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A violência Conjugal no Canadá: fatores de risco e problemáticas envolvendo a busca por auxílio poli

             Luiza Oliveira Tomanik

  Campanha da SOS Domestic Violence contra a violência doméstica no Canadá.  

            A violência contra as mulheres é um grave problema em todo o mundo e afeta inclusive países conhecidos por seu alto grau de desenvolvimento e respeito aos direitos humanos, como o Canada. Embora a sociedade canadense seja reconhecida pelos seus esforços no combate à desigualdade de gênero, a violência conjugal ainda é uma importante questão no país. Segundo a Statistics Canada (2011) [1], cerca de 600.000 mulheres foram vítimas desse tipo de violência nos cinco anos anteriores à pesquisa, realizada em 2009. O Canada não foge à regra do que acontece nos demais países e grande parte dessas vítimas não denuncia a violência sofrida. No entanto, o que surpreende é que a porcentagem de mulheres que procuram a polícia diminuiu nos últimos anos – de aproximadamente 36% das vítimas em 2004 para apenas 30% em 2009, queda aparentemente pequena, mas extremamente relevante considerando que os índices já eram muito baixos.

            Alguns segmentos da sociedade são mais atingidos pela violência conjugal no país, como imigrantes, moradoras das zonas rurais e mulheres pertencentes a comunidades nativas canadenses (povos inuits). Já a falta de procura por auxílio policial se dá por vários motivos. No caso das imigrantes, essa busca é difícil de ocorrer, pois a cultura patriarcal da sociedade a que pertencem, o medo de serem deportadas e o estigma social são fortes impedimentos para as denúncias. Já no segundo grupo, a falta de vínculo entre as moradoras das zonas rurais – por questões geográficas, principalmente, dificulta que elas encontrem apoio para realizar a denúncia. Por fim, no último caso, os povos aborígenes, além da existência de uma forte cultura patriarcal há um descredito no tipo de justiça adotada pelo Estado que os exclui.

            Alguns fatores afetam majoritariamente os índices de violência conjugal no país, aspecto analisado no General Social Survey (GSS) de 2009. Primeiramente, importa perceber que as mulheres lésbicas ou bissexuais [2] são significativamente mais propensas a denunciar a violência por um cônjuge do que as mulheres heterossexuais nos últimos cinco anos – 20,8% versus 6,1%. A idade também é um aspecto relevante: dados do GSS 2009 indicam que mulheres entre 15 e 34 anos são de duas a três vezes mais propensas a sofrerem esse tipo de violência do que mulheres mais velhas. Além disso, as taxas de violência conjugal nos últimos cinco anos em mulheres com limitações de atividades[3] são quase o dobro daquelas sem limitações – 9,3% versus 5,0%. Por fim, é notável que os índices de violência física e sexual são maiores para mulheres que já sofreram algum tipo de abuso financeiro ou emocional de seus cônjuges do que para as que não vivenciaram experiências desse tipo – 19% versus 2%.

            A partir dos anos 1980, a sociedade canadense, impulsionada pelo crescimento dos movimentos feministas, começou a pressionar o governo reivindicando mudanças no financiamento das políticas públicas e nos serviços de atendimento às vítimas de violência conjugal e sexual. Durante esse período, ocorreu uma série de mudanças no Código Penal em relação às regras procedimentais percebidas como perpetuadoras do preconceito[4] e na lei sobre estupro, por exemplo. Além disso, na década de 90, os casos de violência doméstica passaram a ser administrados por uma corte especial – as Domestic Violence Courts, visto que esse tipo de violência passou a ser entendido como completamente diferente de outros casos de violência.

             No entanto, ainda que exista um reconhecido esforço do governo canadense no combate ao estigma social causado por esse tipo de violência, a quantidade de mulheres que procura a polícia para relatar esse problema diminuiu, como relatado anteriormente. As primeiras análises sobre quais fatores podem ter contribuído para essa queda dizem respeito à falta de credibilidade das vítimas no trabalho realizado pela polícia, já que elas perdem o controle sobre a administração de seus casos. Além disso, aspectos como vergonha e medo de julgamentos podem influenciar a procura das vítimas ao serviço policial.

