Cerca de dois meses após a retirada das tropas estadunidenses e a tomada de poder do Talibã, o Afeganistão passa hoje por um momento de transição e instabilidade. Ao mesmo tempo, o seu povo segue em condição de miséria e o país enfrenta uma grave crise humanitária.
Por Ana Luísa Calvo Tibério e Hadassa Silva - graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
No mês de agosto deste ano, jornais do mundo inteiro voltaram seus olhares para o Afeganistão após a retirada das tropas estadunidenses do país e a tomada de poder do Talibã. Após os acontecimentos, surgiram uma série de questionamentos acerca dos fatores que levaram a essa situação, dos impactos para a população local, das consequências internacionais e de uma possível prova de derrocada do imperialismo norte-americano.
À época, o Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP organizou uma Aula Pública sobre a temática, com a presença de Francirosy Barbosa, Jamil Chade e Reginaldo Nasser, disponível na íntegra no YouTube. Assistir a aula permite que, mesmo após quase dois meses, ainda seja uma recomendação para quem deseja compreender a questão afegã a partir de suas complexidades e peculiaridades, sem recorrer a narrativas islamofóbicas e ocidentalistas.
O Afeganistão é um país localizado na Ásia Central, com enorme potencial econômico. Nesse sentido, ele é estratégico para as principais potências mundiais, por diferentes razões. No caso russo, o interesse é de se opor à influência estadunidense no Oriente Médio e Leste Europeu, além de enfraquecer o Estado Islâmico. Para a China, é relevante devido aos seus minerais, além de ser um contraponto aos norte-americanos e aos jihadistas uigures. Já Índia, Irã e Paquistão vêem no vizinho um potencial aliado para fortalecer seus vínculos econômicos e militares. Os Estados Unidos, por sua vez, temem o fortalecimento das potências inimigas (China, Rússia e Irã), bem como dos chamados “grupos extremistas”.
Justamente por isso, ainda há incertezas sobre como os Estados Unidos se posicionarão no próximo período acerca do próprio Afeganistão chamada “Guerra ao Terror”, uma vez que o Presidente Joe Biden tem sofrido enorme pressão de diversos setores após a retirada das tropas. Fato é que a presença das tropas norte-americanas, de suas empresas privadas de segurança e os 975 milhões de dólares gastos total de gastos é de 2 trilhoes de dolares 90% para empresas de segurança saiu uma materi ano The Intercept durante os últimos 20 anos no país asiático não lograram nos objetivos divulgados para a invasão do país, isto é, não combateu o terrorismo e tampouco não reconstruiu o país, que permanece rural e miserável.
O panorama de pobreza, desnutrição e miséria já se alastrava pelo país, sobretudo suas áreas rurais, que concentram a maior parte de sua população, desde muito antes da tomada do grupo fundamentalista islâmico. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Afeganistão era a terceira maior crise humanitária do mundo ao fim de 2020, mas que o fato de 75% das áreas rurais do país sem água potável ou saneamento básico não gerava nenhuma mobilização internacional.
A triste questão é que hoje, após quase dois meses do governo Talibã, a possibilidade de avanço econômico também é uma incógnita, de modo que existem poucas perspectivas para o povo afegão sair dessa situação. O tom autoritário, extremista e violador de direitos humanos do regime, além de gerar medo na população, que tem buscado meios de fugir do país, tem causado incertezas em países e organizações que fornecem subsídios ao Afeganistão. Ademais, ainda há um total de US$ 10 bilhões em ativos e servas do banco central afegão no exterior que o Talibã não tem conseguido acessar. A esperança do governo, contudo, tem sido depositada nos chineses, que como já apontado, possuem um interesse estratégico no país, razão pela qual tem demonstrado disposição para fazer investimentos lá.
Por fim, do ponto de vista dos direitos sociais, uma das principais preocupações dos setores progressistas mundiais quando da tomada do poder pelo Talibã, de fato temos observado retrocessos. Medo, evasão escolar e proibição de trabalhar tornaram-se realidade para muitas mulheres afegãs no último período, contrariando inclusive manifestações públicas de dirigentes do regime. No mesmo sentido, membros da comunidade LGBTQIA+ têm sido sistematicamente perseguidos e abusos contra civis também têm sido denunciados por ONGs internacionais.
Assim sendo, após cerca de dois meses de governo Talibã, resta evidente o cenário de disputas, crises e incertezas vivenciados no país, que envolvem tanto agentes e interesses nacionais, quanto internacionais. É necessário seguir monitorando a situação, que ao que tudo indica não sairá tão cedo dos noticiários, mas sempre, como nos ensinou a Aula Pública do GECI, partindo de uma visão crítica e histórica.
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