Por Camila Norwig Galvão
Os meios de comunicação são uma ferramenta importante para veicular informações e difundir conhecimento à sociedade, sobretudo em períodos de emergência sanitária nacional e internacional. Nesse contexto, os meios de comunicação estão inseridos no projeto de segurança sanitária global, no qual os temas de saúde são construídos como ameaças à segurança na lógica da Escola de Copenhague. Dito isso, pretendo problematizar o papel dos meios de comunicação em reforçar a securitização do vírus Zika em 2016 através de imagens e de expressões apresentadas como uma potencial ameaça ao público.
Em 2015, o vírus chegou ao Brasil com uma alta incidência de casos de infecção e de microcefalia em recém-nascidos. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016 e o aumento do fluxo de pessoas, um surto sem precedentes estava projetado. O país se tornou o epicentro de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela Organização Mundial da Saúde e o então governo de Dilma Rousseff implementou os militares como a primeira opção para o combate da doença e utilizou-se de uma linguagem belicosa, como a “guerra contra o mosquito”, para justificar o uso militar (Wenham, 2019).
Para além do Estado, a mídia também é relevante em períodos de emergência sanitária. Segundo Williams (2003), a Escola de Copenhague considera a segurança uma construção social intrínseca à vida política e, através dessas lentes, tudo pode ser uma ameaça. O processo de securitização pode ser feita por qualquer ator, mas há limitações acerca da estrutura da fala, da posição social do ator e da relação entre o ator e a audiência. Dessa forma, a mídia é central para as relações de segurança, visto que dispõe de uma estrutura de recursos linguísticos e visuais, uma posição central na sociedade e uma relação íntima com a audiência. Logo, o processo de securitização é considerado efetivo na medida em que há a legitimidade linguística e a aceitação de retórica de imagens.
Nesse sentido, uma questão sanitária é posta como ameaça existencial aos indivíduos por meio da evolução de uma narrativa de segurança de saúde global, que se enraizou no panorama da saúde e no discurso de formulação de políticas, criando assim um estado perpétuo de emergência (Wenham, 2019).
No mais, devido aos fluxos transnacionais intensos com as viagens e o comércio internacional, a ameaça de exposição e de expansão de doenças é o foco da segurança da saúde, desaparecendo a dimensão de prevenção. A securitização do Zika no plano internacional reproduz a estrutura desigual no que concerne a proteção dos países desenvolvidos em face às doenças do Sul Global e o exercício de poder no regime internacional da saúde. Assim, houve uma audiência por parte do governo federal ao securitizar o Zika com a proximidade dos Jogos Olímpicos e a repercussão negativa da mídia internacional e, em consequência, da mídia nacional devido a possibilidade de expansão do vírus para outras regiões (Castro, 2017). Abaixo, podemos observar algumas imagens que realçam a linguagem e a imagem utilizadas pela mídia nacional e internacional durante a emergência do vírus Zika no Brasil e podemos relacionar com as problemáticas expostas.
Imagem 1
Fonte: Época (2014)
Título: Um risco maior que o Ebola. Chega ao Brasil o vírus chikungunya, que provoca febre alta e dores horríveis. Ele é transmitido pelo mesmo mosquito da dengue.
Imagem 2
Fonte: Fiocruz (2016)
Título: Muito mais que um mosquito. Após décadas de descontrole da dengue, novas doenças causadas pelo Aedes aegypti aumentam os desafios para o SUS e expõe os riscos de cortes no orçamento.
Imagem 3
Fonte: Veja (2016)
Título: O mosquito que zomba do mundo. Por que nossa orgulhosa civilização tecnológica do século XXI está perdendo a guerra para o inseto transmissor do temido vírus Zika.
Imagem 4
Fonte: Super Interessante (2016) Título: De onde vem essa Zika? Como é que, de repente, uma doença que nunca preocupou ninguém vira uma pandemia terrível? Afinal, o que está acontecendo? E o que esperar do futuro? Abaixo, outras legendas da capa.
Imagem 5
Fonte: The New Yorker (2016)
Imagem 6
Fonte: Newsweek (2016) Tradução: Mordidas de Zika. Como um pequeno time de médicos finalmente fez o mundo parar de ignorar o vírus.
Imagem 7
Fonte: Time (2016) Tradução: O Zika vírus. Uma doença misteriosa com efeitos devastadores. Seria a próxima crise de saúde pública em seu quintal?
Imagem 8
Fonte: The Guardian (2016)
Imagem 9
Fonte: Mail Online (2016) Tradução: O vírus Zika poderia ser o sinal da morte para as Olimpíadas? Rio de Janeiro enfrenta crise na medida em que espectadores e até ATLETAS são advertidos para não ir … enquanto os organizadores esperam que a estação seca mate os mosquitos.
Imagem 10
Fonte: The Telegraph (2015) Tradução: Medo de que o vírus Zika esteja causando deformidades em bebês à medida que se espalha pela América do Sul. Doenças transmitidas por mosquitos, que podem ser responsáveis por causar cérebros e crânios subdesenvolvidos em recém-nascidos, gerou emergência de saúde pública no Brasil e está se espalhando pelo Caribe.
Imagem 11
Fonte: Corriere Della Sera (2016) Tradução: Zika também chega à Europa. Quatro casos (resolvidos) na Itália. O vírus transmitido pelo mosquito “Aedes” causaria graves malformações nos fetos, como a microcefalia. Especialistas: “Sem contágio humano-humano”. Autoridades mundiais de saúde recomendam que mulheres grávidas não viajem ao Brasil e aos 22 países em risco.
