Por Gabriel Baes, graduando em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET RI)
Apesar de seu efeito internacional, o fenômeno da mudança climática está fortemente relacionado a diversos processos locais existentes em cada país que possuem igual importância na manutenção dos ciclos de poluição existentes nos países. Ao se pensar o Brasil, por exemplo, nota-se que grande parte das suas emissões de gases de efeito estufa provém do desmatamento que ocorre em massa em diversas regiões do país, especialmente a Norte com a expansão da fronteira agrícola nas regiões da floresta amazônica. No que concerne a participação brasileira no aquecimento global, segundo os dados levantados pelo “Observatório do Clima”(2023), ao decompor a emissão bruta de gases de efeito estufapelo Brasil, tem-se que as “mudanças de uso da terra”corresponderam a 49% do número total de emissões em 2021, e em seguida a agropecuária com 25%, a qual, em parte,também está relacionada ao desmatamento. Sendo assim, “aalta do desmatamento, sobretudo na Amazônia, foi a principal responsável pelo aumento de emissões. A destruição dos biomas brasileiros emitiu 1,19 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente no ano retrasado.” (Observatório do Clima, 2023, p. 3).
Mais especificamente aos dados sobre desmatamento, segundo projeções do “MapBiomas Alerta” (2023), entre 2019 e 2022 houve o desmatamento de 6.606,499 milhões de hectares em todo território brasileiro, sendo 2.057,251 milhões de hectares apenas em 2022. Ademais, foram detectados que desse total, 184.240 mil hectares de desmatamento ocorreram dentro de Unidades de Conservação, o que corresponde a 8,9% do desmatamento total em 2022.
Essa intrínseca relação existente entre o desmatamento e o aquecimento global no caso do Brasil está fortemente relacionada a uma questão fundiária historicamente problemática e pouco regularizada pelo Estado, que desde seu princípio abriu margem e incentivou legal e economicamentea existência de grandes latifúndios voltados para exploração agrícola e pecuária. Acima disso, ainda que recentemente tenham surgido novas percepções a partir do capitalismo verde, o próprio sistema econômico capitalista foi historicamente construído sobre bases que entendiam o desenvolvimento econômico acima da noção de sustentabilidade como forma de obtenção do lucro máximo.Portanto, entende-se esse processo como uma intercalação entre vias internacionais e locais ao longo do desenvolvimento do Brasil como uma nação, que cresceu estimulando uma exploração descabida e insustentável do meio ambiente, com o principal intuito sendo os ganhos econômicos em detrimento do social.
Um dos mais afetados pelos processos inerentes a esse estado de confusão foram e são os povos originários, que são continuamente expulsos de forma violenta das terras que serviam para sua subsistência e definem a história de seus povos.
Além dos dados já expostos sobre o desmatamento de modo geral, segundo uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports, o desmatamento apenas nas Terras Indígenas (TI) atingiu uma área de 1.708 quilômetros quadrados no período entre 2013 e 2021. Ademais, conforme é exposto no relatório realizado pelo “Conselho Indigenista Missionário” (Cimi) em 2022, todo o retrospecto das políticas anti-indígena e desmonte ambiental durante o governo Bolsonaro, resultaram em um aumento de 252% das invasões em Tis durante seu mandato. Assim, a questão fundiária brasileira se mostra pautada sobre bases extremamente violentas, tendo na despossessão forçada dos povos subalternos de suas terras por direito o principal mecanismo pelo qual ela opera, prejudicando não só grupos originários pertencentes a sociedade brasileira, mas também o mundo natotalidade pela relação direta existente entre esse processo, o desmatamento e a emissão alarmante e exponencial de gases de efeito estufa pelo Brasil, de forma que seja impossível distinguir uma pauta da outra ou solucioná-las separadamente.
Apesar de tal cenário ter ganhado uma melhor perspectiva a partir do governo Lula e a volta de um maior foco para a agenda climática e a questão indígena, representado pela posse de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e a criação do Ministério dos Povos Indígenas(MPI), presidido por Sônia Guajajara, respectivamente, ainda há um longo caminho a ser traçado para que os danos já feitos não sejam aprofundados ainda mais. Dentre os avanços tidos nesse âmbito, pode-se citar a recente demarcação de seis terras indígenas por Lula como um progresso da pauta indígena, e a convocação da Cúpula da Amazônia como ilustração dacentralidade da agenda climática na inserção internacional do Brasil.
No entanto, mesmo havendo relevantes avanços, a atuação brasileira ainda se centra primariamente em discursos, como é o da importância transição energética, desmatamento zero ou das emissões pautadas pelas contribuições nacionalmente determinadas e proporcionais, enquanto ainda carece de uma atuação concreta e imediata para que o discurso se torne realidade e o desmatamento e emissões do Brasil sejam efetivamente diminuídos. Tal descompasso existente entre o discurso e a ação no que concerne a agenda climática do Brasil é retratado, por exemplo, através da sanção presidencial que manteve o esvaziamento das funções do MPIao oficialmente atribuir ao Ministério da Justiça e Segurança Pública o reconhecimento e demarcação de terras indígenas; e também pela adesão do Brasil à Opep+, grupos de países-parceiros do cartel do petróleo, apesar do discurso do governocontra a proliferação do uso de combustíveis fosseis entre os países na COP 28. Esse cenário retratado no Brasil aparenta, de alguma forma, estar sendo seguido pela Comunidade Internacional como um todo, quando, apesar do aumento das discussões em volta da pauta da Justiça Climática e da emergência do aquecimento global entre os países, a COP 28 foi realizada nos Emirados Árabes, segundo maior produtor de petróleo do mundo e um dos fundadores da Opep, e teve um número recorde de lobistas, com quase 2500, que representa sete lobistas para cada indígena presente na conferência.
Diante do panorama exposto, a relação direta entre o desmatamento e o aquecimento global no caso brasileiro, evidenciada pelos dados e exemplos acima apresentados, destaca a urgência de uma abordagem integrada que considere não apenas as dimensões ambientais, mas também as sociais na agenda climática. Nesse sentido, os povos originários emergem como os mais afetados por essa crise, enfrentando a despossessão violenta e exploração de suas terras, o que ressalta a necessidade de abordar as questões fundiárias de maneira ética, justa e integrada. Entretanto, apesar de alguns avanços já realizados, a desestruturação do Ministério dos Povos Indígenas e a participação em grupos como a Opep+ evidenciam os desafios na transformação da retórica em ações concretas pelo Brasil, de modo que haja reais mudanças no cenário atual da questão climática e indígena, tanto localmente quanto internacionalmente.
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