrás os países Europeus colonizaram e dominaram suas antigas colônias, reproduzindo lógicas que os colocam como “superiores e racionais”, em busca de missões civilizatórias no interior populações “irracionais e frágeis”. Assim como os corpos femininos foram construídos com uma imagem de irracionalidade e fragilidade, facilitando a dominação do homem sobre a mulher. Sheila Jerreys afirma em “Gender Hurts: A Feminist Analysis of the Politics of Transgenderism”, como as ideias dos homens sobre o que são mulheres se desenvolveram a partir de seu posicionamento dominante e atribuíram às mulheres características que deveriam beneficiar seus “superiores”, tentando justificar esse domínio. Isso não representam a ‘verdade’, mas têm sido promovida como se fosse, ainda mais com o apoio de uma ciência machista e das visões patriarcais.

Cynthia Enloe, grande referência nas questões de gênero para área de Relações Internacionais, também transmuta essa ideia da nacionalidade do sexo, que revela a importância de ouvir mulheres que habitam o terceiro mundo, já que elas ainda sofrem esses tipos de colonizações. Seria errado trazer a tona qualquer argumento que diminua essa estrutura de opressão tão marcante na sociedade.

Além disso, como afirma Piscitelli, no Brasil o debate sobre a integração das mulheres do país na indústria transnacional do sexo é sinalizado pela percepção, já êmica, de que há certa construção da feminilidade nacional, intensamente sexualizada e marcada pela “cor”, é um aspecto central em diferentes dinâmicas de consumo do sexo permeadas pelas desigualdades no “turismo sexual internacional”. Ou seja, mulheres por serem brasileiras, ou de quaisquer outras etnias considerada minoritária, possuem suas particularidades no sistema patriarcal de opressão colonialista.

Por fim, entende-se que essas três vulnerabilidades representam uma possível sintetização das complexidades das vidas dessas mulheres. Em muitos casos, essas mulheres buscam sair de um estagnação econômica, e conseguindo ou não, elas se encontram dentro de diversas outras vulnerabilidades que tangem desde questões jurídicas até essa noção sexualizada e vitimizada de mulheres de origem latino americanas, que é também uma herança do colonialismo marcado por uma estrutura de dominação dos países Europeus.

Referências

JEFFREYS, Sheila. Gender Hurts: a feminist analysis of the politics of transgenderism. Sheila Jeffreys. Londres e Nova York: Routledge Taylor & Francis Group, 2014.

JEFFREYS, Sheila.The industrial vagina: the political economy of the global sex trade. USA: Taylor & Francis e-Library, 2008.

MAYORGA, Claudia. Cruzando fronteiras: prostituição e imigração. Cad. Pagu [online]. 2011, n.37, pp.323-355.

PIMENTEL, Geyza e OLIVEIRA, Rafael. Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial na fronteira Brasil-Venezuela: o caso da BR-174. In: LEAL, Maria Lucia, LEAL, Maria de Fátima, LIBÓRIO, Renata. (Org.). Grupo de Pesquisa sobre Violência, Exploração Sexual e Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes. pp.59-74 VIOLES/SER/UNB. Brasília, 2007.

PISCITELLI, Adriana. As fronteiras da transgressão: a demanda por brasileiras na indústria do sexo na Espanha. In: Sexualidad, Salud y Sociedad. Revista Latinoamericana, núm. 1, 2009, pp. 177-201 Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos Río de Janeiro, Brasil.

SOUZA, Natália Maria Félix de. ‘What Is She Thinking?’ – Natália Félix in Conversation with Cynthia Enloe. Contexto int., Rio de Janeiro , v. 40, n. 3, p. 435-452, Dec. 2018 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292018000300435&lng=en&nrm=iso&gt;. access on 09 Jan. 2020.

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