Por Beatriz Bertini e Luiza Eberlein, graduandas em Relações Internacionais pela PUC-SP e integrantes do PETRI
Fonte: Agência Brasil
Entendendo a Operação
A Operação Verão/Escudo foi realizada na Baixada Santista, com foco no Guarujá, no ano de 2024 durante o governo Tarcísio de Freitas. O primeiro momento desta ação foi a denominada Operação Escudo, que foi lançada em resposta à morte do Policial Militar da ROTA, Patrick Bastos Reis, em julho de 2023, que foi baleado durante patrulhamento na região do Guarujá. Já a Operação Verão é um projeto que difere em origem, ele nasceu como uma resposta à necessidade de reforçar a segurança em regiões turísticas do litoral paulista, durante a alta temporada. É importante salientar que a Operação Escudo, a partir do dia 15 de fevereiro de 2024, foi integrada à Operação Verão, de forma que ambas passam a se referir aos mesmos mecanismos desde então. Dessa forma, o foco da presente análise reside no fato de que neste ano de 2024 a Operação Verão/Escudo teve um caráter profundamente violento.
Com a morte de 56 suspeitos em confrontos com a polícia, a apreensão de 2,6 toneladas de drogas e a prisão de mais de 1000 pessoas, a operação foi encerrada no dia 1º de abril, baseada num discurso de vitória e de objetivos solucionados por parte do governo estadual (DYNA, 2024). O anúncio foi feito por Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública, que afirmou: "A operação cumpriu os seus objetivos (...) Agora, com a ampliação do efetivo, podemos dar continuidade a esse combate, que será constante."
Tendo a duração de aproximadamente quatro meses, a Operação Verão foi a segunda ação mais letal da história de São Paulo, perdendo apenas para o massacre do Carandiru. Aquilo que decorreu logo no início da Operação Escudo ficou conhecido como uma chacina, com a morte de mais de 10 pessoas na região periférica do Guarujá, como explica Eduardo Dyna, pesquisador da área de segurança. Em sua justificativa, o governo argumenta que esse cenário ocorreu a partir do uso de violência extrema como um instrumento de dissuasão para enfraquecer o poder do crime organizado local, aliado à busca intensa pelos indivíduos que confrontaram os agentes e vitimaram integrantes da PM nessa nova onda de violência na baixada santista. Tarcísio de Freitas, em uma entrevista coletiva, elogiou a atuação da polícia, proferindo que "nossa polícia é extremamente profissional (...) A gente está fazendo o que é correto." Logo, esse cenário violento foi consequência da introdução de uma intensificação da política repressiva das instituições policiais pela gestão Tarcísio
A violência disparada pelo Estado surge então em uma lógica que caracteriza a operação pela vingança, em que a morte de um agente estatal desencadeia um massacre sobre toda uma população. Nesse raciocínio, o Estado abandona sua responsabilidade, atribuída pelo princípio do Estado de Direito, de mediar os conflitos e de garantir que a aplicação da força seja feita de maneira legal e legítima, seguindo os limites e procedimentos estabelecidos pela lei. Dessa forma, a Operação Verão/Escudo se mostra como um exemplo de violação desse princípio, destacando que quando o Estado, através de seus agentes, reage com violência desproporcional ou ilegal, está rompendo com seu compromisso de agir de forma legítima e dentro dos limites legais. Ao fazer isso, o Estado deixa de cumprir sua função de assegurar direitos e garantir a ordem, promovendo uma “Operação Vingança”, a qual busca punir em retaliação ao governo, de modo que o Estado passa a ser parte do problema, em vez de ser a solução (RIZZI, 2023).
O discurso da secretaria pública ao encerrar a Operação, justifica a alta violência e letalidade pela vitória no controle do crime organizado, metrificando-o a partir da quantidade de drogas apreendidas. Entretanto, segundo a pesquisa da repórter Jennifer Mendonça (2024), a PM de São Paulo apreendeu três vezes mais drogas na Operação Verão feita durante a pandemia do que a realizada em 2024. Com isso, Mendonça expõe os dados: “Segundo a PM, a edição de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, durante a pandemia de Covid-19, foi a com a maior apreensão de entorpecentes: 3,6 toneladas. No período de 18 de dezembro de 2023 a 4 de abril de 2024, foi apreendida 1 tonelada de entorpecentes, enquanto nas mortes os valores se invertem: foram 13 pessoas mortas pela PM na Operação Verão 2020/2021, contra 41 em 2023/2024.” Desse modo, tal vitória enaltecida pelo governo de São Paulo não se sustenta através do números, uma vez que nos anos anteriores a apreensão foi maior e resultou em menos mortes.
