Por Beatriz Leite, graduanda em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsista do PET-RI
Para a maioria do mundo, falar sobre sustentabilidade significa substituir, das mais criativas formas, os combustíveis fósseis por energia limpa. Há o sonho utópico de reduzir significativamente as emissões, mas também é irresponsável ignorar a força comercial desse recurso e sua dependência para a consolidação dos países, especialmente aqueles em desenvolvimento. Trata-se de um recurso cuja substituição conflita diretamente com as prioridades econômicas e que aprofunda ainda mais desigualdades globais.
A problemática é que o aquecimento global e as mudanças climáticas que já ocorrem demonstram um senso de urgência que não aparece nas diplomacias e negociações internacionais. Além disso, o fato de as nações se articularem em encontros internacionais não indica real avanço. A Conferência das Partes da Convenção do Clima de 2022, COP 27, organizada pela Organização das Nações Unidas no Egito, recuou em limitações ao uso de petróleo, carvão e gases naturais, questão central para o controle do aquecimento global. Certamente, a pressão de nações petroleiras, como Arábia Saudita e Rússia - além das influências externas de lobbies - foi parte fundamental para este desfecho, mas também há destaque para o receio do Sul Global de abrir mão do combustível para seu desenvolvimento.
Esse senso de busca por quem deve ceder ou contribuir mais revela um cenário complexo. As nações que parecem liderar inovações para a redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) são as mesmas que iniciaram o aumento exponencial da quantidade de dióxido de carbono da atmosfera. Evidentemente, a exploração dos países menos desenvolvidos e a emissão desenfreada garantiram às potências mundiais a estabilidade necessária para maior comprometimento sustentável na atualidade, o que possibilita maior cobrança pela responsabilidade histórica desses atores. Segundo artigo da Carbon Brief, ainda que hoje a China seja a maior poluidora e maior cobrada atualmente pelo uso de combustíveis fósseis, a recém potência não supera o acúmulo de poluição iniciado desde 1850 pelos Estados Unidos, que totalizam sozinhos 20% da emissão histórica global. Outros países intervencionistas aparecem com porcentagens relativamente baixas, como o Reino Unido com 3%, o que se atribui ao difícil cálculo do impacto produzido em suas colônias, o que definitivamente aumentaria os números caso fosse somado.
Por outro lado, há a percepção de necessidade de esforço coletivo e igual cobrança dos países em desenvolvimento. No debate da Cúpula da Amazônia, embora o foco seja a preservação florestal e como evitar o ponto de não retorno, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, surpreendeu com um incisivo discurso de maior comprometimento com o controle de combustíveis fósseis no cenário latino. Especialmente diante do dilema de exploração de petróleo na bacia amazônica, Petro aponta que "A política não consegue se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil. Por isso, a ciência se desespera, porque ela não está vinculada a esses interesses tanto quanto a política.".
Trazendo estas questões para realidade brasileira, vale ressaltar que, em contramão do mundo, o setor energético não é a principal fonte poluente do Brasil, mas o que ainda totaliza, segundo a plataforma SEEG, algo nada animador: mais de 11 milhões de toneladas de emissões desde 1990. Portanto, de fato, para alcançar as metas prometidas no Acordo de Paris até 2030, o Brasil terá que reduzir uma “Colômbia inteira”, segundo análise da Política por Inteiro. Ainda, o atual plano para progresso nesse quesito é o desenvolvimento de um mercado de carbono brasileiro, o que, por um lado, é uma solução para o Estado incentivar e ter maior controle da redução de emissões. Por outro, é a associação intrínseca da política com o lucro dos combustíveis fósseis mencionada por Petro, tendo em vista a necessidade de encontrar alternativas capitais para a preservação ambiental.
Todavia, não existe solução realista que simplesmente exclua a dependência entrelaçada do desenvolvimento econômico com os combustíveis fósseis. O argumento do sistema de exploração “neocolonialista verde” comentado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva na reunião da Cúpula do BRICS, expõe o cenário onde a transição energética seja possível para o Norte Global já desenvolvido que agora busca controlar ou vender alternativas menos poluentes para o Sul Global.
Além disso, apesar da redução de seus impactos nacionais, é evidente o incentivo e lucro com a produção em países em desenvolvimento por parte dessas potências consolidadas, o que apenas perpetua no terceiro mundo a busca por captação de investimentos estrangeiros possibilitados pelo ramo. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), dentre 82 grupos de exploração de petróleo e gás no país, cerca de 21 nacionalidades além da brasileira estão envolvidas no estímulo à indústria petroquímica, incluindo Austrália, Canadá, Espanha, Japão, Noruega e Reino Unido.
Colocando na ponta do lápis, também se considera que além dos valores materiais, há cerca de 450 mil empregos gerados exclusivamente pelo ramo de exploração e mais de 1,6 milhão de trabalhos direta ou indiretamente propiciados pela cadeia de petróleo e gás, segundo Caderno de 2022 da Associação Brasileira das Empresas do Serviço de Petróleo. Mencionam-se os impactos indiretos pois a tentativa de autodeterminação nacional através da industrialização e substituição da importação do Norte Global levou o Brasil e demais países em desenvolvimento a reproduzirem as tecnologias e ciclos produtivos de bens essenciais que são dependentes de combustíveis fósseis, sendo estes essenciais também para outros setores.
Conforme cobertura do Observatório do Clima para COP 28, a representante de Samoa levantou exatamente o ponto de frustração dos acordos que mencionam apenas alternativas e estratégias para os “sistemas energéticos” quando os combustíveis fósseis também estão inseridos no setor petroquímico e na produção de plásticos, embalagens alimentos industriais e medicamentos. Novamente, é evidente que embora exista progresso no reconhecimento dos impactos, ainda é necessário aprofundar as dimensões de adaptação.
Por fim, é evidente como o comprometimento com a redução de emissão de GEEs está inegavelmente subjugado às forças econômicas, sendo a adesão de todas as partes um cenário complexo de ser atingido diplomaticamente devido a interferência do sistema capitalista e os graus de dependência e desenvolvimento produzidos por este. Em outras palavras, medidas de mitigação são efetivamente consideradas ou colocadas em práticas quando em conformidade com as finalidades financeiras nacionais e internacionais, enquanto as emissões não reduzem no ritmo necessário para conter ainda mais prejuízos ambientais.
Na prática, embora exista consciência do impacto para o aquecimento global, as complexidades históricas da política e economia predominam nas agendas globais. Por isso, o resultado do mais recente evento da agenda climática, a COP de Dubai, reflete simultaneamente o progresso histórico de comprometimento com a eliminação de combustíveis fósseis - muito mais do que o conquistado em anos anteriores e do que esperado pelo caminhar das negociações até o último dia - e a promessa vaga “emissão líquida zero até 2050”, sem elucidar estratégias claras e planos de incentivo financeiro para atingir essa meta.
A temática caminha para cada vez maior emergência devido às mudanças climáticas, o que - esperançosamente - pode refletir o melhor andamento do debate, mas ainda não recupera o tempo perdido com negociações frágeis e pouco comprometimento. A mensagem das nações insulares que lidam em linha de frente com o aquecimento global sobre a COP 28 foi representada pela fala da Anne Rasmussen, negociadora-chefe da nação insular do Pacífico, que aponta como “Não é o bastante para nós reconhecer a ciência e, depois, fazer acordos que ignoram o que a ciência está nos orientando a fazer”.
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