            Uma série de fatores históricos faz com que os policiais canadenses sejam complacentes com a violência conjugal. Entre elas, importa apontar a ampla tolerância social em relação à violência ocorrida entre casais, a relutância das vítimas em tomar medidas legais contra os agressores por medo das consequências e uma tendência da polícia em não enxergar a intervenção nesse tipo de conflito como um trabalho policial.

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Campanha canadense contra a violência doméstica


            É válido perceber também que grande parte das mulheres está mais preocupada com a necessidade de proteção própria e de sua família, do que com a detenção de seu parceiro, o que gera tensão com os objetivos policiais –  que visam, principalmente, a punição dos agressores. É importante também compreender que, em meio a uma sociedade patriarcal e misógina a polícia se estabelece com uma cultura igualmente patriarcal e que banaliza esse tipo de violência. Dessa maneira, assim como em diversos países, grande parte das vítimas é novamente violentada em interrogatórios que questionam constantemente a veracidade dos fatos ocorridos e conivência ou não da mulher.

            Sendo assim, verifica-se que, ao contrário do senso comum, países desenvolvidos como o Canadá também apresentam graves casos de violência conjugal e ainda precisam avançar muito no combate a esse tipo de violência.  Estudar mais a fundo quais são os principais grupos de mulheres atingidos por esse problema e o porquê delas não procurarem o auxílio policial é essencial para criação de boas políticas públicas que visem solucionar esse problema. Um aspecto interessante a ser analisado é o porquê das mulheres lésbicas e bissexuais denunciarem esse tipo de violência quase quatro vezes mais do que as mulheres heterossexuais – o empoderamento resultante da experiência prévia em se assumir em meio a uma sociedade homofóbica pode ser uma das explicações possíveis.  Algumas medidas mais específicas, como a introdução das temáticas de gênero e violência contra as mulheres na formação policial, a fim de minimizar a cultura patriarcal dessas corporações, por exemplo, podem melhor a situação. No entanto, essa questão certamente depende de outras mudanças na sociedade canadense e deve continuar sendo um grande desafio nas próximas décadas.

[1] Statistics Canada. (2011). Family Violence in Canada: A Statistical Profile.

[2] Para fins analíticos, no GSS 2009 as categorias de mulheres que se auto identificavam como lésbicas e se auto identificavam como bissexuais foram combinadas.

[3] O GSS define pessoas com limitações de atividades aquelas que relataram dificuldades em suas vidas por uma condição física ou mental ou problema de saúde que limita a quantidade ou tipo de atividade que elas podem realizar. Isso é baseado na definição da Organização Mundial da Saúde sobre deficiência.

[4] Até 1983, a lei canadense presumia que mulheres sexualmente ativas eram mais propensas a consentir relações sexuais.

Referências Bibliográficas:

VASCONCELLOS. F. B. O Tratamento Judicial da Violência Conjugal no Canadá: resposta punitiva, marcadores sociais e expectativas das vítimas. In: 37º Encontro Anual da ANPOCS. 2013. Águas de Lindóia, SP.

JOHNSON. H; BUNGE. P. V. Prevalence and Consequences of spousal assault in Canada. Canadian Journal of Criminology. p. 28-43. 2001.

AGARWAL. B; PANDA. P. Toward Freedom from Domestic Violence: The Neglected Obvious. Journal of Human Development, New Delhi, v. 8, n. 3, p. 359 – 388, 2007.

CRIAW ICREF. Fact Sheet: Violence Against Woman In Canada. 2013. Disponível em http:// www.criaw-icref.ca/images/userfiles/files/VAW_ENG_longFinal.pdf. Acesso em maio de 2016.

SINHA. M. Measuring violence against women: Statistical trends. Ottawa: Canadian Centre for Justice Statistics, 2013. Disponível em: http://www.statcan.gc.ca/pub/85-002-x/2013001/article/11766-eng.pdf. Acesso em maio de 2016.

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