Se não para apreender drogas, quais seriam as motivações do governo de fato? Em um artigo para a Ponte Jornalismo, José Burato (2024) argumenta que uma série de combinados fatores podem levar a essa resposta. A promoção de uma falsa sensação de segurança para a população é uma das possíveis razões para as operações, especialmente para turistas que frequentam o litoral paulista. O investimento em equipamentos, armas e viaturas, sugere uma motivação política por trás dessas operações. Essa motivação também se faz presente em períodos próximos às eleições, em que a demonstração de força e a aparente redução nos índices criminais podem influenciar o eleitorado e angariar apoio político.
Outra possível razão levantada é o fato da morte de policiais, como a do membro da ROTA em Guarujá, intensificar a lógica de guerra ao crime, levando a uma resposta ainda mais violenta por parte do Estado. Essa lógica de guerra surge como um alerta à população periférica, a qual é colocada em uma situação de extrema vulnerabilidade, sujeita à violência tanto do Estado quanto do crime organizado. Por fim, Burato (2024) traça um paralelo entre a violência policial atual e a herança da Ditadura Militar, apontando para a persistência de práticas e de mentalidades autoritárias. A banalização da violência vivida nesse período, trouxe também a banalização da morte, do descaso com as vítimas e da impunidade dos agentes de segurança, demonstrando a falta de compromisso com os direitos humanos e a perpetuação da violência estatal. Assim, a ausência de transparência nas operações policiais, como o não uso de câmeras corporais, reforça a cultura de impunidade e dificulta a responsabilização por abusos.
Ruptura conservadora
A operação, marcada por uma intensa violência, foi caracterizada como uma "ruptura conservadora" na política de segurança pública do estado. O pesquisador e cientista social Eduardo Armando Medina Dyna (2024) cunhou tal termo, ao escrever para o Observatório de Segurança Pública, para destacar como essas ações representam uma intensificação de táticas violentas, comuns a uma linha ideológica conservadora na segurança pública. Assim, a principal característica dessa operação é a militarização da polícia, com um aumento significativo do poder de ação da PMESP, o que resultou em um número elevado de mortes, principalmente em áreas periféricas. O governo atual do estado de São Paulo tem feito mudanças na administração policial, ampliando o exercício da polícia militar em campos aos quais não a caberiam atuar. Como quando em abril deste ano, o governador Tarcísio de Freitas autorizou a polícia militar do estado a exercer atividades de investigação por meio de um Termo Circunstanciado Policial Militar. Contudo, esse tipo de atividade é tradicionalmente executada pela polícia civil, o que levou a uma crise entre as polícias do estado (Capital, 2024).
Segundo a reportagem do G1, “Secretaria de Segurança de SP anuncia o fim da Operação Verão após 56 mortes” (2024), o governo justificou a Operação Verão/Escudo como necessária para combater o crime organizado e garantir a segurança da população, todavia diversos setores da sociedade criticaram a operação, apontando a falta de transparência, o excesso de violência e as graves violações de direitos humanos.
Visto isso, a ruptura conservadora na segurança pública, como evidenciada pelas operações Verão/Escudo, representa um retrocesso perigoso em nossos direitos e liberdades, principalmente pelas populações pobres e periféricas que são as mais afetadas, o qual marca os primeiros dois anos da gestão Tarcísio. Sob o pretexto de combater a criminalidade, o governo institui práticas violentas e arbitrárias, transformando a polícia em um instrumento de repressão e não de proteção. O Observatório de Segurança Pública faz uma reflexão que é profundamente pertinente ao apontar os perigos de naturalizar a onda de violência, medo e massacres das operações policiais.
As notícias da violência promovida pelas operações não foram nem um pouco bem recebidas pelo âmbito internacional. O número acentuado de mortes causadas pela polícia brasileira, e a falta de transparência nas investigações foram bastante criticadas pelo representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Jan Jarab. Ele afirmou à audiência organizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que “há uma falta de investigação adequada de cada uma dessas mortes com o uso do Protocolo de Minnesota. É, portanto, impossível distinguir as mortes em legítima defesa de policiais daquelas atribuíveis ao uso desnecessário ou excessivo da força.” (MELLO, 2024).
Apesar da repercussão dentro e fora do país, o atual governador do estado de São Paulo pelo partido Republicanos, Tarcísio de Freitas, não se mostrou alarmado com a repercussão negativa dos atos da polícia do estado, se mostrando, na verdade, bastante irritado. "Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí" (G1, 2024), disse o governador.