Imagem 12
Fonte: Independent (2015) Tradução: Zika Vírus: Alertas de saúde na América do Sul e Caribe após temores de que a doença possa causar deformidades no nascimento. Médicos acreditam que a doença pode estar ligada ao aumento do número de casos de microcefalia em bebês.
À vista disso, segundo Ventura (2016), a denominação de ESPII não considera a existência da doença, mas que ela não saia da localidade onde deveria ficar. Além disso, é intrigante que a ESPII estava associada ao Zika e aos transtornos, e não as doenças endêmicas que persistem nos países em desenvolvimento. No mais, o confinamento de emergências internacionais ao prisma da segurança que, por conseguinte, condena a saúde global a “uma sucessão infinita de períodos de ‘guerra’ intercalados por ‘tréguas'”.
Em suma, observamos como a mídia está inserida nessa lógica de securitização através do uso de imagens e do discurso que refletem a construção de doenças como ameaças na saúde global. Com a compreensão de securitização da Escola de Copenhague, percebe-se o papel relevante da mídia para as relações de segurança devido a legitimidade linguística e a aceitação de retórica de imagens. Através das imagens escolhidas, podemos observar a abordagem da ameaça de exposição e de expansão de doenças e da proteção dos países desenvolvidos das doenças do Sul Global. Além disso, percebe-se a ameaça na mobilidade, uma vez que os Jogos Olímpicos poderiam expandir a doença para os países desenvolvidos, e a ênfase na assimilação de ser uma “guerra contra o mosquito” para superar a crise sanitária.
Referências Bibliográficas
CASTRO, Douglas. As Dimensões Internacional E Nacional Da Securitização Da Saúde: Um Estudo Empírico Sobre O Vírus Zika. SSRN. 2017.
VENTURA, Deisy. From Ebola to Zika: international emergencies and the securitization of global health. Cad. Saúde Pública 32 (4). 2016.
WENHAM, Clare. The oversecuritization of global health: changing the terms of debate. International Affairs, Volume 95, Issue 5, Pages 1093-1110. 2019. Disponível em: https://academic.oup.com/ia/article/95/5/1093/5556752. Acesso em: 28/10/2020.
WILLIAMS, Michael C. Words, Images, Enemies: Securitization and International Politics. International Studies Quarterly, Vol. 47, No. 4, pp. 511-531. 2003.
Imagens
Imagem 1 – MARQUES, Marcos. O bicho vai pegar. Época, [S. l.], 7 nov. 2014. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/faz-caber/noticia/2014/11/o-bicho-vai-pegar.html. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 2 – PERES, Ana Claúdia. Radis analisa tríplice epidemia provocada pelo Aedes. Agência Fiocruz de Notícias, [S. l.], 11 fev. 2016. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/radis-analisa-triplice-epidemia-provocada-pelo-aedes. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 3 – DIAS LOPES, Adriana; MELO, Carolina. Tristes Trópicos. Conhecimento Cerebral, [S. l.], 10 fev. 2016. Disponível em: http://conhecimentocerebral1.blogspot.com/2016/02/conhecimento-cerebral-destaca-saude.html. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 4 – LIVROS, Revistas e Comics. Mercado Livre, [S. l.]. Disponível em: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1313595124-revista-superinteressante-359-cocaina-zika-nova-lacrada-_JM. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 5 – THE NEW Yorker estampa na capa preocupação com o Zika vírus nos Jogos: Ilustração exibe atletas correndo de mosquitos. VejaRio, [S. l.] 5 dez. 2016. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/programe-se/the-new-yorker-estampa-na-capa-preocupacao-com-o-zika-virus-nos-jogos/. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 6 – NEWSWEEK Magazine. Amazon, [S. l.]. Disponível em: https://www.amazon.com/Newsweek-Magazine-March-11-2016/dp/B01DH5Z30G. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 7 – BAKER, Aryn. So Should We Just Kill Them All?. Time, [S. l.], 5 maio 2016. Disponível em: https://time.com/magazine/us/4319109/may-16th-2016-vol-187-no-18-u-s/. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 8 – KASSAM, Ashifa. Zika virus makes Rio Olympics a threat in Brazil and abroad, health expert says. The Guardian, [S. l.], 12 maio 2016. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2016/may/12/rio-olympics-zika-amir-attaran-public-health-threat. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 9 – ZIKA assusta imprensa mundial: ‘A Olimpíada sobrevive?’: Depois do alerta da OMS, jornais internacionais destacam o pânico causado pelo vírus e pela microcefalia e os temores de que a Rio-2016 ajude a espalhar a doença pelo mundo.. Veja, [S. l.], 29 jan. 2016. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/zika-assusta-imprensa-mundial-a-olimpiada-sobrevive/. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 10 – BUARQUE, Daniel. Mídia internacional alerta sobre mosquitos após casos de zika no Brasil. Uol, [S. l.], 1 dez. 2015. Disponível em: https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/12/01/midia-internacional-alerta-sobre-mosquitos-apos-casos-de-zika-no-brasil/. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 11 – REPERCUSSÃO internacional sobre o Zika. O Globo, [S. l.]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/repercussao-internacional-sobre-zika-18537411. Acesso em: 20 out. 2020.
Imagem 12 – BUARQUE, Daniel. Mídia internacional alerta sobre mosquitos após casos de zika no Brasil. Uol, [S. l.], 1 dez. 2015. Disponível em: https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/12/01/midia-internacional-alerta-sobre-mosquitos-apos-casos-de-zika-no-brasil/. Acesso em: 20 out. 2020.
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