Por Mariana Martini, graduanda em Relações Internacionais na PUC-SP e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-RI)
Fonte: Núcleo Jornalismo, arte por Rodolfo Almeida
Em 30 de agosto de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão do "X", antigo Twitter, em todo o território brasileiro. A decisão judicial foi adotada pelo ministro Alexandre de Moraes após o não cumprimento da condição imposta pela Corte ao proprietário da rede social, Elon Musk, para indicar um representante legal no Brasil e perdurou até a empresa cumprir decisões judiciais e pagar as multas fixadas. As sanções em questão implicam (i) que o X informe, com expressa anuência da Starlink, se os valores devidamente bloqueados pela justiça serão usados para adimplemento da multa em consequente desistência dos recursos interpostos; (ii) o pagamento imediato da multa de R$ 10 milhões devido ao atraso de 2 dias para tempestiva suspensão da rede no Brasil – consistindo portanto descumprimento de ordem judicial do STF; (iii) que a representante legal do X no Brasil, Rachel de Oliveira, pague multa de R$ 300 mil também por descumprimento de ordens da Suprema Corte.
A suspensão do aplicativo no Brasil reverberou de forma intensa – inclusive em veículos da imprensa internacional como New York Times, Washington Post e The Economist – culminando em debates sobre regulação dos meios de comunicação "versus" uma suposta interferência no direito à liberdade de expressão. Neste debate, Elon Musk, proprietário do “X”, se tornou uma figura central ao criticar abertamente a conjuntura política brasileira e, em especial, a Suprema Corte, a acusando de ser “autoritária” e de tolher a liberdade de expressão da população brasileira, posicionando-se como um defensor global do livre discurso, e alinhado politicamente à direita. Nessa linha, Musk argumenta que mídias sociais digitais devem permitir a livre circulação de ideias sem qualquer tipo de filtro ou censura. É possível dimensionar que o empresário tornou-se uma espécie de “guru” acerca da temática; inclusive, mais recentemente, após a vitória de Donald Trump para desempenhar um segundo mandato na Casa Branca, Musk foi a nomeado como líder do novo Departamento de Eficiência Governamental, com a missão de "desmantelar a burocracia", implementar uma "reforma estrutural em larga escala" e reduzir gastos da administração pública.
No contexto doméstico, em resposta à determinação do STF, em 4 de setembro uma coalizão de partidos políticos (PL, NOVO e PODEMOS) lançou um manifesto, em que apontam o ministro Alexandre de Moraes como uma figura que abusa da autoridade, citando inclusive o Inquérito das Fake News (INQ 4 781), instaurado em 2019. Segundo o manifesto publicado on-line, o inquérito estaria sendo manipulado de forma parcial para conduzir “investigações sigilosas e ameaçar a liberdade de expressão”. O manifesto também exige a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara para investigar o suposto abuso de autoridade generalizado no Poder Judiciário, o arquivamento dos inquéritos em questão e a anistia para os que são considerados supostos “perseguidos políticos”.
Alguns cidadãos, inclusive, organizados por um grupo de treze deputados alinhados à Bolsonaro – em que destaca-se: Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Carlos Jordy (RJ), Eduardo Bolsonaro (SP), Marco Feliciano (SP), Silvia Waiãpi (AP) e Zé Trovão (SC) – clamam pelo impeachment do Ministro, em decorrência da suposta arbitrariedade nas suas recentes decisões, classificando-as como autoritárias e excessivas. O deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), por exemplo, afirmou que o direito à liberdade de expressão está sendo ameaçado e já havia anunciado, em pronunciamento no Plenário do Senado, que futuramente veicularia um pedido de impeachment de Moraes.
Antes de determinar o bloqueio imediato da plataforma em território nacional, em 6 de abril Moraes determinou a restrição do acesso ao “X” para o grupo supracitado de treze deputados bolsonaristas, com a justificativa de que estes estavam utilizando a rede para veicular informações falsas a respeito das eleições presidenciais do ano de 2022. Dos treze deputados investigados pelo STF, cinco são investigados por inquéritos que apuram atos antidemocráticos de 8 de janeiro: André Fernandes, Carlos Jordy, Eliézer Girão, Silvia Waiãpi e Zé Trovão. Dentre os supostos crimes cometidos pode-se citar: incitação ao vandalismo contra prédios públicos; divulgação de “manifestos” favoráveis a um golpe de Estado, fomento de hostilidade entre as Forças Armadas e instituições republicanas e manifestações antidemocráticas.