É alarmante pensar no governador do estado afirmando sua tranquilidade em um cenário onde diversas vidas foram perdidas em decorrência da Operação Verão/Escudo. Diante dessa situação, é imprescindível questionar os caminhos que a segurança do estado de São Paulo vem tomando durante a gestão Tarcísio de Freitas, o veículo Agência Pública revelou como seu governo fez aumentar a letalidade policial no Estado, inclusive as mortes de crianças e adolescentes, que vinham caindo havia dez anos. Nesse contexto, o G1 expôs que neste segundo ano de governo, as mortes pela PM de São Paulo aumentaram 46%. Os números totalizam 673 mortes, das quais 577 foram praticadas em serviço e 96 durante folgas.
Segundo levantamento da ONG Conectas, famílias de vítimas das operações Escudo e Verão, junto com lideranças comunitárias da Baixada Santista, organizaram uma audiência pública na Faculdade de Direito da USP, apresentando um relatório o qual acusava a operação de execuções sumárias, tortura e obstrução de justiça. O objetivo do encontro foi dar visibilidade às violações de direitos humanos e à violência policial ocorridas na região, além de pressionar as autoridades por respostas e justiça para os casos relatados.
Com isso, é preciso ter profunda clareza de quem são essas vítimas. A Agência Pública (2024) trouxe à tona a história interrompida de dois irmãos mortos pela polícia nas operações Escudo/Verão. Matheus Ramon Silva de Santana, de 22 anos, e Luiz Gustavo Costa Campos, de 15 anos, foram mortos pela PM dentro das comunidades que moravam no Guarujá. O veículo informa o relato de Maria Silva, a mãe dos jovens, que tem certeza de que seus dois filhos foram executados, ela afirma que Mateus estaria a caminho do dentista quando morreu. Segundo testemunhas, o jovem foi arrastado para o mangue, ao contrário do que diz o Boletim de Ocorrência, que relata que o adolescente apontou uma pistola para os policiais. Como foi exposto, é entendido que os casos destes dois irmãos não estão isolados, e fazem parte de diversas denúncias de execução durante o decorrer desta Operação. Com isso, encerra-se tal reflexão com a fala do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, sobre as vítimas da segunda operação mais letal do estado de São Paulo: “Eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta.”
Referências bibliográficas:
AGÊNCIA PÚBLICA. A história interrompida de dois irmãos mortos pela polícia nas operações Escudo e Verão. 28 mar. 2024. Disponível em: https://apublica.org/2024/03/a-historia-interrompida-de-dois-irmaos-mortos-pela-policia-nas-operacoes-escudo-e-verao/. Acesso em: 28 nov. 2024.
BURATO, José. Jornal Ponte. Artigo Sobre a Frieza da Operação Verão. 2024. Disponível em: https://ponte.org/artigo-sobre-a-frieza-da-operacao-verao/
CONECTAS. Segundo relatório de monitoramento de violação de direitos humanos na Baixada Santista durante a Operação Escudo. São Paulo, mar. 2024. Disponível em: https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2024/03/Segundo_Relatorio_de_Monitoramento_de_Violacao_de_Direitos_Humanos_na_Baixada_Santista_durante_a_Opera-2-1.pdf.
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DYNA, Eduardo. A nova onda de violência na baixada santista e a operação Escudo em 2024: comentários iniciais. Observatório de Segurança Pública. Disponível em: https://www.observatoriodeseguranca.org. Acesso em: 13 nov. 2024.
DYNA, Eduardo. A chacina do Guarujá: antigos problemas e novas tragédias. Observatório de Segurança Pública. Disponível em: https://www.observatoriodeseguranca.org/direitos-humanos/a-chacina-do-guaruja-antigos-problemas-e-novas-tragedias/. Acesso em: 13 nov. 2024.
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MELLO, Daniel. Agência Brasil. Mortes pela polícia têm pouca transparência, diz representante da ONU. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-07/mortes-pela-policia-tem-pouca-transparencia-diz-representante-da-onu
MENDONÇA, Jeniffer. Ponte Jornalismo. PM de SP apreendeu 3 vezes mais drogas na Operação Verão na pandemia do que em 2024. 2024. Disponível em: https://ponte.org/pm-de-sp-apreendeu-3-vezes-mais-drogas-na-operacao-verao-na-pandemia-do-que-em-2024/.
RIZZI, Ester Gammardella. Jornal da USP. Vingança não é política de Estado. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/articulistas/ester-gammardella-rizzi/vinganca-nao-e-politica-de-estado/
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