Quanto à suspensão tempestiva da plataforma do Brasil, a decisão de Moraes foi embasada a partir de reportagens da plataforma “Brasil de Fato”: no ano de 2022, o site investigou como o governo Bolsonaro teria interferido na Anatel para permitir a entrada da empresa de Elon Musk no Brasil. Também, a determinação se baseou nas regulações contidas na legislação brasileira sobre o setor, com destaque para o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014) – que prevê a responsabilização de plataformas por conteúdos ilegais, como ataques à honra ou a disseminação de desinformação – e para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que também impõe restrições. Moraes afirmou que a atuação de Elon Musk e da rede social divergia expressamente das regulações em questão, pois seus princípios incluem a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, deveres que estariam sendo descumpridos com a ocorrência da irregularidade e a demora para a pronta resposta à justiça brasileira. Nesta linha, vários países, incluindo na União Europeia, já implementaram regulação mais rigorosa das redes.
Ainda sobre as ações do STF, questiona-se o volume de decisões judiciais relacionadas a Bolsonaro centradas no ministro Alexandre de Moraes. Porém, é fundamental ressaltar que a requisição de suspensão da plataforma “X” deriva de uma série de decisões judiciais frutos de dois inquéritos judiciais instaurados para apurar a responsabilidade dos autores intelectuais e das pessoas que instigaram os atos (INQ 4921) e dos executores materiais dos crimes (INQ 4922) referente aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, com ataques ao Congresso Nacional. Tendo em vista o fato de que o ministro foi o relator do processo em primeiro plano, e, à época, também presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), todas as decisões provenientes do inquérito inicial devem ser acompanhadas pelo relator designado.
Conclui-se, dessa forma, que a suspensão do "X" no Brasil e a série de decisões judiciais que levaram a essa medida refletem um contexto de intensos conflitos políticos, legais e ideológicos, no sentido de regulação das plataformas digitais – questão que tange de maneira intrínseca a regulação das grandes corporações no Brasil. Este caso não apenas expõe uma tensão pontual entre o STF e figuras como Elon Musk, mas diz respeito a um debate crescente a nível global, em que são pautados os interesses corporativos que se chocam com as necessidades de proteção da democracia e da integridade das instituições políticas.
Esta urgência pela regulação das mídias sociais digitais ganha ainda mais relevância visto a culminância dos eventos de 8 de janeiro de 2023, em que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram a praça dos Três Poderes em Brasília, constituindo uma grave ameaça à democracia, a lisura do processo eleitoral e as instituições políticas. Esse episódio expôs as fragilidades da democracia brasileira, especialmente em relação ao impacto das redes sociais e à disseminação de desinformação, tendo em vista que as plataformas digitais foram utilizadas como viabilizadoras de movimentos para incitar violência, espalhar teorias conspiratórias e convocar manifestações antidemocráticas.
No caso do 8 de janeiro, a não regulamentação do “X” – à época Twitter – permitiu que Fake News, mensagens de ódio e incitação de violência contra figuras políticas e instituições públicas fossem disparadas de forma coordenada por veículos de extrema-direita. A plataforma foi repreendida por sua falta de controle sobre estes conteúdos – muitas vezes criminosos – o que gerou como consequência uma intensa radicalização de grupos bolsonaristas. Somado ao fato de que, de acordo com estudo do próprio “X” divulgado pelo Nexo Jornal, os algoritmos desta rede social podem amplificar de maneira desproporcional conteúdos ligados à direita, que são frequentemente mais polarizadores e tendem a gerar maior engajamento. Isso coloca em questão a imparcialidade dos algoritmos da plataforma, e levanta discussões sobre a necessidade de uma regulação mais rigorosa para evitar que suas ferramentas alimentem a desinformação e a violência política, especialmente em períodos eleitorais.
Referências bibliográficas
AGÊNCIA ESTADO. Quem são os deputados que assinam impeachment de Moraes e são alvos de investigações no STF. UOL Notícias, 15 set. 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/09/15/quem-sao-os-deputados-que-assinam-impeachment-de-moraes-e-sao-alvos-de-investigacoes-no-stf.htm. Acesso em: 2 nov. 2024.
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NEXO JORNAL. Twitter admite que seus algoritmos favorecem a direita. 22 out. 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/extra/2021/10/22/twitter-admite-que-seus-algoritmos-favorecem-a-direita. Acesso em: 2 dez. 2024.
SUPREMO TRIBUNAL DO BRASIL amplia seus poderes, aumentando tensões sobre a democracia. The New York Times, Nova York, 16 out. 2024. Disponível em: https://www.nytimes.com/2024/10/16/world/americas/brazil-supreme-court-expanded-powers-democracy.html. Acesso em: 1 dez. 2024.
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